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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O iminente apocalipse de zumbis: por que o mundo moderno parece morto-vivo

UOL


Chuck Klosterman

Os zumbis são um patrimônio valioso. Eles são mudos, lentos e sem cérebro, mas são um mercado em constante expansão e sem obstáculos. Os zumbis são um ambiente muito rico, literalmente e figurativamente. Quanto mais você os enche de balas, mais interessantes eles se tornam.

Cerca de 5,3 milhões de pessoas assistiram ao primeiro episódio de “The Walking Dead” na AMC, surpreendentes 83% a mais do que os 2,9 milhões que assistiram à estréia da quarta temporada de “Mad Men”. Isso significa que existem pelo menos 2,4 milhões de norte-americanos com TV a cabo que talvez prefeririam ver Christina Hendricks se ela fosse um defunto animado.

Estatística e esteticamente essa dissonância parece perversa. Mas provavelmente não deveria. O interesse da cultura de massa pelos zumbis aumentou constantemente durante os últimos 40 anos. Os zumbis são um produto que avançou lentamente e sem uma grande evolução. Eles são parecidos com as criaturas chocantes que George Romero popularizou em seu filme “Noite dos Mortos-Vivos” de 1968.

O que torna essa ampliação curiosa são as limitações inerentes ao próprio zumbi: não é possível acrescentar muita profundidade a uma criatura que não pode falar, não pensa e cuja única razão de ser é comer carne. Você não pode humanizar um zumbi, a menos que o torne menos zumbi. Há zumbis lentos, há zumbis rápidos – e este é praticamente todo o espectro da diversidade dos zumbis. Não é que todos os zumbis estejam mudando para se adaptar à condição do mundo; é que a condição do mundo se parece mais com uma ofensiva de zumbis. Alguma coisa a respeito dos zumbis está se tornando mais intrigante para nós. E acho que sabemos o que é essa coisa.

Os zumbis são simplesmente muito fáceis de matar.

Quando pensamos criticamente sobre monstros, tendemos a classificá-los como personificações do que tememos. O monstro de Frankenstein ilustra nossa trepidação em relação à ciência descontrolada; Godzilla nasceu do medo da era atômica; lobisomens se alimentam de um pânico instintivo da predação e da alienação do homem em relação à natureza. Vampiros e zumbis compartilham uma ansiedade arraigada em relação às doenças. É fácil projetar uma relação simbólica entre os zumbis e a raiva (ou entre os zumbis e as armadilhas do consumismo), assim como é fácil projetar uma relação simbólica entre o vampirismo e a Aids (ou o vampirismo e a perda da pureza). Do ponto de vista criativo, essas projeções de medo são narrativas fundamentais; elas transformam as criaturas em ideias, e este é o ponto.

Mas e se o público deduzir uma metáfora totalmente diferente?

E se as pessoas contemporâneas estiverem menos interessadas em ver retratos de seus medos inconscientes e mais atraídas pelas alegorias de como se sentem em sua existência cotidiana? Isso explicaria porque tantas pessoas assistiram ao primeiro episódio de “The Walking Dead”: elas sabiam que seriam capazes de se relacionar com aquilo.

Boa parte da vida moderna é exatamente como assassinar zumbis.

Se há uma coisa que todos nós entendemos sobre matar zumbis, é que o ato não é complicado: você explode o cérebro de um bem de perto (de preferência com uma arma de fogo). Este é o primeiro passo. O segundo é fazer a mesma coisa com o próximo zumbi que aparecer. O terceiro passo é idêntico ao segundo, e o quarto não é nem um pouco diferente do terceiro. Repita o processo até que (a) você é derrotado, ou (b) os zumbis acabam. Esta é de fato a única estratégia viável.

