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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague - um rolo de papel higênico tem melhor serventia

MÍDIA SEM MÁSCARA

Mentes contaminadas pela fúria revolucionária produzem filmes incompreensíveis e destituídos de qualidade artística real. Os documentários a respeito também não são diferentes. Mas tudo isso serve à política, para glamurizar o totalitarismo.
Fui assistir num cinema de Botafogo, Rio, ao documentário "Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague" ("Deux de la Vague", Emmanuel Laurent, França, 2009), produto insípido como um café requentado, provavelmente financiado com as benesses (incentivos fiscais) do governo francês, hoje - com ou sem Sarkozy - um dos mais empepinados da Europa.
Não sei se já disse aos leitores que comecei minha vida jornalística como crítico de cinema (ninguém é perfeito), no início dos anos 1960, justamente quando surgia em Paris a "nova onda" cinematográfica, levada de camburão pela patota dos Cahiers du Cinéma sob o pretexto de "renovar o cinema" - mas, de fato, nascida com o propósito mesquinho de desalojar das telas cineastas da "velha guarda" francesa, por eles considerados decadentes, tais como René Clément, Clair, Jacques Becker, Clouzot, Litvak, Julien Duvivier, Henri Decoin, Autant-Lara, Delonnoy, etc. - profissionais competentes que realizavam filmes artísticos e comerciais de primeira ordem.
(Quanto a mim, que gostava de filmes, mas nem sempre tinha dinheiro para pagar ingresso, em plena adolescência passei a escrever sobre cinema, em rádio e jornal, em troca de um cartão "permanente" - e mais alguns trocados para o sanduíche).
De fato, mais do que um conflito de gerações, a Nouvelle Vague era - escrevendo ou filmando - uma "coterie" de maus bofes, que só desfilava afetação, pois seus integrantes, (a exceção de Godard, um niilista saído das páginas do "Catecismo Revolucionário", de Netchaiev) faziam filmes tão velhos quantos os da "velha guarda", a começar por François Truffaut, em "Les 400 Coups" ("Os Incompreendidos", 1959), um típico exemplar do cinema "neo-realista".
De todos eles, o mais premeditado foi justamente Jean-Luc Godard, astro de si mesmo e, como sempre ocorre, um jacobino neto de banqueiro, vanguardeiro por profissão.
(Sofista empedernido, Godard assim expressou, em entrevista, sua curiosa filosofia de trabalho: "O ideal para mim é conseguir logo o que funciona - e sem refilmagens. Se elas são necessárias, não vem ao caso. O imediato é o acaso. Ao mesmo tempo, é definitivo. O que eu quero é o definitivo por acaso").
Na verdade, em se tratando de filmes de Godard, no início inspirados na fórmula clássica das antigas fitas classe B de Hollywood, a nota definitiva é, sem dúvida, a gratuidade. Com efeito, nas suas fitas anárquicas, ninguém está seguro de nada, na frente ou por detrás das câmeras: copia-se nos laboratórios o que, por obra do acaso, for impresso no negativo.
"As minhas personagens são personagens sem futuro" - disse ele, certa feita. Na verdade, elas são apenas simulacros, em geral figuras improvisadas, ocas e sem afeto, estigmatizadas pelo lado provisório e perverso da existência. (A propósito, a veneranda Pauline Kael, crítica de cinema, lembrava que os apreciadores das fitas de Goddard eram, em geral, jovens cinéfilos fantasiosos e solitários, ou, quando não, estudantes de cinema da UCLA. Quem duvida?
Na sua badalada obra de estréia, "Acossado" ("À Bout de Souflle", 1960), um filme de perseguição, tudo rola numa picada frenética (aberta anteriormente por Robert Aldrich, em "Kiss me Deadly" - "A Morte num Beijo", EUA, 1955). Michel Poiccard, "herói" da colagem godardiana, é um marginal que rouba, mata, cobra grana de atravessadores e é morto por denúncia da própria amante.
Nessa estranha mistura de pastelão com "film noir", adequada a um diretor que, "pour épater le bourgeois", passou a vida improvisando - prevalece o clima de gratuidade. Por exemplo: numa cena de anticlímax, em que o policial (Daniel Boulanger) segue a amante (Jean Seberg) para chegar ao marginal (Jean-Paul Belmondo), este aparece em cena perseguindo o policial perseguidor, quebrando, de propósito, o clima condutor da cena, como se tudo não passasse de uma caçoada de desenho animado explorado com a "sutileza" de Hanna-Barbera.
