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Terça-feira, Março 01, 2011
EROS ROBERTO GRAU
O Estado de S.Paulo - 01/03/11
A crítica a certos atos não é necessariamente expressiva de repúdio a quem os tenha praticado. Ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) inspire respeito enquanto instituição, a ação direta de inconstitucionalidade contra o ensino religioso, por ela patrocinada, é simplesmente imperdoável. Proposta em agosto de 2010, essa ação, imperdoável, está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em novembro de 2008 o Brasil e a Santa Sé celebraram um Acordo Bilateral cujo artigo 11 estabeleceu que a República Federativa do Brasil deve respeitar a importância do ensino religioso, tendo em vista a formação integral da pessoa. Deve fazê-lo observando o direito de liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional do País. Além disso, o acordo afirma que o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil.
Não há absolutamente nada de novo aí. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, já definira que o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. E, mais, assegurava o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e vedava quaisquer formas de proselitismo.
Daí que, para que a Procuradoria-Geral da República pudesse ir ao STF sustentar a inconstitucionalidade do acordo celebrado entre o Brasil e a Santa Sé, teria de, por imposição de coerência, sustentar a inconstitucionalidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Situação delicada, pois, embora tenha deixado passarem 14 anos de vigência dessa lei sem nenhum questionamento, a Procuradoria-Geral da República foi compelida, ao propor a ação direta de inconstitucionalidade, a contra ela investir. Não o fizesse, e resultaria injustificada a impugnação do acordo. Situação delicada. Bastou a sua celebração entre o Brasil e a Santa Sé para que à Procuradoria-Geral da República o ensino religioso passasse a parecer incompatível com a Constituição...
Assim, após 14 anos de inércia, a PGR pretende que o STF declare "que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não confessional, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas". Alternativamente, se o tribunal não concordar com isso, pede que seja declarada a inconstitucionalidade do trecho "católico e de outras confissões religiosas", no parágrafo 1.º do artigo 11 do acordo bilateral.
A Procuradora-Geral da República admite o ensino da religião como formação cultural. Mas a religião há de ser ensinada nas escolas, segundo ela, por professores "não confessionais", ou seja, por professores não vinculados a qualquer religião, sem religião.
A ação proposta pela Procuradoria-Geral da República aponta contra o acordo Brasil/Santa Sé e é, de fato, um panfleto anticlerical. Um panfleto no mínimo anticatólico.
Pois não há dúvida nenhuma de que a Constituição do Brasil garante em sentido amplo a liberdade de ensino religioso. Leia-se o parágrafo 1.º do seu artigo 210: "o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
Essa liberdade é, como se vê, entre nós plenamente assegurada: a frequência é facultativa - os pais decidem a esse respeito, possibilitando, ou não, aos filhos formação espiritual - mas a disciplina é obrigatoriamente oferecida a todos os alunos.
Isso é muito próprio à cultura nacional, que a Constituição, para ser legítima, há de refletir. Somos plasmados, os brasileiros, também por uma religiosidade bem nossa, ao ponto de Deus ser brasileiro e os que aqui se proclamam materialistas em maioria não professarem o ateísmo. A laicidade do Estado não significa inimizade com a fé.
A Constituição do Brasil garante amplamente a liberdade de ensino religioso. É francamente avessa ao anticlericalismo. Promulgada "sob a proteção de Deus", como o seu preâmbulo afirma, não reduz a laicidade estatal a ateísmo. Proíbe ao poder público, é verdade, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança - ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (artigo 19, I). Mas seu artigo 213 autoriza expressamente o poder público a encaminhar recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Seu artigo 150, inciso IV, b, assegura a imunidade dos templos de qualquer culto à instituição de impostos e o parágrafo 2.º do seu artigo 226 atribui efeitos civis ao casamento religioso, nos termos da lei.
Nossa Constituição, como se vê, recusa o anticlericalismo e, no parágrafo 1.º do seu artigo 210, garante a todos acesso ao ensino religioso. Ensino religioso é ensino ministrado por professores confessionais, observada a pluralidade confessional do País.
Não me excedo, por certo, ao insistir em que a Constituição torna obrigatório o ensino confessional, que, não obstante, será facultativo. A formação humana se completa na formação religiosa por livre opção dos pais. A liberdade de escolher é plena: filhos a cujos pais espiritualidade e religião nada significam não frequentarão a disciplina; aos demais o acesso a ela é assegurado pelo Estado. Insisto, sim, em que a liberdade de ensino confessional é aqui, em todos os sentidos, ampla.
A ação promovida pela Procuradoria-Geral da República é não apenas um panfleto anticlerical. Agride a própria liberdade, além de pressupor que um preceito da Constituição - o parágrafo 1.º do artigo 210 - seja inconstitucional...
PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DO STF
Bento XVI manifestou ainda a sua tristeza por considerar que “em certos países, sobretudo ocidentais", se difundiu "nos meios políticos e culturais, bem como nas mas midias, um sentimento de pouca consideração e por vezes de hostilidade, para não dizer menosprezo, para com a religião, particularmente a religião cristã”.“É claro que, se se considera o relativismo como um elemento constitutivo essencial da democracia, corre-se o risco de conceber a laicidade apenas em termos de exclusão ou, mais exatamente, de recusa da importância social do facto religioso”, atirou, considerando esta atitude como “uma estrada sem saída”.
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