Quarta, 26 de maio de 2010, 13h47
AFP Lula, Ahmadinejad e Erdogan comemoram acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia |
Thomas Friedman
Do The New York Times
Do The New York Times
Confesso que, quando vi pela primeira vez a foto de 17 de maio do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, com seu colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, com os braços levantados - depois de assinarem um suposto acordo para aplacar a crise em torno do programa de armas nucleares do Irã -, tudo o que pude pensar foi: existe coisa mais abominável do que ver democratas traírem outros democratas para um iraniano criminoso e ladrão de votos, que nega o Holocausto, apenas para provocar os Estados Unidos e mostrar que eles também podem jogar na mesa dos grandes poderosos? Não, mais abominável impossível.
"Por anos, os países não alinhados e em desenvolvimento acusaram os Estados Unidos de cinicamente buscarem seus próprios interesses sem consideração pelos direitos humanos", observou Karim Sadjadpour, do instituto Carnegie Endowment. "À medida que Turquia e Brasil aspiram a jogar no palco global, irão enfrentar as mesmas críticas que antes distribuíam aos outros. A visita de Lula e Erdogan ao Irã ocorreu apenas alguns dias depois de o Irã ter executado cinco prisioneiros políticos torturados para confissões. Eles calorosamente abraçaram Ahmadinejad como seu irmão, mas não mencionaram uma única palavra sobre direitos humanos. Parece haver uma noção equivocada de que os palestinos são as únicas pessoas que buscam justiça no Oriente Médio e que, se você simplesmente invocar a causa deles, pode agradar a tipos como Ahmadinejad".
Turquia e Brasil são ambos democracias nascentes que superaram suas próprias histórias de domínio militar. O fato de seus líderes aceitarem e fortalecerem um presidente iraniano que usa seu exército e sua polícia para esmagar e matar democratas iranianos - pessoas que buscam a mesma liberdade de expressão e escolha política de que os turcos e brasileiros agora desfrutam - é vergonhoso.
"Lula é um gigante político, mas moralmente ele tem sido uma grande decepção", disse Moisés Naím, editor-chefe da revista Foreign Policy e ex-ministro de Comércio e Indústria da Venezuela.
Lula, destacou Naím, "apoiou a frustração da democracia na América Latina". Ele frequentemente exalta o homem forte da Venezuela, Hugo Chávez, e Fidel Castro, o ditador cubano - e agora Ahmadinejad - enquanto denuncia a Colômbia, uma das grandes histórias de sucesso democrático, porque o país deixou os aviões dos Estados Unidos usarem os aeroportos para combater os narcotraficantes. "Lula foi ótimo para o Brasil, mas terrível para seus vizinhos democráticos", disse Naím. O Lula que se destacou como um líder operário progressista no Brasil virou as costas aos líderes operários violentamente reprimidos do Irã.
Tivessem Brasil e Turquia realmente persuadido os iranianos a abandonar todo o seu pressuposto programa de armas nucleares, de uma forma que pudesse ser comprovada, os Estados Unidos certamente teriam apoiado. Mas não foi isso o que aconteceu.
O Irã tem hoje cerca de 2,2 mil quilos de urânio com baixo grau de enriquecimento. Pelo acordo de 17 de maio, o país havia supostamente concordado em enviar em torno de 1,2 mil quilos de seus depósitos à Turquia para serem convertidos no tipo de combustível nuclear necessário para impulsionar o reator médico de Teerã - um combustível que não pode ser usado para uma bomba. Mas isso ainda deixaria o Irã com aproximadamente mil quilos de estoques de urânio, que o país ainda se recusa a colocar sob inspeção internacional e está livre para multiplicar e continuar a reprocessar até os níveis mais elevados necessários para uma bomba. Especialistas dizem que seria questão de alguns meses até que o Irã voltasse a acumular quantidade suficiente para uma arma nuclear.
Portanto, o que esse acordo realmente faz é o que o Irã queria que fizesse: enfraquecer a coalizão global para pressioná-lo a abrir suas plantas nucleares aos inspetores da ONU e, como um bônus especial, legitimar Ahmadinejad no aniversário de sua repressão ao movimento democrático iraniano que vinha exigindo a recontagem dos votos das eleições fraudulentas de junho de 2009.
Em minha visão, a "Revolução Verde" no Irã é o mais importante e espontâneo movimento democrático que surgiu no Oriente Médio em décadas. Foi reprimido, mas não está desaparecendo e, no final das contas, seu sucesso - não qualquer acordo nuclear com os clérigos iranianos - é a única fonte sustentável de segurança e estabilidade.
Gastamos pouquíssimo tempo e energia fomentando essa tendência democrática e muitíssimo tempo perseguindo um acordo nuclear.
Como Abbas Milani, um especialista em Irã da Universidade de Standford, me disse: "a única solução de longo prazo para o impasse é um regime mais democrático, responsável e transparente em Teerã. Foi, em minha visão, um grande jogo de trapaça jogado com sucesso por um regime clerical para transformar a questão nuclear em quase o único ponto central de suas relações com os Estados Unidos e o Ocidente. O Ocidente deveria ter sempre seguido uma política de duas vias: negociações sérias sobre a questão nuclear e discussões não menos sérias sobre as questões de direitos humanos e democracia no Irã".
Eu preferiria que o Irã jamais tivesse uma bomba. O mundo estaria muito mais seguro sem mais armas nucleares, especialmente no Oriente Médio. Mas, se o Irã realmente está se tornando nuclear, há uma enorme diferença entre ter um Irã democrático com o dedo no gatilho e essa ditadura clerical assassina atual. Qualquer um que trabalhe para protelar isso e para promover a verdadeira democracia no Irã está do lado dos anjos. Qualquer um que habilite esse regime tirânico e dê cobertura a seus danos nucleares algum dia terá de responder ao povo iraniano.
Thomas L. Friedman é colunista do jornal The New York Times desde 1981. Foi correspondente-chefe em Beirute, Jerusalém, Washington e na Casa Branca (EUA). Conquistou três vezes o Prêmio Pulitzer, até que em 2005 foi eleito membro da direção da instituição. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.
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