De fato, Godard vulgarizou a gratuidade para manter a tradição do "espírito de vanguarda" - sendo por isso mesmo copiado à exaustão pelos vanguardeiros de todos os matizes (entre eles, o trêfego Glauber Rocha). Por exemplo: além dos cortes diretos, feitos por falta de dinheiro para criar fusões, é dele o macete de usar a mesma tomada duas vezes em seguida, bem como utilizar o truque da banda sonora, que consiste em pôr num ambiente silencioso o som do barulho de rua e colocar no ambiente de rua barulhenta a banda silenciosa. Mas isso é contribuição de cineasta que se dê ao respeito?
Por outro lado, no que tange à elaboração do diálogo, como os seus personagens não tinham nem pensamento nem ideias, ou melhor, tinham ideias sem pensamento, ele simplesmente ordenava ao ator que abrisse um livro (de William Faulkner, por exemplo) e lesse algumas frases de efeito escolhidas ao acaso. Não é fantástico?
Por sua vez, seu tipo de "construção" dramática consistia em "desconstruir" capítulos de obras dos outros, como, por exemplo, "Os Demônios", de Dostoievski, para, depois, transformá-los em cenas de miúras brabos tipo "La Chinoise", uma "homenagem" ao terrorismo incentivado pelo camarada Mao.
As godardices de Godard, naturalmente, deram na canela. Com o tempo, seu maneirismo mixou, foi para o beleléu - mas não o mito do "cinema do autor", uma espécie de peru sem cabeça incensado por ele próprio e o pessoal dos Cahiers para derrubar as influências de Hollywood.
Na verdade, o pai da "politique des auteurs" no cinema foi François Truffaut, tido, enquanto crítico, como o "demolidor do cinema francês". No seu trololó crítico, a "autoria" de um filme forçosamente anula "a iniciativa dos demais colaboradores de uma equipe". O diretor é o demiurgo. Não se trata mais de assinar "dirigido por", mas, sim, "um filme de...". Para ilustrar essa teoria furada, Truffaut partiu da tese (gratuita) de que "O pior filme de Howard Hawks era mais interessante do que o melhor filme de John Huston" (diretor responsável por pelo menos 10 clássicos do cinema, entre eles "O Falcão Maltês e "O Segredo das Joias).
A pinimba dos cineastas dos Cahiers com Huston tinha explicação. Numa entrevista ao "The Times", de Londres, o mestre do cinema americano havia dito que procurava, nos seus filmes, a supremacia de uma gramática cinematográfica objetiva, prenúncio de uma linguagem direta que, se de um lado anulava maneirismos estilísticos, de outro tornava o filme um espetáculo claro, íntegro e proporcional, aberto à emoção e ao entendimento do grande público.
Sim, Huston era o caso mais evidente do grande diretor que jamais aceitou a "autoria" dos filmes que assinou. Para ele, a maneira mais adequada de dirigir seria procurar não impor um estilo pessoal, permitindo sua fluidez apenas como uma consequência natural da ideia central da obra - o exato oposto à "teoria do autor" aplicada ao cinema pela patota dos "Cahiers du Cinema".
No resumo da ópera, claro, John Huston tinha razão. Truffaut, cujo primeiro filme ("Os Incomprendidos") foi financiado pelo sogro ("golpe do baú", típico), tornou-se um especialista em realizar filmes que se explicam pela voz em off do narrador - o anticinema por excelência. Mais tarde, antes de morrer, terminou atuando como ator em filme de Spielberg ("Contatos Imediatos de 3º Grau") e homenageando Hollywood e o "cinema de estúdio" ao dirigir "Noite Americana" ("La Nuit Américaine", 1973) - que lhe rendeu o Oscar e um insulto de Godard, que, à época, passou a considerá-lo um "autor de merda".
Há quem considere a Nouvelle Vague um movimento que antecipou a rebelião de maio de 68, na França. É bem possível. Um e outro, além de render manchetes e até hoje as loas da "esquerda festiva", tiveram o condão maléfico de piorar o cinema e mistificar o falso poder da juventude, na melhor das hipóteses, lá e aqui, tão somente uma massa de manobra presa aos mitos da "transformação revolucionária" fabricados por fanáticos criminosos.
Quanto a Nouvelle Vague, só restou Alain Resnais, com o seu "cinema de memória", avançando a questão do tempo e do espaço na arte cinematográfica. Ele começou a fazer filmes em 1940 e até hoje, beirando os 90 anos, permanece ativo.
Mas aí começa outra história.

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