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sábado, 22 de janeiro de 2011

Adeus aos juízos -- A infantilização relativista do ensino superior no Ocidente

DEXTRA
QUINTA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 2011

A petista Marilena Chauí, um resumo vivo
do emburrecimento esquerdista
do "ensino superior" brasileiro


Roger Scruton: The American Spectator, junho de 2009
Original: Farewell to Judgment
Tradução, foto e links: Dextra


As ciências visam a explicar o mundo: elas constroem teorias que são testadas através de experiências e que descrevem o funcionamento da natureza e as ligações profundas entre causa e efeito. Nada disto é verdade para as Humanidades. As obras de Shakespeare contêm importantes conhecimentos. Mas não são conhecimentos científicos nem poderiam jamais ser convertidos em uma teoria. São um conhecimento do coração humano. Shakespeare não nos ensina em que acreditar: ele nos mostra como sentir -- caso a caso, pessoa por pessoa, temperamento por temperamento.

As universidades se expandiram e as Humanidades começaram a desalojar as ciências do currículo. Os alunos desejavam usar seu tempo na universidade para cultivarem os interesses que tinham nas horas de lazer e melhorarem seus espíritos, ao invés de aprenderem fatos crus e teorias complexas. E aí surgiu uma grave questão a respeito do por que as universidades destinavam seus recursos a matérias que faziam tão pouca diferença perceptível para o mundo como um todo. Para que servem as Humanidades e por que os alunos deveriam usar três, quatro anos de suas vidas a fim de lerem livros que -- se eles estivessem interessados -- eles de qualquer modo leriam e que -- se não estivessem -- não lhes serviriam para absolutamente nada?

No tempo em que as Humanidades pressupunham um conhecimento das línguas clássicas e uma familiaridade com a erudição alemã, não havia dúvida de que elas exigiam uma verdadeira disciplina mental, mesmo que houvesse razões para se duvidar de seus objetivos. Mas depois que disciplinas como o Inglês ganharam um lugar central no currículo, a questão de sua validade tornou-se urgente. E aí, na esteira do ingês vieram as pseudo-humanidades -- estudos femininos, estudos gayse quejandos -- que se basearam no pressuposto de que, se o Inglês é uma disciplina, elas também são. E como não há nenhuma justificativa de peso nos estudos femininos que não se baseie no objetivo ideológico da disciplina, o currículo inteiro das Humanidades começou a ser visto em termos ideológicos. O resultado inevitável foi a deslegitimização do Inglês. Ao contrário dos estudos femininos, que têm credenciais feministas impecáveis (para que mais ele foi inventado?), o Inglês enfoca as obras de homens brancos europeus mortos cujos valores seriam considerados ofensivos pelos jovens de hoje. Logo, uma tal disciplina não deveria ser estudada, ou estudada como um curso de patologia social.

As pessoas de minha geração foram ensinadas a acreditar que há universais humanos que permanecem constantes de época para época. Nós éramos ensinados a estudar Literatura a fim de nos identificarmos com a vida em todas as suas formas. Não importa, nos diziam eles, se os pressupostos políticos de Shakespeare não coincidem com os nossos. Suas peças não visam a doutrinar; elas visam a apresentar personagens verossímeis em situações verossímeis, e a fazê-lo em uma linguagem tão elevada que incendeie nossa imaginação. É claro que Shakespeare convida ao julgamento, assim como todos os escritores de ficção. Mas não é o julgamento político que é relevante. Nós julgamos as peças de Shakespeare em termos de sua expressividade, verdade para com a vida, profundidade e beleza. E é este o modo pelo qual se justifica o estudo do Inglês, como um treinamento neste outro tipo de julgamento, que deixa para trás a política.

Este outro tipo de julgamento costumava ser chamado de "gosto". Quando as Humanidades apareceram, no fim do 18, foi a fim de desenvolver o gosto na Literatura, Arte e Música. E assim foi, até a época de minha juventude. A principal matéria de uma disciplina como Inglês era a Crítica e a Crítica era ensinada fazendo os alunos levantarem questões sobre suas próprias emoções e as dos outros e explorando os modos como a Literatura pode tanto enobrecer quanto rebaixar a condição humana. Não era uma tarefa fácil, mas havia exemplos a seguir -- grandes críticos como R. P. Blackmur, F. R. Leavis, William Empson e T. S. Eliot, que alçaram o estudo da Literatra a um nível de seriedade que justificava sua pretensão a ser uma disciplina acadêmica.

O mesmo valia para a História da Arte e a Musicologia. Ambas as disciplinas envolvem conhecimentos técnicos e históricos. Mas quando elas surgiram como disciplinas universitárias, elas eram inseparáveis do cultivo do gosto. Estas disciplinas eram ministradas apresentando-se aos alunos as grandes obras de nossa civilização (e às vezes de outas civilizações, também); e todos os conhecimentos transmitidos eram destinados a darem suporte a seu principal empreendimento, que era o de justificar os juízos estéticos.