Cada guerra com zumbis é uma guerra desgastante. É sempre um jogo de números. E é mais repetitiva do que complexa. Em outras palavras, matar zumbis é filosoficamente semelhante a ler e deletar 300 e-mails de trabalho numa manhã de segunda-feira ou preencher documentos que apenas geram mais documentos, ou acompanhar fofocas no Twitter por obrigação, ou fazer tarefas entediantes nas quais o único risco verdadeiro é ser consumido pela avalanche. O principal problema em qualquer ataque de zumbis é que eles nunca pararão de aparecer; o principal problema da vida é que você nunca vai terminar com o que quer que seja que você faça.

A internet nos lembra disso todos os dias.

Eis uma passagem de uma jovem escritora chamada Alice Gregory, retirada de um ensaio recente sobre o livro distópico de Gary Shteyngart, chamado “Super Sad True Love Story” na revista literária n (PLUS)1: “É difícil não pensar 'pulsão de morte' toda vez que entro na internet”, ela escreveu. “Abrir o Safari é uma decisão ativamente destrutiva. Estou pedindo que a consciência seja tirada de mim.”

O temor auto-dirigido de Gregory é tematicamente semelhante a como o cérebro do zumbi é descrito por Max Brooks, autor da história oral ficcional “World War Z” e do manual de autoajuda que o acompanha, “The Zombie Survival Guide”: “Imagine um computador programado para executar uma função. Esta função não pode entrar em pausa, ser modificada ou apagada. Nenhum dado novo pode ser guardado. Nenhum novo comando pode ser instalado. Este computador fará apenas aquela função, repetidas vezes, até que sua fonte de energia eventualmente se esgote.”

Esta é a projeção do nosso medo coletivo: de que seremos consumidos. Os zumbis são como a internet e a mídia e todas as conversas que não queremos ter. Tudo isso chega a nós incessantemente (e irrefletidamente), e – se nos rendermos – seremos tomados e absorvidos. Mas esta guerra é administrável, se não necessariamente vencível. Desde que continuemos deletando o que quer que esteja à nossa frente, sobreviveremos. Nós vivemos para eliminar os zumbis de amanhã. Nós somos capazes de continuar sendo humanos, pelo menos por enquanto. Nosso inimigo é incansável e colossal, mas também estúpido e sem criatividade.

Lutar contra zumbis é como lutar contra qualquer coisa … ou contra tudo.

Por causa da série “Twilight” é fácil argumentar que os zumbis estão meramente substituindo os vampiros como monstros do momento, uma designação que deveria ser importante por motivos metafóricos, não monstruosos. Mas esse tipo de pensamento é enganador. O aumento de interesse por vampiros durante os últimos cinco anos diz respeito apenas ao sucesso da série multiplataformas “Twilight”, uma marca que não tem nada a ver com o vampirismo. Ela diz respeito à nostalgia pela castidade adolescente, à atração causada pelo elenco do filme e ao fato de que os consumidores de ficção contemporâneos tendem a preferir livros longos e em série que são lidos rapidamente.

Mas isso ainda assim criou um efeito dominó. O filme sueco de vampiros “Let the Right One In”, de 2008, não teria sido refilmado nos Estados Unidos se “Twilight” nunca tivesse existido. “The Gates” foi uma tentativa aberta da ABC de atrair o público pré-adolescente que não sai de casa; “True Blood” da HBO é uma reação à sinceridade direta de Robert Pattinson.

A diferença com os zumbis, é claro, é que é possível gostar de um tipo específico de vampiro temporariamente, o que não é uma opção em se tratando de mortos-vivos. Personagens como Edward Cullen de Pattinson em “Twilight” e o Lestat de Lioncourt de Anne Rice, e até mesmo o velho e chato Conde Drácula, podem ser multidimensionais e eróticos; é possível descobrir quem eles são e quem foram um dia. O amor por vampiros pode ser singular. O amor do zumbi, entretanto, é sempre comunal.

Se você gosta de zumbis, você gosta do conceito inteiro de zumbi. Nunca é algo pessoal. Você se interessa pelo significado dos zumbis, você gosta do jeito que eles se movem e entende o que é necessário para detê-los. E essa é uma atração confortável, porque esses aspectos não mudam na verdade. Eles se tornaram um conhecimento arquetípico compartilhado.

