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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nada a esperar em Seul

DIÁRIO DO COMÉRCIO
Guy Sorman - 3/11/2010 - 20h14

O G20 não é uma solução. Sua principal qualidade é existir. É útil que os líderes de economias dominantes se encontrem e façam acordos. Essa grande missa anual, embora dispendiosa para os contribuintes do país anfitrião, permite aos governos perceberem fisicamente como todos somos independentes. O próprio fato de se reunirem os obriga a falar uma só língua, a do realismo econômico, e a dominar o vocabulário do mercado.

Não há mais lugar nas cúpulas do G20 para disputas ideológicas nem utopias sociais. Na próxima semana, em Seul, os líderes comunistas chineses e a presidente argentina vão se abster dos slogans marxistas e populistas reservados à sua política interna.

Assim, o G20 faz avançar tanto a ciência econômica quanto os efeitos positivos da globalização. E a participação dos países emergentes lembrará aos mais ricos que, com ou sem crise, 3 ou 4 bilhões de nossos irmãos seres humanos ainda vegetam numa miséria indigna.

Brasileiros, chineses e indianos que se reunirem no G20 poderão testemunhar que a globalização do comércio, até onde se sabe, é o único caminho conhecido para se alcançar um nível de vida decente. Os sul-coreanos, anfitriões da Cúpula, até recentemente um dos povos mais pobres do mundo, lembrarão a eficácia de uma boa educação de massa e de uma estratégia francamente capitalista. Em Seul, caso saia da sala de reuniões, cada participante poderá medir por si mesmo como é possível queimar as etapas do crescimento, como se tornar moderno ainda que se mantendo ligado a uma forte cultura nacional.

Mas além de sua própria existência, o G20 tem outras qualidades? O que se pode esperar dele?

Desde a crise de 2008, o G20 conseguiu se tornar uma célula de crise, ou melhor, de resistência à crise. Graças à tomada de consciência coletiva sobre os interesses cruzados, conseguiu afastar o fantasma da Grande Depressão sem que nenhuma resolução obrigatória tivesse realmente sido adotada.

O G20 não é um governo, mas, por meio de uma dinâmica de grupo, seus membros resistiram à tentação de fechar fronteiras ou de se engajar em desvalorizações cambiais selvagens – ações que, em 1930, levaram a um desastre coletivo.

Porém há uma ressalva: nas reuniões do G20 em 2008 e 2009, o governo dos Estados Unidos convenceu os outros membros que uma "melhora" por meio dos gastos públicos era indispensável. Após dois anos dessas obanomics mais ideológicas que científicas, os países sábios que aumentaram menos suas dívidas (Coreia do Sul, China), que se contentaram em registrar em seu orçamento quantias que não gastaram, suportaram melhor a recessão. Os verdadeiros gastadores – EUA, Japão, França, Espanha – são hoje os mais endividados e mais desacelerados.

O mesmo vale para a governança mundial. Se o G20 fosse um governo de verdade, capaz de impor a doutrina keynesiana, o mundo estaria realmente muito mal. O Talmude diz que uma decisão unânime tomada por dez sábios é necessariamente ruim porque não se encontra dez sábios juntos. O que dizer de 20, entregues a eles mesmos, sem nenhum contrapoder?

O G20 de Seul será diferente; não está mais diante de uma recessão global, mas de uma ameaça brandida pelos países estagnados de lançar uma "guerra cambial". Os governos e grupos de pressão industrial, nos Estados Unidos e na Europa, pretendem que o valor relativo das moedas determinem os fluxos cambiais.

O iuan desvalorizado seria a causa dos lucros obtidos nos EUA pela China; o euro caro provocaria as decepções francesas nas vendas de armas ou de tecnologias nucleares. Nicolas Sarkozy repete que a mudança incessante do valor das moedas e das matérias-primas seria a causa da estagnação europeia.

No G20 de Seul, então, osamericanos exigirão que os chineses se comprometam a reavaliar sua moeda ou a limitar voluntariamente suas exportações para os EUA. E Nicolas Sarkozy exaltará suas amplas ambições sobre os fundos de estabilização das moedas e das matérias-primas.

Os chefes de Estado concordarão por gentileza e, felizmente, nada de concreto será feito depois. Uma ausência de decisão que não deve ser lamentada porque esses lances de bravatas com as moedas e as matérias-primas confundem as consequências da estagnação com suas causas.

Consideremos os movimentos do dólar americano: o banco central e o governo dos EUA são os únicos responsáveis. O gigantismo das dívidas americanas levaram a uma superabundância de dólares no mercado que deixa o moeda sensível a todas as especulações. E os efeitos das declarações contraditórias do Fed causam movimentos alternados de pânico ou euforia.

Os americanos criticam os chineses por manipular sua moeda – mas são eles que organizam uma queda do dólar mais espetacular do que seria uma alta do iuan. Será possível, como sugerem Sarkozy e os chineses, dispensar o dólar? Para substituí-lo por qual moeda? Emitida por quem? Nenhum país renunciaria – nem a União Europeia – à soberania monetária para se deixar conduzir por um câmbio mundial sob não se sabe qual autoridade ou critérios. E se os chineses reavaliarem o iuan, o recuo da China ajudaria as indústriasamericanas e europeias? O que a China fabrica – produtos baratos em massa – os países ocidentais não produzem mais. Uma fábrica fechada na China seria substituída por outra no Vietnã ou na Índia.

Deixemos, então, que os mercados decidam porque, no final das contas, o valor das moedas terminam por refletir o valor real das economias e a qualidade ou a mediocridade das políticas econômicas dos países.

O mesmo vale para as matérias-primas: a volatilidade de suas cotações podem refletir as compras especulativas. Mas, a longo prazo, a evolução para o alto reflete a concorrência dos países emergentes. Essa alta tendencial dos preços da energia ou das matérias-primas é também um incentivo a utilizá-las melhor e menos.

O G20 será antes de tudo uma janela para o mundo do futuro: daqui para frente cada um só sobreviverá cultivando sua vantagem competitiva. A da China é a boa organização da produção em massa. As da Europa Ocidental ou dos EUA são a inovação, a educação superior, a criação de produtos e serviços inéditos.

Assim, o G20 será jogado em dois tabuleiros: o visível e o não-dito. O visível, o barulhento, indicará os bodes expiatórios: o dólar, os chineses! Vamos esperar pronunciamentos líricos e impraticáveis sobre a necessidade de organizar os fundos de compensação e de intervir nisso e naquilo. aqui e ali – enquanto nos bastidores cada um toma nota sobre as mudanças no mundo.

Sim, o número dos atores econômicos aumentou e sim, alguns países são mais bem administrados que outros. Ao contrário dos G20 anteriores, cada um se voltará a um liberalismo clássico, do qual a Grã-Bretanha dá o exemplo mais drástico. David Cameron pode roubar o papel principal de Sarkozy e Obama. O não-dito de Seul será também, para os governos ocidentais, uma lição de humildade: aceitar que eles não estão sós no mundo e trabalhar melhor e mais para manter a vantagem.

Entretanto, um consenso deve surgir a pedido expresso da Coreia do Sul: não há missão mais urgente do que diminuir a pobreza em massa. Isso é possível; as boas estratégias econômicas permitem, um exemplo é o que a Coreia do Sul já conseguiu.

Guy Sorman é economista e escritor francês, autor de O Estado Mínimo
Tradução: Rodrigo Garcia

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