Material essencial

terça-feira, 26 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2 - O INIMIGO AGORA É OUTRO (SABEMOS BEM QUAL É!)

NIVALDO CORDEIRO
24/10/2010



Finalmente fui ver o filme TROPA DE ELITE 2, do José Padilha, que partilha com Bráulio Mantovani e José Pimentel o excelente roteiro. O filme superou todas as minhas expectativas, indo além do primeiro por introduzir a dimensão política do crime e da sua repressão. É a mesma temática do precioso OS INFILTRADOS, do Martin Scorsese. E também do magnífico O PODEROSO CHEFÃO, do Coppola. Qual a tese? Entre polícia e bandido não há diferença alguma, são ambos da mesma laia e se matam até o último, sem piedade. Uma visão radical e realista da banalidade do mal.

Isso remete a meditar sobre a própria realidade do Estado, do processo político e da legitimidade da representação. Que não se diga que é assim agora porque a modernidade engendrou a democracia representativa, que adula os instintos baixos da multidão, a troco de votos. O fato é muito mais antigo. “Meu reino não é deste mundo’, sentenciou Jesus Cristo com absoluta propriedade, ele que escapou com o famoso “Vade retro” da Terceira Tentação. Nada está mais distante das coisas do divino do que o Estado e sua face mais visível, a polícia. E a justiça. Tudo no Estado é postiço e caricatural, embora tenhamos que conviver com ele como temos que conviver com fezes diariamente e catarros esporadicamente. Desculpem-me as metáforas fedorentas e nojentas, mas outras não me ocorrem para falar do Estado e do processo político.

Será no DOM QUIXOTE, de Miguel de Cervantes, que teremos a crônica completa e definitiva dessa simbiose entre o Estado e o crime, entre o Estado e o Mal. O personagem Ginés de Pasamonte é o veículo para essa descrição. É o delinqüente por antonomásia. Mas é também o dono da estalagem, o cenário onde tudo acontece. É também Roque Guinart, o chefe do bando que seqüestra Dom Quixote e que é ele mesmo um ótimo magistrado, administrando sem hesitação a justiça distributiva, nos termos do direito natural aristotélico. Isso nos tempos renascentistas. Cervantes foi cronista e foi profético simultaneamente, sobretudo ao falar do Estado e ao formular sua filosofia política.

O melhor intérprete de Dom Quixote foi Miguel de Unamuno, um poeta e filósofo basco alucinado por Deus e pela Virgem Maria. Sua obra VIDA DE DON QUIJOTE Y SANCHO completou cem anos e não foi superada em capacidade interpretativa sobre o grande personagem de Espanha. Unamuno, ao analisar a libertação dos galeotes, cujo principal personagem é o próprio Ginés de Pasamonte, comenta que a ingratidão dos mesmos teve um motivo específico: “... los galeotes apedrearon a Don Quijote porque lo que querían no era que les quitase sus cadenas, sino que les echase otras haciéndoles quadrilleros de la Santa Hermandad, lo que me enseñaron em el Ateneo de Madrid ciertos mocitos que se dicen intelectuales de minoria selecta”.

Unamuno foi exato na sua percepção. A tal Santa Hermandad (magnífico nome) nada mais era do que a polícia do rei à época, ou seja, a Tropa de Elite de então.

Voltemos ao filme. Agora a temática é a ligação entre membros policiais que compõem milícias, praticam crimes, são peritos em assassinatos e extorsões, vivem como milionários e são os principais cabos eleitorais do governador do Estado. Toda a estrutura de poder de Estado está podre e comprometida com os novo Ginés de Pasamonte tupiniquins. O personagem do Capitão Nascimento, agora tenente-coronel, percebe a dimensão apocalíptica dessa constatação no seu próprio drama pessoal. O Mal é o próprio Estado, que é a cabeça de todo o crime organizado.

À trágica percepção da banalidade do Mal praticada pelo Estado se coloca o indivíduo diferenciado, íntegro, portador das virtudes. Só ele pode confrontar e eventualmente vencer a Hidra do Estado. Grande percepção da película, a mesma que vem de Platão.

O sobrevôo da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e a narrativa em off sugerindo que é ali a cabeça da Hidra, na cena final, politizou de vez o filme. O que estamos a ver nestas eleições? Nossos modernos galeotes, os antigos guerrilheiros, que eram prisioneiros trinta anos atrás, foram agora transformados em poderosos do Estado e até mesmo estão disputando a eleição presidencial. O caso de Dilma Rousseff é emblemático: a guerrilheira, que tantos crimes cometeu e pelos quais foi apenada pela Justiça, posa agora de respeitável candidata à Presidência da República. É a síntese do filme. Não devemos esquecer-nos das vítimas dos terroristas de outrora e devemos também lembrar-nos das vítimas mais recentes, como Celso Daniel e as muitas testemunhas do seu caso, caçadas uma a uma como animais e mortas nas esquinas tétricas da periferia de São Paulo.

Grande filme. Imperdível. Acontece no cinema, acontece na vida real.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá internauta

O blog Cavaleiro do Templo não é de forma algum um espaço democrático no sentido que se entende hoje em dia, qual seja, cada um faz o que quiser. É antes de tudo meu "diário aberto", que todos podem ler e os de bem podem participar.

Espero contribuições, perguntas, críticas e colocações sinceras e de boa fé. Do contrário, excluo.

Grande abraço
Cavaleiro do Templo