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31/01/2011
Alexandre Otávio Cavalcanti de Carvalho
Num mundo onde o debate político é dominado por duas grandes narrativas antagônicas, mesmo que quase primas-irmãs, filhas da mesma raiz revolucionária, o entendimento geral é de que a palavra conservador possui um significado pejorativo. Geralmente, vem acompanhada no dicionário dos termos reacionário e retrógrado, considerados pela maioria como noções ainda mais desagradáveis. A coisa somente melhora quando ingressamos no terreno da biologia ou da medicina. Nessas áreas de estudo, o termo conservador vem intimamente ligado a outra palavra muito importante para a vida: a auto-preservação. A sociedade é encarada pelo conservadorismo como possuidora de propriedades tão orgânicas quanto o corpo biológico. O conservador é aquele que procura resguardar o corpo social tanto dos excessos do liberalismo quanto do igualitarismo. Na ânsia de evidenciar suas peculiaridades mais significativas, liberais e socialistas esquecem que tanto o corpo político quanto um organismo vivo necessitam de proteção. O conservador sabe, mais do que ninguém, que determinados tratamentos podem chegar até a matar o paciente.
Um primeiro aspecto a ser discutido sobre o conservadorismo é a sua falta de filiação ideológica. O conservador é aquele que se baseia na dúvida, no ceticismo e na prudência. Sabe que qualquer idealização tanto da mão invisível ou do equilíbrio de Nash – sua versão mais atualizada – quanto do materialismo dialético é insuficiente. Condena inclusive aquelas visões, também idealistas, que procuram transplantar para uma sociedade onde a ruptura, a tragédia e a decadência revolucionária já aconteceram, modelos ou valores sociais extintos, produtos de uma análise histórica tendenciosa e romântica. O conservador trabalha com o mundo que existe, porém com a plena consciência de que quebrar é muito mais fácil do que construir. Qualquer idealização é capaz de provocar tentativas de engenharia social que certamente produzirão novas relações de poder. O conservador é aquele que justamente desconfia daquelas ambições que se propõem a inverter o fluxo natural dos acontecimentos em nome de uma análise conceptual em etapas ou marcos. Revela que estas ambições não são tão somente um produto da ingenuidade e da presunção do discurso ideológico, mas surgem da mais visceral disputa pelo poder. A proposta conservadora é desconfiar, desacreditar e renunciar a essas ambições provenientes da imposição ideológica.
O conservadorismo se caracteriza também pela sua denúncia da atomização da sociedade através das polarizações Estado/cidadão e Corporações/consumidores. As sementes do totalitarismo, da alienação e do populismo estão incrustadas nessas dicotomias. A valorização dos grupos, sociedades e comunidades representativas de permeio ou paralelas a atuação do Estado dentro da sociedade civil é o caminho para se evitar as armadilhas da concentração de poder de um lado e da individualização massificadora do outro. O reconhecimento explícito da utilidade pública das religiões, cooperativas, associações culturais, entidades classistas, movimentos sociais, dentro daquilo a que se propõem e dos limites legais, deve vir acompanhado pela prática do princípio da subsidiariedade. O Estado assumiria, portanto, um papel supletivo. De modo algum, ele seria um ente diretor, incorporador ou aliciador. Os corpos sociais civis deveriam estar capacitados a cumprirem efetivamente o seu papel com plena autonomia perante o Estado. Na ausência ou incapacidade destes, o Estado interviria, mas a ênfase seria colocada em incentivar que esses entes civis se multiplicassem, se auto-organizassem e se auto-administrassem.
