em 25 de janeiro de 2011
por Victor Davis Hanson
Viajei por três semanas, tomando o pulso das áreas mais esquecidas da Califórnia central. Eu queria testemunhar, ainda que superficialmente, o que está acontecendo a um estado que tem os mais altos impostos sobre produtos e renda, os mais pródigos benefícios sociais, o quase pior sistema de escolas públicas (de acordo com os índices federais), o maior número de imigrantes ilegais da nação, ao lado de um setor privado excessivamente regulamentado, uma base industrial estagnada e em encolhimento e uma elite cujo etos ambientalista restringe a atividade empresarial sem conter o consumo.
Durante este experimento não científico, eu pedalava cerca de 20 milhas [32 km], três vezes por semana por várias estradas rurais no sudoeste do Condado de Fresno. Eu também fui de carro até a costa para trabalhar, seguindo vários roteiros que cruzavam as pequenas cidades de San Joaquin, Mendota e Firebaugh. E perto de minha casa, dirigi, fiz compras e passeios pelas áreas bastante segregadas e empobrecidas de Caruthers, Fowler, Laton, Orange Cove, Parlier e Selma. A minha própria casa de fazenda está agora numa área de pobreza abjeta e quase nenhuma diversidade étnica; na escola de ensino fundamental mais próxima (minha alma mater, a duas milhas de distância) 94 por cento dos alunos são hispânicos e um (1) por cento brancos, e bem abaixo dos padrões federais nos testes de matemática e inglês.
Aqui vão algumas considerações gerais sobre o que eu vi (além daquelas sobre o fato de que as estradas rurais da Califórnia estão rapidamente se transformando em buraqueiras muito mal conservadas, lembrando o que vi há muito tempo atrás no velho Sul dos EUA). Primeiramente, lembre que essas áreas são o marco zero, por assim dizer, de 20 anos de imigração ilegal. Houve uma depressão generalizada na agricultura — a tal ponto que os pomares e vinhedos de 20 a 100 acres [1 acre tem pouco mais de 4 mil metros quadrados; 1 hectare = 10 mil metros quadrados], a outrora espinha dorsal da velha Califórnia rural, deixou de existir para todos os propósitos práticos.
No lado oeste do Vale Central, os efeitos dos cortes arbitrários no programa federal de irrigação tornaram ociosos dezenas de milhares de acres de terra agricultável de primeira qualidade, causando o desemprego de milhares. As fábricas nas cidades dessas áreas — que fabricavam colheitadeiras, empilhadeiras, trailers e equipamento para o processamento de alimentos — em sua maioria, fecharam; sua produção foi transferida para além-mar ou para o lado sul da fronteira. A agricultura mesmo passou por transformações – foi mecanizada e controlada por grandes empresas, tendo como efeito o corte de metade da mão-de-obra necessária nas fazendas. Assim, o desemprego geral na região está entre 15 e 20 por cento.
A olho nu, a maioria dos acampamentos de trailers que vi na área rural não me pareceu muito diferente daquilo que vi no Terceiro Mundo. Há um visual caribenho naqueles carros caindo aos pedaços, fios elétricos cruzando edículas improvisadas, lonas plásticas fazendo vez de telhados, pequenos anexos amontoados fazendo vez de quartos extras, pit bulls soltos, gansos, bodes e galinhas vagando pelos quintais. O público tem notícia sobre as mais variadas e duríssimas regulamentações californianas que obstruem negócios — rígidas lei de zoneamento, códigos de construção restritivos, inspeções constantes — mas aqui, aparentemente nada disso se aplica.
É como se quanto mais a Califórnia impusesse regulamentos, mais estes fossem ignorados. Seus funcionários públicos preferem caçar as contravenções nas áreas ricas para justificar a nossa cara indústria regulatória, enquanto ignoram delitos graves nas áreas empobrecidas, que estão se tornando lúgubres e selvagens, longe da habilidade de qualquer inspetor fazer outra coisa além de se sentir irrelevante. Mas, em defesa dos inspetores, pergunto: onde alguém conseguiria dinheiro para refazer um improvisado amontoado de trailers transformado em favela coberta por uma teia de cabos elétricos?
Muitos dos barracos rurais alugados e velhos Winnebagos[1] estão onde antes havia pequenas fazendas – restam agora vinhedos sem cuidado, cobertos de ervas daninhas, ou simplesmente arrancados, deixando a terra improdutiva. Deixo de lado as considerações sobre as consequências culturais da perda de milhares de famílias dedicadas à agricultura. Acho que não consigo lembrar outra época onde tanta terra na parte leste do vale deixou de produzir, mesmo agora, quando o preço dos produtos agrícolas voltou a subir. Aparentemente, simplesmente não vale a pena arriscar investir de sete a dez mil dólares por acre num novo pomar ou vinhedo. É uma anomalia e tanto — com os preços de alguns produtos agrícolas subitamente subindo, temos milhares de acres improdutivos no mais rico cinturão agrícola do mundo. O crédito foi congelado? Será que não há mais produtores rurais? Será que as escolas são tão ruins a ponto de espantar qualquer empreendedor agrícola em potencial? Ou estamos todos apavorados com a dívida nacional e o futuro incerto?
