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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

OU NÃO?

PERCIVAL PUGGINA
23/10/2010

De repente, nós cristãos, que vínhamos sendo empurrados à condição de párias da democracia brasileira, sub-cidadãos portadores de opiniões impertinentes, passamos a ser paparicados pelas mesmas forças políticas que nos enfiavam uma rolha na boca. Um dos chavões mais batidos no Brasil era o de que "este é um país laico e vocês cristãos vivem dando pitaco onde não devem". Nada que pudesse ser encontrado nos Evangelhos ou em documento católico podia ser repetido em público, inserido num artigo ou usado como argumento. Só as posições da Teologia da Libertação eram bem recebidas, exatamente porque, sendo heréticas, não eram católicas... Ou não?

Se entrasse em debate algum tema a respeito do qual a moral dominante na sociedade tivesse o que dizer, a opinião dos cristãos era imediatamente objeto de censura. Que fôssemos falar dentro de casa ou da Igreja! Jamais nos parlamentos. Jamais na mídia. Nunca em público. Ainda que majoritários. Convicção moral com fundamento religioso de qualquer natureza, mas especialmente se cristão, era para ser guardada numa gaveta do dormitório, tão imprópria para uso em público quanto um pijama de bolinhas. Ou não? Em vão eu levantava o dedo para protestar, para dizer que a água do batismo não enferrujava nossa cidadania, que uma carta constitucional é, em primeiríssimo lugar, uma tábua de valores e que os grandes valores da constituição brasileira apenas refletiam o brilho de uma tradição cristã que lhe era anterior e superior. Qual o quê! Entrava por um ouvido e saía pelo outro. Essas correntes políticas só tinham orelhas para si mesmas e para as convicções fornecidas pelo silêncio permissivo da matéria. Deus expulsara Adão e Eva do paraíso e aqui dava-se o troco, expulsando Deus deste paraíso da publicidade oficial chamado Brasil. Ou não?

Isso até o dia 3 de outubro. Agora só falta baterem à porta da casa do vigário ou do pastor para perguntar se estão precisando de alguma coisa, tipo gente para ajudar na liturgia. Para dizer que Zé Dirceu canta o Tantum Ergo que dá gosto e que a companheira Dilma, assim que terminar a campanha, fará curso para ministra da Eucaristia. Até aquela cláusula pétrea, duríssima, quartzosa, dos programas e congressos partidários, que, unanimemente, proclamava (ou não?) o direito das "companheiras mulheres" sobre o próprio corpo (leia-se, absoluta liberdade para jogar fetos na lata de lixo), esfarelou. Virou brita miúda, coisa sem significado. E qualquer menção a ela é denunciada como baixaria até por religiosos (digamos assim) que andam lamentando a inclusão do aborto nas pautas da campanha eleitoral. O partido nunca foi pró-aborto, a companheira nunca disse o que disse e só falta proclamarem que, sobre esse assunto, quem fala pelo partido é Bento XVI.

Há no Evangelho advertências severas para quem se mete a julgar a religiosidade alheia. Portanto, não entro nessa. Nem a pau. Mas lembro que existem palavras ainda mais duras - "Sois semelhantes a sepulcros caiados" - para quem se veste de falsa religiosidade quando ela convém à imagem pessoal. Admito, admito: são costumes correntes em política. Há candidatos que, na busca de votos, metem o pé valentemente em poça d'água, pegam criancinhas no colo, atravessam pinguela, visitam doentes e rezam como freiras de clausura. Mas como é triste essa pantomima! Ou não?


ZERO HORA, 24/10/2010

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