| 01 JANEIRO 2011
ARTIGOS - DIREITO
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A decisão confortável dos pais de permitir que um Conselho de joões-ninguém determine a dieta de seus filhos terá diversas consequências para eles. Ficará patente, no futuro, a omissão e a fuga à responsabilidade.
A notícia não é nova, mas o problema é perene. No dia 9 de novembro, o Conselho de Supervisores de São Francisco, na Califórnia, proibiu a venda casada de sanduíche, refrigerante e um brinde. O candidato natural da proibição desse tipo de venda é o "McLanche Feliz", que consiste exatamente nisso - um sanduíche, um refrigerante e um brinquedo. Outros pacotes da mesma natureza foram igualmente atingidos. Como de hábito, a regulamentação teve por objetivo evitar que crianças consumam calorias demais, gorduras demais e sódio demais.
Esse tipo de combinação é politicamente incorreto do ponto de vista nutricional, e pessoas bem intencionadas se afligem com a saúde das crianças expostas a esse tipo de dieta. Passei a minha vida adulta sem comer ovos. Adorava os sanduíches de ovo que levava como lanche para a escola. Amava um bife a cavalo, com a gema escorrendo sobre a carne e misturando-se com os acompanhamentos da refeição. Adulto, ciente dos males que o colesterol poderia causar, suspendi o consumo de ovos. Décadas após esse sacrifício, para minha estupefação, soube que ovos não fazem mal à saúde. Voltei a comê-los. Receio que dentro de alguns anos alguém nos diga que a combinação ideal para uma boa nutrição seja precisamente um sanduíche acompanhado de um refrigerante, com bastante gordura e sódio no primeiro.
E muitas, muitas, calorias. Não sou consumidor dos produtos MacDonald's. Nada pessoal contra os sanduíches. Também não como jiló e, pasmem, banana, a fruta com a melhor composição de vitaminas e sais minerais. Simplesmente não suporto bananas. A despeito de todos os esforços da família, não comi e continuo não comendo bananas. Trata-se de uma escolha que fiz e que teve como contrapartida o compromisso de comer outras coisas que me trouxessem os benefícios alimentares de que abri mão, ao deixar de consumir a planta herbácea - vivaz acaule da família Musaceae -, como informa a Wikipédia.
Se não gostava de banana, também não podia comer o que me desse na telha. A família impunha claras limitações ao que comer e em que quantidade. Refrigerantes, só no almoço de domingo, por exemplo. Graças à misericórdia do Senhor e à responsabilidade da família, continuo vivo e em boa saúde, apesar dos anos. Causa-me enorme espanto que o Conselho de Supervisores de São Francisco se sobreponha à autoridade dos pais em determinar o que crianças devem ou não ingerir, acompanhado ou não de brindes. É responsabilidade indelegável dos pais decidir o que os filhos menores podem ou não comer. Esse Conselho, simplesmente, arvorou-se responsável pelos filhos dos outros, em flagrante usurpação da responsabilidade dos pais. Temo que os eleitores de São Francisco não reajam a essa insanidade. Se não o fizerem, ficará patente que os pais dessa cidade querem desfrutar das alegrias de ter filhos, mas não pretendem arcar com as correspondentes responsabilidades de sua criação.
A liberdade de ter filhos e criá-los está umbilicalmente associada à responsabilidade de tomar decisões por eles, até que, progressivamente, estes possam tomar as suas próprias decisões. Assim criados, os filhos aprenderão a noção de limites e de responsabilidades. Perceberão que, quando os pais tomam uma decisão antipática que os contrariam, é porque estão atentos ao que julgam ser melhor para eles no longo prazo. A decisão confortável dos pais de permitir que um Conselho de joões-ninguém determine a dieta de seus filhos terá diversas consequências para eles. Ficará patente, no futuro, a omissão e a fuga à responsabilidade.
Não se cria um cidadão responsável dessa maneira, uma vez que o exemplo é a forma mais adequada de transmitir valores. Friedrich Hayek escreveu um livro, O caminho da servidão, para nos mostrar que é de pequena restrição em pequena restrição que a liberdade se perde. Referia-se, no livro, à crescente intervenção na economia pelo governo trabalhista inglês após a segunda guerra mundial. Tomou tempo, mas, depois de perceberem as consequências das restrições à liberdade, os ingleses optaram pelo fim delas, elegendo o gabinete de Margaret Thatcher para restabelecer a liberdade econômica no país. Esperemos que, a exemplo dos ingleses, os cidadãos de São Francisco se apercebam do caminho que estão trilhando, que eventualmente legitimará todo tipo de controles sobre os aspectos mais comezinhos de suas vidas. E optem por outro, de liberdade com responsabilidade.
Roberto Fendt é economista
Publicado no Diário do Comércio em 30/12/2010.
Publicado no Diário do Comércio em 30/12/2010.
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