As elites[2] que vivem na costa da Califórnia podem dar-se ao luxo de se preocupar com o conteúdo de oxigênio na água disponível para o smelt [uma espécie de salmão bem pequeno] no delta dos rios Sacramento-San Joaquin, mas parecem não ter nenhum interesse no epidêmico despejo de lixo, móveis velhos e, frequentemente, de substâncias tóxicas por todo o interior da Califórnia. Ontem, por exemplo, eu estava com minha bicicleta, quase passando por uma van estacionada no acostamento, no exato momento em que seus ocupantes atiravam sete grandes sacos plásticos cheios de lixo na beira da estrada. Parei e lhes falei com meu espanhol claudicante para que não jogassem lixo numa via pública; mas eles estavam em três e eu sozinho. Tive sorte de ser apenas xingado. Só para constar, eu jamais iria ao México para ousar parar numa estrada e jogar lixo na terra de meus hóspedes.
Na verdade, pilhas de lixo são coisa comum por aqui — compostas de tudo, desde latas vazias e brinquedos plásticos a fraldas sujas e comida mofada. Eu nunca vi um policial multando um desses sujões; nunca vi funcionários da EPA estadual fazendo remoção desses monturos ilegais. Eu gostaria de dizer aos zelosos cientistas da Bay Area [Área da Baía de São Francisco, uma das mais ricas áreas do país] que o ambiente, a natureza com que tanto se preocupam, está tomando uma surra muito maior aqui na Califórnia central do que no Delta. Talvez, antes de cortar ainda mais a irrigação para o lado oeste do vale, deveríamos investir alguns dólares verdes na limpeza desse lixo horroroso e perigoso que polui os limites de nossas comunidades rurais.
Ouvimos falar dos rígidos regulamentos impostos sobre as pequenas empresas e que fizeram com que muitas pessoas deixassem a Califórnia, numa base de duas a três mil por semana. Mas de acordo com minhas observações não científicas nas últimas semanas, parece-me muito fácil abrir um pequeno negócio na Califórnia, sem nenhuma supervisão ou regulamentação, ou pelo menos, aquilo que eu poderia chamar de “counter business” [3]. Eu contei onze caminhonetes vendendo comida mexicana à beira da estrada. Estacionam, espalham algumas cadeiras de plástico, abrem uma lona plástica e presto: mais um mini-restaurante. Não há banheiros, nem sequer uma piazinha para lavar as mãos. Mas com muita frequência, vi trilhas de gordura pelos lugares mais isolados por onde pedalei. Ao que parece, essas caminhonetes-restaurante abrem seus drenos e se mandam, deixando para trás um rastro escorregadio de gordura e restos de fritura. Corvos e roedores adoram isso; vistos à distância, parecem misteriosamente ocupados com alguma coisa no meio da estrada.
Nos cruzamentos, ambulantes vendem quase de tudo nessa economia da Califórnia-sem-nota. Eis o que percebi num cruzamento no lado oeste do vale: pás, ancinhos, mangueiras, bombas de gasolina, cortadores de grama, aparadores, jaquetas, luvas e bonés. A mercadoria era novinha em folha. Duvido que tenham pagado qualquer imposto de compra ou venda nessas transações pegue-e-pague ao ar livre.
Em dois supermercados, distantes 50 milhas um do outro, eu era o único na fila que não estava pagando com os cartões plásticos emitidos pelas autoridades de assistência social e que substituíram os antigos food stamps (cartões de auxílio-alimentação). Mas eu não vi nenhuma relação entre o uso desses cartões e a pobreza tal com a conhecíamos: os aparelhos eletrônicos dos clientes e os carros onde as compras eram carregadas eram inegavelmente marcas da alta classe média.
Com isso eu quero dizer que a maioria dos consumidores nesses locais dirigia os últimos modelos de Camry (Toyota), Accord (Honda) e Taurus (Ford). TinhamiPhones, BlackBerries e compravam tudo com crédito da assistência pública. Isso me pareceu um mundo à parte dos trailers pelos quais tinha passado um dia antes. Não estou dando a minha opinião sobre a lógica e a moralidade de nada que vi, mas noto que há um vasto número de pessoas que aparentemente não está trabalhando, depende da assistência social para comprar comida, mas desfruta do verniz tecnológico da classe média. É certo que a Califórnia tem um mercado consumidor, mas por vezes, nenhuma fonte aparente de renda. Será que os quarenta milhões de dólares em auxílio-desemprego que Washington envia diariamente têm algo a ver com isso?
