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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Para cima e para baixo

MÍDIA SEM MÁSCARA

Quanto mais se estuda a História, mais se persuade de que não há nela uma linha identificável - muito menos uma que leve claramente para baixo ou para cima.


Conforme se sinta feliz ou infeliz, ajustado ou deslocado na sua época, você tende a enxergar a passagem do tempo histórico como evolução ou decadência. Os filósofos pré-socráticos, por exemplo, lhe parecerão precursores da ciência atual ou portadores de uma sabedoria perdida.

A Idade Média, um período de trevas ou a apoteose da inteligência humana. A 2ª Guerra, uma regressão à barbárie antiga ou o cúmulo da barbárie moderna. A nenhuma época da História faltam qualidades que justifiquem uma opinião e a outra. Se há neste mundo algum julgamento que seja desesperadoramente subjetivo, é aquele que vê a caminhada da espécie humana sobre a Terra como uma gloriosa escalada em direção aos céus ou inexorável descida aos infernos.

"Todas as épocas são iguais perante Deus", ensinava o historiador Leopold von Ranke. Quanto mais se estuda a História, mais se persuade de que não há nela uma linha identificável - muito menos uma que leve claramente para baixo ou para cima.

Julgamentos de evolução ou decadência só fazem sentido quando há um objetivo e um prazo, claros e determinados, que sirvam de medida do avanço ou retrocesso. Como ninguém sabe para onde a História deve ir nem quanto vai durar, cada um é livre para medi-la segundo a régua que entenda e chegar a conclusões opostas às do seu vizinho.

No entanto, há na História entidades e instituições que têm uma finalidade clara e pretendem atingi-la num prazo concebível. Essas podem ser julgadas, pois têm em si seu próprio padrão de medida. A Igreja Católica, por exemplo, prometeu fazer santos, e os fez em profusão desde o primeiro dia, mas não pôde continuar a produzi-los na mesma quantidade e nem mesmo na proporção do crescimento do número de almas humanas na Terra. Dizer que algo aí não está muito bem não é nada de subjetivo.

O movimento sionista prometeu dar aos judeus um país no prazo de duas ou três gerações. Deu-lhes o país, mas cercado de inimigos. Foi um progresso caro e perigoso, mas quem não concordará que é melhor estar espremido na sua própria terra do que num país estrangeiro, onde cada um está louco para jogar você num gueto ou num campo de concentração?

Já o socialismo não prescreveu a si mesmo nenhum prazo, mas o morticínio, a miséria e a opressão que produziu ao longo de um século já superaram tão amplamente a dose de sofrimentos humanos que ele prometia curar, que não é nem um pouco insensato prever que ele não poderá se sair melhor se lhe dermos outra chance (a última coisa que devemos fazer).

De outro lado, seu fracasso em atingir os fins declarados não implica que ele tenha perdido também o prestígio mágico adquirido pelas suas promessas iniciais. Ao contrário: o número de fiéis do socialismo parece aumentar na mesma proporção do número de cadáveres que ele vai deixando pelo caminho. O socialismo decai como ideal legítimo no mesmo passo em que progride como máquina de conquista do poder. Como diria Nelson Rodrigues, o fracasso subiu-lhe à cabeça.

A cultura superior no Brasil também não nasceu com prazo, mas é razoável e, aliás, habitual, medi-la pela evolução de um país vizinho nascido na mesma época e em condições não muito diversas.

O transcurso de dois séculos fez aí toda a diferença: a elite pensante do nosso Império nada perdia na comparação com os Founding Fathers, mas enquanto os Estados Unidos são hoje o centro da alta cultura universal, reunindo os maiores filósofos, os maiores cientistas, os maiores artistas e as melhores universidades, o Brasil simplesmente saiu da história intelectual do mundo. Saiu pelo ralo. Pode-se perguntar o que deu errado e responder com máxima objetividade: tudo.

A pergunta sobre evolução e decadência não é sempre descabida. Basta que seja limitada a entes e processos historicamente mensuráveis e que você esteja preparado para aguentar o tranco da resposta.

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