Ensinar deste modo é correr um grande risco. Gosto e juízo são faculdades que nós desenvolvemos: eles fazem parte da grande transição do gozo juvenil para a discriminação adulta. Ensiná-los é oferecer um rito de passagem para o modo de vida adulto. E os jovens de hoje desconfiam dos ritos de passagem, a menos que tenham sido planejados por eles mesmos. Seus ritos de passagem não são para se sair da adolescência, mas para se entrar ainda mais fundo nela. Esta, eu acredito, é a chave para a compreensão de seu gosto musical. As canções, estilos e grupos que têm apelo junto a eles são convites para nos juntarmos à turma. E as críticas a sua música por parte de qualquer um fora da turma é ofensiva -- uma afronta existencial que ameaça sua experiência central de filiação social.

Esta atitude torna os juízos simplesmente impossíveis e é uma das razões pelas quais os departamentos de musicologia agora estão "engajados" na música pop e no Heavy Metal, e se abstêm de criar a impressão entre seus alunos de que eles consideram o Cânone Ocidental como uma amostra de história musical. Eu recentemente tive a experiência de ministrar um curso sobre Filosofia da Música  para jovens em uma universidade britânica e tive muita consciência, em todos os momentos, do ressentimento que qualquer crítica ao pop agora provoca. Apenas juízos comparativos são aceitáveis e as comparações têm que ser entre uma peça de música pop e outra. Na verdade, este é um exercício interessante. Pode-se aprender muito comparando-se Peter Gabriel e os Kooks que provavelmente não se aprenderia comparando-se Bach e Vivaldi -- muito sobre as variadas formas de auto-indulgência na música e os muitos modos de não se conseguir criar melodias ou harmonias vocais que sejam capazes de se prolongaraem. Mas não se tem permissão para julgar. Vidas foram construídas em torno disto aí e estas são vidas blindadas contra o mundo adulto e decididas a evitarem qualquer passagem para dentro dele. Os alunos ouviam respeitosamente meus exemplos dos clássicos. Mas eles eram exemplos de minha música e de modo algum a serem entendidos como exemplos que eles fossem seguir. Mozart e Schubert passavam por seus ouvidos como caravanas no horizonte -- o espetáculo de uma forma de vida humana distante, exótica e, no final das contas, irrelevante.

OS PROFESSORES DE DISCIPLINAS COMO O INGLÊS e a História da Arte também se deparam com esta debandada dos juízos e esta é uma das fontes da crise nas Humanidades, já que os juízos são a verdadeira razão de ser delas. Disciplinas como o Inglês e a História da Arte surgiram do desejo de ensinar aos jovens como discriminar a arte do efeito, o belo do kitsch e o sentimento real do falso. Esta aptidão não era considerada uma habilidade trivial como a esgrima ou a equitação, que os alunos são livres para adquirirem ou não, de acordo com seus interesses. Era considerada uma forma real de conhecimento, tão vital para o futuro da civilização quanto o conhecimento da matemática e mais intimamente ligada à saúde moral da sociedade do que qualquer ciência natural. Foi somente por este pressuposto que as humanidades adquiriram seu lugar central na universidade moderna.

Se, entretanto, as Humanidades tiverem que evitar o cultivo do gosto, não é só seu lugar central no currículo que é posto em dúvida. Dada sua proeminência na universidade moderna e o fato de que cada vez mais alunos chegam à universidade despreparados para qualquer outra forma de estudo, qualquer mudança nas Humanidades é uma mudança na própria idéia de universidade. Os conservadores frequentemente se queixam da politização das universidades e sobre o fato de que só pontos de vista esquerdistas são propagados ou mesmo tolerados no campus. Mas eles não conseguem ver a verdadeira causa disto, que é o colapso interno das Humanidades. Quando o julgamento é marginalizado ou proibido, não sobra nada além de política. O único modo permitido de se comparar Jane Austen e Maya Angelou ou Mozart e Meshuggah é em termos de suas posturas políticas rivais. E aí o sentido de estudar Jane Austen ou Mozart se perde. O que eles têm a nos dizer sobre os conflitos ideológicos de hoje ou as lutas por poder que se desenvolvem na sala de aula comum da faculdade?

A verdadeira causa conservadora, no que diz respeito às universidades, deve ser a restauração dos juízos em seu lugar central nas Humanidades. E isto mostra o quanto a reconquista das universidades será difícil. Ela exigirá um confronto com a cultura da juventude e uma insistência em que o verdadeiro propósito das universidades não é bajular os gostos dos que lá chegam, mas apresentar-lhes um rito de passagem para algo melhor. E a palavra "melhor" simplesmente levanta mais uma vez o problema. Quem tem o direito de dizer que uma coisa é melhor do que outra?



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