Poucos dias antes do Halloween eu estava no estado de Nova York com três outras pessoas. Nós acabamos indo parar no Celeiro do Terror, nos arredores de uma cidade chamada Lake Katrine. Entrar no celeiro era levemente perturbador, embora talvez não tão assustador quanto entrar num verdadeiro celeiro abandonado que não cobrasse US$ 20 e não tem seu próprio domínio na internet.

Independente disso, a melhor parte foi quando saímos do celeiro do terror e fomos imediatamente conduzidos a um ônibus escolar que nos levou a uma plantação de milho a cerca de 40 quilômetros dali. A plantação estava repleta de atores amadores, alguns interpretando militares e outros fazendo o papel de “infectados”.

Disseram-nos para correr pelo campo à luz da lua se quiséssemos sobreviver. Enquanto corríamos, soldados armados gritavam instruções contraditórias enquanto zumbis emergiam do meio da escuridão da plantação. Era para ser divertido, e foi. Mas pouco antes de entrarmos no meio do milharal, um de meus companheiros criticou sardonicamente a realidade de nossa situação.

“Sei que isso deveria meter medo”, disse ele. “Mas estou muito confiante na minha capacidade de lidar com um apocalipse de zumbis. Sinto-me estranhamento informado sobre o que fazer nesse tipo de cenário.”

Eu não poderia discordar. Nesse ponto, quem não está informado. Todos nós sabemos como é: se você acordar do coma, e não ver imediatamente um membro da equipe do hospital, assuma que os zumbis tomaram o local durante sua incapacitação. Não viaje à noite e mantenha suas cortinas fechadas. Não deixe zumbis cuspirem em você. Se você derrubar um zumbi, atire uma segunda bala em seu cérebro. Mas acima de tudo, não assuma que a guerra está vencida, porque ela nunca está. Os zumbis que você mata hoje serão meramente substituídos pelos zumbis de amanhã. Mas você pode fazer isso, meu amigo. É desencantador, mas não é difícil. Mantenha seu dedo no gatilho. Continue com o extermínio. Não deixe de acreditar. Não deixe de deletar. Responda às suas mensagens de voz e cumpra com seus acordos. Este é o mundo dos zumbis, e nós apenas vivemos nele. Mas podemos viver melhor.

Chuck Klosterman é autor de “Eating the Dinosaur” [“Comendo o Dinossauro”] e "Sex, Drugs, and Cocoa Puffs" [Sexo, Drogas e Cereal de Chocolate]

Tradução: Eloise De Vylder

3 comentários:

  1. Olá bravo cavaleiro,

    Permita-me acrescentar uma razão pela qual, creio eu, os zumbis tenham virado tema da moda.

    Os zumbis infelizmente não estão apenas simbolizados em tarefas rotineiras que parecem não ter fim, que demandam um esforço constante para vencê-las. Creio que as pessoas se identificam com zumbis, simplesmente porque se SENTEM como zumbis.

    EDUCAÇÃO: O aluno não precisa mais raciocinar, apenas repetir jargões politicamente corretos. No mundo inteiro a educação caminha rapidamente para o fundo do poço, formando cada vez menos "matadores de zumbis" No Brasil, a oficialização deste novo tipo de educação está no conteúdo da última prova do ENEM, que pauta todo o ensino do país.

    Mídia e Entretenimento: É preciso comentar? São verdadeiras fábricas de zumbis.

    As fontes do problema não acabam aí, tem a questão do estímulo às drogas, inversão de valores e etc.

    valeu

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  2. Afora o aspecto do culto à morte e ao nada que vaza por esses filmes. Esse:"Deixa ela entrar", parece o tratamento que o Ocidente dá a seus inimigos DEPOIS QUE ELES O CONVENCERAM DE QUE MERECE MORRER!

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