Por IVES GANDRA MARTINS
(Folha de São Paulo – 19/10/2010)
Li, recentemente, parecer do Professor Eros Grau, ministro aposentado do STF, em que declara serem constitucionais os artigos 542, 1609 § único, 1779 § único e 1798 do Código Civil, visto que, sendo o nascituro sujeito de direitos, é alcançado pelo reconhecimento do direito à dignidade da pessoa humana e à inviolabilidade do direito à vida, contemplados na Constituição do Brasil.
De rigor, o eminente jurista reforça a interpretação dos textos superiores (Tratados Internacionais e Constituição Federal), em que embasa suas conclusões sobre o direito infraconstitucional, a saber: o artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, segundo o qual “todo o ser humano tem direito à vida” ou a convenção sobre os direitos da criança da ONU que afirma que “a criança necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” (grifos meus); o Pacto de São José, do qual o Brasil é também signatário, cujo artigo 1º estabelece “pessoa é todo o ser humano”, o artigo 3º que “tem o direito de reconhecimento de sua personalidade jurídica” e o artigo 4º que esse direito deve ser protegido pela lei “desde o momento de sua concepção”.
O interessante é que o artigo 4º cuida de duas formas de proteção ao direito à vida, ou seja, do nascituro e do nascido. Não abre exceção para o nascituro, mas, quanto aos nascidos: preconiza que os países que tenham pena de morte procurem aboli-la e proíbe aos países que não a tenham de
adotá-la. Estabelece ainda que, se um país signatário, deixar de ter a pena de morte, não poderá mais voltar a adotar tal forma de atentado à vida do ser humano nascido.
A nossa Constituição é clara ao dizer, no artigo 5º, “caput”, que o direito à vida é inviolável.
Por fim, o Código Civil, no seu artigo 2º, está assim redigido: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Seria ridícula a interpretação do dispositivo que se orientasse pela seguinte linha de raciocínio: “Todos os direitos do nascituro estão assegurados, menos o direito à vida”!!!!!
É de se lembrar que o artigo 5º “caput” da lei suprema é cláusula imodificável, por força de seu artigo 60, § 4º, inciso IV.
Como se percebe o arsenal de disposições jurídicas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais do direito brasileiro coincidem e todos apontam para a impossibilidade da constitucionalização do aborto em nosso País.
Nada obstante, há os que defendem que, pelo neoconstitucionalismo, pode o Supremo Tribunal Federal legislar, nos vácuos legislativos. Não é minha posição, primeiro, porque não há vácuo legislativo e segundo, se houvesse, estou convencido de que a tese não se compatibilizaria com o texto maior, visto que, nas ações de inconstitucionalidade por omissão do Congresso Nacional, ainda quando julgadas procedentes, não pode o Supremo Tribunal Federal impor sanções, nem estabelecer prazos para que o legislativo supra a omissão. Não tem, pois, a Suprema Corte, a faculdade de legislar positivamente. Não se deve esquecer que todos os projetos para institucionalização do aborto não têm sido aprovados pelo Parlamento.
“The last, but not the least”, a esmagadora maioria da população brasileira opõe-se a essa prática, conforme pesquisa da Folha em 11/03/2010, sendo 71% contra, e apenas 11% a favor.
Em outras palavras, no Estado Democrático brasileiro, a população rejeita o aborto, prestigiando o respeito ao direito à vida.
Como se percebe, a questão não é religiosa, mas jurídica, refletindo, de rigor, a vontade da maioria da população brasileira, que é contrária ao aborto.
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