O conservadorismo valoriza o local. É na localidade que as políticas públicas são de fato aplicadas. Em princípio, numa situação ideal, o nível local deveria estar apto a resolver a totalidade dos problemas do cidadão. Pois é o ponto mais próximo da população. Porém, não é isso o que, de fato, ocorre na maioria das ocasiões. A solução seria transferir para os níveis dos Estados e da União somente aquilo que não poderia ser resolvido no plano da localidade, seguindo o princípio da subsidiariedade. O Município passaria assim a ser reconhecido no ordenamento jurídico como o principal e mais capaz agente do desenvolvimento social, seria o ente federativo primordial, limitado somente por circunstâncias que exigissem, temporária ou permanentemente, o aporte de recursos ou a gestão das entidades superiores. Por conseguinte, haveria uma inversão da arrecadação em favor dos Municípios e Estados, instituindo o autêntico federalismo. É também no âmbito local onde os dispositivos de democracia direta poderiam ser devidamente aplicados sem oferecerem riscos ao sistema representativo.
O conservadorismo é um defensor intransigente da relevância da propriedade privada como um direito tão importante quanto à vida, a segurança pessoal e as liberdades de consciência, de movimento e de associação. O conceito de propriedade utilizado aqui não se restringe somente à propriedade fundiária. É correto entender como propriedade particular toda e qualquer capacidade de capitalização que possa ficar congelada em um bem que não se destine somente ao consumo próprio. Ser proprietário de um ativo desses é uma circunstância que traz maior segurança e estabilidade, garantindo assim certa autonomia diante do restante dos particulares e do próprio Estado. Para a mentalidade conservadora, essa liberdade derivada da condição de proprietário é tão fundamental que não existe preconceito algum contra qualquer tipo de propriedade. Inclusive, aquelas que estão em débito perante os requisitos de sua função social. A questão central nesse aspecto é que não deveríamos valorizar um tipo de propriedade em detrimento de outro. Todo e qualquer tipo de propriedade particular é tida como importante para o progresso social. A disseminação da propriedade privada, outro ponto defendido pela plataforma conservadora como um dos fatores impulsionadores da genuína evolução do corpo social porque não se baseia somente no simples consumismo, não deveria acontecer através da privação arbitrária do mesmo direito de outrem.
O conservadorismo promove a igualdade econômica através da igualdade de oportunidades. O ponto central aqui é não somente dar o peixe, mas ensinar o sujeito a pescar. A sociedade deve se empenhar na formação de indivíduos produtivos, na valorização do trabalho e do mérito, na criação de condições para que as pessoas se eduquem e se profissionalizem. A educação deve nos libertar do autoritarismo, da obediência cega, da subordinação e do comodismo. É uma visão contrária ao populismo econômico. Onde o Estado passa a distribuir benesses sem contrapartida, pagando rendimentos crescentes a legiões de dependentes, na forma de salários aos funcionários públicos, aos aposentados, aos recebedores de bolsas e aos rentistas de uma forma geral. Mérito significa que os indivíduos devem ser bem pagos somente com base em suas próprias capacidades e não levando em conta as vantagens de classe social, do nepotismo, do corporativismo e de políticas afirmativas. A meritocracia é, sem sombra de dúvida, essencial para garantir a eficiência econômica necessária para gerar a elevação dos padrões de vida.
O conservadorismo fomenta uma desconfiança salutar contra qualquer forma de poder. Essa desconfiança é baseada no princípio da imperfectibilidade. Tal princípio preconiza que a natureza humana sofre irremediavelmente de determinadas falhas graves. Dessa forma, todo e qualquer poder deve ser prudentemente limitado, pois sempre é o poder de um ou de alguns sobre os outros. Todo poder supostamente coletivo sempre é desviado pela necessidade de representação e de deliberação. Devido a isso, todo e qualquer governo ou corporação deve ser levada na rédea curta, deve ser vigiada e fiscalizada. É a chamada visão pessimista do poder. Onde a preocupação maior daquele que detém o poder é, em primeiro lugar, preservá-lo. O discurso político, dessa forma, não se prestaria a promoção do bem comum e da liberação, mas seria usado somente como um sofisma ideológico destinado a preservação do poder, que possuiria, através de uma ética hipócrita, o efeito colateral de proporcionar benefícios.
