HEITOR DE PAOLA
19/10/2010
Recentemente a humanidade inteira foi mobilizada pelo drama com tons de epopéia dos 33 mineiros soterrados em Copiapó. Esforços extraordinários foram empreendidos e grandes somas despendidas para salvá-los. Tecnologias anteriormente impensadas foram desenvolvidas. Houve uma vibração e alívio geral pelo sucesso da operação.
A ninguém ocorreu – ou ao menos ninguém expressou esta idéia – que seria muito mais barato deixá-los morrer por asfixia, fome e sede, ou envenená-los com gás tóxico.
Nas últimas décadas parcelas da sociedade mundial começaram a se preocupar com as espécies animais e vegetais em extinção, das quais o mico-leão-dourado está aqui como representante simbólico, como poderiam ser as baleias ou qualquer planta ameaçada.
Mais uma vez fortunas foram levantadas, obras fundamentais embargadas, esforços inauditos despendidos. A cada bichinho ou planta salva a euforia é imensa e generalizada.
Isto para não falar em tribos indígenas selvagens que recentemente conseguiram territórios imensos, maiores que a grande maioria dos países europeus, contemplando uma quantidade irrisória de indivíduos com milhares de hectares sob a desculpa esfarrapada de que sua “cultura” necessita de grandes espaços para sobreviver intacta.
Quando se trata de salvar ou matar embriões e fetos humanos, gerados por seres humanos, hospedados em barrigas humanas e não em confins de matas selvagens ou nas profundezas de uma mina, aí o tom muda radicalmente! O entusiasmo em salvar umas tantas pererecas à custa de obras – hidrelétricas p. ex. – que trariam benefícios para milhares de pessoas é substituído por uma frieza de arrepiar! Enquanto uma baleia, um jacaré ou um mico tem os seus direitos, sujeitando os caçadores a penas de prisão inafiançáveis, os embriões e fetos não têm direito algum [i] e ficam ao sabor de direitos dos outros: da mãe, do pai, da sociedade ou – o que é mais horripilantes ainda – dos gastos públicos! Os que advogam por seus direitos são “obscurantistas” ou “fundamentalistas religiosos” – até mesmo aqueles que não professam nenhuma.
O aborto é tratado como um direito da mulher ou um problema de saúde pública, o feto que se dane. Só entrou em pauta nos debates eleitorais porque uma das candidatas fingia ser contra a descriminação em nome de princípios religiosos, mas ao invés de se mostrar firme, sugeria um plebiscito. E isto teria, segundo alguns, roubado milhões de votos dos demais, principalmente da candidata oficial. Aliás, a referida ex-candidata é a mesma que move céus e terras para salvar árvores, índios ou jacarés. Então, no segundo turno, o assunto passou a preponderar como mera moeda de troca de votos. Um dos candidatos, querendo ver-se livre da batata quente, afirma que é problema das religiões! Ora, então as religiões devem legislar sobre direitos dos cidadãos de qualquer idade? Vamos viver sob alguma shari'a, ou várias, uma para cada religião? Não cabe mais ao Estado criar leis que defendam de forma positiva o que é um direito natural inviolável? Ou acreditar em direitos naturais é obscurantismo e medievalismo?
Não temo estar saindo do “obsequioso silêncio” que me impus referente à farsa eleitoral que corre por aí porque ambos os candidatos tratam do assunto com a maior frieza, como não se tratasse de vidas humanas em risco. E não me refiro só ao aborto: o uso “médico” de células-tronco embrionárias já começa a formar uma verdadeira indústria de produção e manipulação de embriões humanos despertando a cobiça e a ganância de milhões e milhões de dólares que renderá este caminho inexorável ao “admirável mundo novo” de produção em série de seres humanos geneticamente manipulados.
Mas a manipulação já começa antes, e a primira vítima é a verdade. Publica-se como manchete que “a criminalização do aborto causa a morte de milhares de mulheres”. Numa típica inversão revolucionária do pensamento – para a qual Olavo de Carvalho não cansa de chamar a atenção – atribui-se aos defensores da vida a responsabilidade pela morte de mulheres que se submetem a abortos clandestinos, como se alguma vez tivéssemos defendido que elas sejam abandonadas até morrerem sangrando, se algo vai mal! Usa-se o mesmo argumento hipócrita que serve para o grotesco “casamento” gay: é a criminalização ou o “preconceito” que causam o sofrimento.
UM TEA PARTY BRASILEIRO?
Esta safadeza a respeito do aborto pode ter desencadeado um movimento conservador brasileiro, algo impensável nas últimas décadas. Será?
[i] Isto pode parecer exagero, mas veja-se a posição do bioeticista e filósofo dos direitos dos animais, Peter Singer, recentemente nomeado Diretor do Centro de Valores Humanos da Universidade de Princeton: para ele, os mais evoluídos primatas, cães e porcos são pessoas, masseres humanos inválidos e mesmo bebês, não podem ser consideradospessoas. O bioeticista Norman Fost considera que adultos humanos com problemas cognitivos devem ser considerados “cérebros mortos” e o filósofo e bioeticista R. G. Frey considera que muitos seres humanos desabilitados deveriam substituir os primatas em experiências científicas. (Citados em When do Human Beings Begin? “Scientific” Myths and Scientific Facts).
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