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sábado, 16 de outubro de 2010

Abortando o debate em nome da normalidade democrática

BRUNO PONTES
11 DE OUTUBRO DE 2010


A mãe do Brasil
Meu artigo no jornal O Estado 

“Eu acho que tem de haver a descriminalização do aborto. É um absurdo que não haja a descriminalização”. Dilma Rousseff disse isso em outubro de 2007, para a Folha de S. Paulo.

“Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública”, reiterou Dilma à revista Marie Claire, em abril do ano passado.

O Programa Nacional de Direitos Humanos 3, referendado pela Casa Civil da ministra Dilma e registrado no TSE como plano de governo da candidata, trata o aborto como “direito humano” e recomenda a aprovação de uma lei que o descriminalize, “considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”.

A partir dos fatos, peço licença aos leitores para tirar uma conclusão reacionária e obscurantista: acho que Dilma apóia a legalização do aborto. Por convicção e por obediência ao partido.

Em seu 3º Congresso Nacional, o PT incorporou às suas diretrizes a “defesa da autodeterminação das mulheres, da descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público”.

Ouçam também Angélica Fernandes, do Coletivo Nacional de Mulheres do PT: “A defesa da descriminalização do aborto é a principal bandeira daqueles e daquelas que defendem os direitos das mulheres, não como retórica, mas como prática militante e parte integrante da superação do atual modelo político e econômico”.

Está tudo documentado. O aborto é parte da agenda petista (da esquerda inteira, de fato). Abortar contribui para demolir o sistema patriarcal inerente à civilização judaico-cristã e capitalista etc. A legalização do aborto é objetivo votado e aprovado em assembléias partidárias. É motivo de expulsão dos desobedientes. Para o PT, enfim, aborto é coisa séria. Mas vejam como são graciosos os companheiros. Agora estão nos ensinando que aborto não é assunto para eleição. Somente fanáticos religiosos e outras subespécies humanas ousariam levantar a questão e exigir de uma mulher que pode vir a ser presidente da República uma posição clara a respeito.

Dilma declarou anteontem, após uma fortuita visita a uma maternidade mantida por religiosos, que “tão importante quanto a liberdade de opinião e de imprensa é a liberdade de crença e de religião”. Que lindo. Liberdade de religião é boa na hora de formar eleitorado com as comunidades eclesiais de base, insuflar a luta de classes com o sermão da missa e pontificar que Jesus foi o primeiro socialista. Quando a liberdade inclui a liberdade de rejeitar uma candidatura que contraria os princípios da crença, o PT muda de conversa e aborta o debate em nome da normalidade democrática. Até porque não há o que discutir: aquela Dilma dos primeiros parágrafos já avisou que sempre foi “a favor da vida”.

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