O conservadorismo prioriza o prático sobre o teórico. O conservador é aquele que opta por aquelas soluções que produzem bons resultados via processos de experimentação e sedimentação. Soluções boas são aquelas constantemente ajustadas ao passarem pelo crivo da experiência. Dessa maneira, um período de maturação é necessário. A questão central nesse tópico é a da experiência através da continuidade. A mentalidade moderna trabalha somente com a experiência através da análise ou de uma simulação. Esquece de um fator muito importante: o tempo. O tempo descrito aqui não é aquele de um cronograma com prazos fixos e estipulados, mas o tempo real. Não é o tempo da razão de um diretor, de um dirigente, de um cliente, de um competidor, mas o tempo do surgimento e da estabilização. É aquele tempo durante o qual se permite que as coisas despontem a partir de si mesmas e se ajustem.
O conservadorismo sustenta a prevalência do cultural sobre o econômico. Diferente de liberais e marxistas, o conservador é aquele que destaca a cultura como fonte primeira do processo civilizacional. A construção cultural é sempre bem mais lenta que a transformação econômica, pois envolve a decantação penosa de mentalidades através da solidificação de tradições. Não se assenta em teorizações mirabolantes. Mesmo as categorias econômicas são um produto de valorações apuradas a partir de um longo processo histórico de idas e vindas às vezes bastante sofridas. A idéia de um devir econômico baseado em leis próprias apartadas de qualquer mentalidade cultural é uma quimera. As grandes narrativas modernas sempre procuraram destacar um determinado conjunto de elementos do restante da cultura dando-lhes vida ou lógica própria. Desse modo, acabaram por criar visões totalizantes da história que prescreviam regras de funcionamento da sociedade para toda a humanidade.
No Brasil, hoje, não existe um grande partido de direita. Desde os Democratas até o PT, todos são liberais, social-democratas ou socialistas. O país precisa urgentemente de um, pois agora virou moda ser progressista. Rotular alguém de direitista tornou-se praticamente uma ofensa. Precisamos de um partido que resgate o termo, “direita”, dos seus mal-entendidos históricos. É necessário definir as bases programáticas para um novo conservadorismo que não se limite, por um lado, somente a defender a moralidade familiar e os bons costumes, enquanto que, do outro, adere, sem hesitar, ao mais descarado fisiologismo, pois fisiológica atualmente é a esquerda. Precisamos de um partido que proteja os interesses daqueles que produzem, trabalham, pagam impostos, por sinal, escorchantes, e que não são devidamente recompensados com um comportamento mais republicano da parte de seus governantes. Mais de um terço do eleitorado aguarda por isso.
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Cavaleiro: e ainda este trecho de um comentário excelente do autor da publicação.
...Hoje, existe uma hegemonia da esquerda que começou, lá atrás, durante a ditadura militar com a teoria da panela de pressão de Golbery. A partir daquela época a sinistra começou a dominar os meios literários e acadêmicos porque justamente o regime militar deixou esses espaços abertos como uma válvula de escape da coação que a ditadura exercia.
Hoje, estamos numa época bem diferente: o consenso a esquerda é um fenômeno mundial, pois o capital descobriu que a esquerda é mais eficiente no gerenciamento do crescimento econômico, já que ela é pretensamente a dona do discurso da igualdade e da justiça social que não passa de um sofisma com o objetivo de se manter no poder.
A China é o cenário modelo de um vigoroso crescimento econômico com a exploração abusiva da população através de uma ditadura de esquerda. A desconfiança de que o PT possuí um projeto de supremacia política gramsciniana faz com que a possibilidade de sua permanência no palácio do planalto a partir de 2014 acenda o alerta amarelo de todos aqueles que têm um mínimo de preocupação com a democracia. Essas pessoas são justamente aquelas que acordaram ou migraram do centro ou da centro-esquerda para a direita, mas não possuem um canal de expressão política que seria um partido de viés liberal-conservador...
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