Acabou! Não há bem que sempre dure (na perspectiva dos 87% que gostaram), nem mal que não acabe (segundo a ótica dos 13% descontentes). Faço parte do pequeno grupo que não se deixa seduzir por conversa fiada, publicidade enganosa e não sente atração pelos salões e cofres do poder.
Lula chega ao fim de seu mandato em meio a um paradoxo que cobra explicações: a política e os que a ela se dedicam despencaram na confiança popular para um índice de rejeição de 92%! Ora, como entender que os políticos valham tão pouco perante a opinião pública enquanto o grande senhor, o chefe, o mandante, o comandante da política, surfa nas ondas de uma popularidade messiânica? Ouço miados nessa tuba. Como pode? Quanto mais crescia a popularidade do presidente mais decrescia o prestígio da política! E ele nada tem a ver? Chefiou durante quase uma década o Estado, o governo, a administração, uma fornida maioria parlamentar, o numeroso bloco de partidos integrantes de sua base de apoio, nomeou 8 dos 11 ministros do STF, estendeu seu braço protetor sobre as piores figuras da cena nacional e é a virgem do lupanar?
Eu aprecio os governantes realistas. Sei que o realismo se inclui entre as características de todos os estadistas. Seja como homem do governo, seja como chefe de Estado, o estadista lida com os fatos. Ideais elevados e pés no chão. Causas e consequências, problemas e soluções. Realismo. Isso me agrada. Mas há um realismo cínico, desprovido de caráter, que desconhece limites éticos, que se abraça com o demônio se ele puder ser útil. A história está cheia de líderes assim e apenas os olfatos mais sensíveis parecem capazes de perceber o cheiro de enxofre que exalam. Há uma relação de causa e efeito entre a degradação da política brasileira e a ação do presidente Lula. Ele a deteriorou e comprometeu a democracia através do aparelhamento de tudo, da cooptação, da compra de votos com favores, do fracionamento e da descaracterização dos partidos. Assim como atuam os desmanches de automóveis, assim operou a política presidencial com os pedaços dos partidos nacionais, comprados das fontes mais suspeitas e pelos piores meios.
Quer dizer, senhores e senhoras arrebatados pela retórica lulista, que a democracia perdeu importância e pode ser uma coisa qualquer, apoiada por qualquer arremedo de política? Não se exige mais, de quem governa, um padrão mínimo de dignidade? De coerência e respeito? Não! Pelo jeito, basta encher o bolso dos ricos e distribuir esmolas aos pobres para que surja um novo São Francisco em Garanhuns.
Ah, Puggina! Mas com ele a economia cresceu, o número de miseráveis diminuiu e se realizaram obras importantes. Vá que seja. Mas convenhamos: era preciso muita incompetência para que a economia ficasse travada em meio a um ciclo mundial extremamente favorável. Pergunto: não estavam diligentemente postas pelos antecessores as condições (privatizações, estabilidade monetária e jurídica, integração ao comércio mundial, credibilidade externa, responsabilidade fiscal e estímulo ao agronegócio)? Estavam, sim. Faltava o que Lula teve a partir de 2005: dinheiro jorrando, comprador e investidor, no mercado internacional. E ainda assim, entre 2002 e 2009, o crescimento do PIB per capita do Brasil teve um desempenho medíocre comparado com outros emergentes e, mesmo, com a maior parte dos países da América Latina.
O Partido dos Trabalhadores se construiu mediante três estratégias convergentes. Primeiro, a rigorosa adoção da cartilha gramsciana, assenhoreando-se dos meios de formação da cultura nacional, sem esquecer-se de qualquer deles - igrejas, sindicatos, movimentos sociais, universidades, meios de comunicação, material didático, música popular. Segundo, combatendo tudo, mas tudo mesmo, que os governos anteriores buscavam implementar como condição para que o país retomasse o crescimento: Plano Real, abertura da economia, privatizações, cumprimento de contratos, pagamento da dívida, responsabilidade fiscal, busca de superávits, agronegócio e Proer. Tudo era denunciado como maligno, perverso, antinacional, corrupto. Terceiro, destruindo de modo sistemático a imagem de quem se interpusesse no seu caminho para o poder, até restar, do imaginário de muitos, como a grande reserva moral da pátria. Dois anos no poder bastaram para que os véus do templo se rasgassem de alto abaixo e os muitos petistas bem intencionados arrancassem os cabelos num maremoto de escândalos.
Somente alguém totalmente irresponsável ou com desmedida ganância pelo poder haveria de desejar para a nação um governo social e economicamente desastroso. Não é e nunca foi meu caso. Não escrevo estas linhas para desconsiderar o que andou bem no governo do presidente Lula. Mas não posso deixar de expor o que vi - e como vi! - de sórdido e prejudicial em seu modo de fazer política. Para concluir, temperando os exageros de uma publicidade que custou ao país, na média dos últimos três anos, R$ 900 milhões por ano, considero sensata a observação a seguir. Quando Lula assumiu, em 2003, os principais problemas do Brasil situavam-se nas áreas de Educação, Saúde e Segurança Pública. Passados oito anos, haverá quem tenha coragem de afirmar que não persistem os problemas da Educação e que não se agravaram os da Saúde e da Segurança Pública? Haverá 87% de brasileiros dispostos a se declarar satisfeitos com a situação nacional nesses três pilares de uma vida social digna?
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* Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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