A preocupação com a diversidade, tal como com a falta dessa, funciona nos dois sentidos? Num trecho de mais de cem milhas, quando parei em San Joaquin para comprar uma garrafa de água, ou quando dirigi por Orange Cove, ou parei para abastecer em Parlier, ou fui a um mercadinho em Selma, a minha cidade, eu era o único não-hispânico — não havia nenhum asiático, nenhum negro, nenhum outro branco. Podemos falar da riqueza da “diversidade étnica”, mas aqueles que cultivam esse ideal simplesmente não têm ideia de que hoje há incontáveis comunidades interioranas que se tornaram sociedades muito próximas do apartheid, onde o espanhol é a primeira língua, as escolas não têm diversidade nenhuma, e os governos federal e estadual são os principais empregadores ou, pelo menos, as principais fontes de renda — através de prontos-socorros, clínicas rurais, escolas públicas ou escritórios de serviço-social. Um observador de Marte poderia concluir que nossas elites e nossas massas desistiram do ideal de integração e assimilação, talvez como resultado da chegada de onze a quinze milhões de imigrantes ilegais.
Novamente, não tento dar a minha opinião, mas simplesmente noto as vastas transformações ocorridas nos últimos vinte anos: ondas de irreprimida imigração ilegal, uma enorme expansão de direitos e benefícios aos residentes na Califórnia concomitante com um brutal aumento de impostos, a fuga da classe média alta para fora do estado, o esforço deliberado para impedir o aproveitamento de recursos naturais, a mudança de brancos, negros e asiáticos de muitas dessas pequenas cidades para áreas mais ricas e diversificadas da Califórnia.
O campus da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno (CSUF) está enredado em controvérsia a propósito de um presidente de centro acadêmico que anunciou ser um imigrante legal, com todos os indispensáveis protestos em favor do Dream Act [Development, Relief and Education for Alien Minors Act]. Eu não vou entrar no mérito da legislação per se, mas de novo, note a anomalia. Eu lecionei na CSUF durante vinte e um anos. Acho justo dizer que o currículo do programa de Estudos Chicanos e Latino-Americanos era mero (e confuso) complexo de culpa americano. Com isso quero dizer que os alunos matriculados nessas disciplinas ouviram muito mais acerca dos pecados americanos do que acerca de nossas qualidades e atrativos. Em minha cidade, adesivos com a bandeira mexicana nos vidros dos carros são muitíssimo mais comuns do que bandeiras americanas.
Cito isso por que centenas de estudantes que estão aqui ilegalmente há anos, mas agora estão terrificados com a possibilidade de serem deportados para o México. Eu posso entender isso, considerando o caos reinante no México e o seu longo período de residência nos Estados Unidos. Mas eis o que ainda me confunde: considerando as aulas que tratam do México, ou as visíveis manifestações de chauvinismo nacionalista, alguém poderia muito bem concluir que o México é um lugar muito mais atraente do que os Estados Unidos.
Dito isto, se apresenta a natureza surreal desses protestos, algo como: “Por favor, não me mande de volta para a cultura que louvo tão nostalgicamente; por favor, deixe-me ficar na cultura que ignoro ou menosprezo”. Eu acho que os protestantes a favor do Dream Act conseguiriam muito mais simpatia do público se parassem de culpar os EUA por sugerir que poderiam ter de sair do país depois de algum tempo, e, se em vez de protestar, explicassem por que realmente querem ficar. Afinal, o que é que há com os Estados Unidos que faz com que um jovem de vinte e um anos faça greve de fome ou promova demonstrações para permanecer neste país em vez de voltar à terra natal?
Eu acho que sei a resposta para este paradoxo. Na descrição acima, faltou falar da atitude do hóspede, que por qualquer padrão histórico pode somente ser considerada como “indiferente”. A Califórnia não liga se alguém transgrediu a lei para chegar aqui ou continua transgredindo-a ao permanecer aqui. O estado não requer nada do imigrante ilegal — nenhuma proficiência em inglês, nenhum conhecimento da história e dos valores americanos, nenhuma prova de renda, nenhum histórico da educação ou das habilidades que possui. A Califórnia provê toda a assistência pública pela qual pode pagar (e ainda mais pela qual precisa emprestar), e aparentemente abandona a aplicação da maioria dos pesados regulamentos e estatutos cívicos que atormentaram cidadãos produtivos a pontos de fazê-los ir embora. Quão estranho é o fato de sobrecarregarmos com regulamentos aqueles que são cidadãos e têm capital a ponto de bani-los do estado, enquanto não regulamos aqueles que são estrangeiros sem capital, a ponto de encorajar outros milhões de seus compatriotas a seguir seus passos. Quão estranho — para parafrasear aquilo que Crítias disse sobre Esparta certa vez — é o fato de que a Califórnia é, ao mesmo tempo, o estado menos livre e o mais livre do país, o mais reprimido e o mais desordenado.
Centenas de milhares de pessoas sentem tudo isso e consequentemente votam com seus pés, ou seja, mudam-se para outras cidades ou para outro estado — e o resultado é um tipo de bomba-relógio social, cultural, econômica e política, cujo tique-taque está ficando cada vez mais audível.
Tradução: Henrique Dmyterko
Publicado originalmente na National Review Online, em 16/12/2011
[1] NT: Winnebago é marca de um fabricante de trailers e casas transportáveis.
[2] NT: Quem conhece o autor, sabe que ele usa o termo elites para designar não só pessoas ricas, mas especialmente aquelas mais preocupadas com suas visões de mundo do que com a realidade. Thomas Sowell os chama de os ungidos.
[3] NT: Negócio por baixo do balcão, sem nota.
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