sábado, 1 de maio de 2010
(Texto de Maura Fraga)
Paulo Hartung foi o primeiro governador da base aliada do Governo Lula, no país, a afastar o candidato lançado à sucessão para atender ao apelo de Brasília e permitir que se cumprisse o acordo firmado entre o PSB e Dilma Rousseff na noite de segunda-feira última.
Tornou pública a decisão menos de 48 horas após o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, anunciar, em reunião com a candidata de Lula e os coordenadores de sua campanha, que os socialistas retirariam a pré-candidatura de Ciro Gomes em troca do apoio do PT aos seus candidatos em pelo menos seis estados, entre eles o Espírito Santo.
Depois disso, o que interessa esclarecer, na troca da candidatura do vice-governador Ricardo Ferraço (PMDB) pela do senador Renato Casagrande (PSB), para o Governo do Espírito Santo, é o leitmotiv de tanta pressa por parte de Hartung.
Uma das hipóteses é de que teria pavimentado o terreno para retirar a candidatura de Ferraço há algum tempo. Mas não há como acreditar que a escolha do substituto pudesse recair sobre Casagrande, um adversário reconhecido nacionalmente por sua folha de serviços parlamentares e, por conseqüência, fadado a permanecer no Palácio Anchieta nos próximos oito anos. Tudo o que Hartung não queria em seu caminho.
CASA EM ORDEM
Antes de se tornar coadjuvante da sucessão 2010, o governador exerceu o papel de ator principal.
Fez do Poder Legislativo uma casa sem vozes dissonantes, como a Seleção Brasileira de 78, cujos dissidentes eram punidos com a não-convocação. Transformou em fortes aliados o Ministério Público e o Poder Judiciário. Dominou o Tribunal de Contas, um reduto histórico de adversários. Tornou-se quase unanimidade entre os prefeitos e garantiu na bancada federal, se não um bom grupo de amigos, pelo menos de dissimulados.
Casa arrumada, escolheu um sucessor, o vice Ricardo Ferraço, o que lhe assegurou no segundo mandato a paz com o deputado Theodorico Ferraço (DEM), de Cachoeiro de Itapemirim, que chegou à Assembléia se auto-intitulando “homem-bomba" e depois silenciou para preservar o filho.
A SURPRESA
Pronto para deixar o Palácio Anchieta, Paulo Hartung sofreu um revés por sua distração em relação aos Direitos Humanos. Pressionado por denúncias que chegaram à ONU contra o sistema carcerário do Estado, viu-se obrigado a recuar.
Por falta talvez de conhecimento histórico, o governador esqueceu que as questões relacionadas aos Direitos Humanos têm força para destruir carreiras políticas. Exemplo no Espírito Santo, o governador Christiano Dias Lopes Filho, responsável pela inclusão do Estado na área da Sudene, que caiu no ostracismo por subestimar no Governo denúncias sobre o Esquadrão da Morte, criado na Polícia chefiada por seu irmão.
Sem clima para sair candidato, Hartung optou por concluir o mandato e comandar as eleições. Mas, ciente da sua popularidade, do fato de que no Poder influenciaria na votação em todos os níveis e como a sua própria situação só se definiria em 2014, o governador resolveu testar a classe política totalmente dependente dele.
Fez como o rei cristão que tomou uma mesquita e mandou queimar todos os infiéis que lá se achavam. Diante dos protestos, pois havia alguns fiéis naquele meio, sem piedade ordenou aos soldados: “Queimem assim mesmo. Depois Deus separa, tira os dele e deixa os outros no inferno".
CONFLITOS
Menos de duas semanas após o seu "fico", Hartung tirou o tapete do vice Ricardo Ferraço com suas declarações ambíguas sobre o apoio que deveria dar a ele como sucessor, prometendo se definir em junho, época das convenções.
Fez um convite que não poderia ser aceito ao prefeito João Coser, de Vitória, para a disputa do Senado, de olho na Prefeitura da Capital, que tem como vice seu ex-chefe de gabinete (Coser recusou, mas a essa altura já era coordenador de uma campanha desidratada de Ricardo Ferraço).
Ofereceu publicamente ao prefeito Sérgio Vidigal, da Serra, apoio para o Governo em 2014, antes prometido (embora não de forma explícita) a Coser.
Deu margem ao surgimento de boatos sobre a candidatura do senador Gerson Camata (PMDB) à reeleição, o que criaria uma briga doméstica, pois a mulher Rita, deputada federal, pré-candidata ao Senado pelo PSDB, espera os votos do marido que vai deixar a política.
Do tumulto não escapou o senador Magno Malta - aliado do governo por vias transversas -, em busca da reeleição, que no desespero anunciou o seu rompimento com o grupo palaciano e entrou em rota de colisão com o prefeito de Vila Velha, Neucimar Fraga, seu principal aliado, do PR e evangélico como ele.
As chamas do incêndio também reacenderam no coração do deputado federal Camilo Cola um sonho antigo de tornar-se senador da República. Cargo que disputou, sem sucesso, por duas vezes: antes e depois da abertura política.
Há tempos Camilo também pavimenta uma nova estrada, sem dizer por que o faz. Trouxe de volta a Cachoeiro de Itapemirim a sede da sua empresa, a Viação Itapemirim, que há anos levou para São Paulo. A volta se deu justamente após a desistência de Hartung em concorrer ao Senado.
O empresário também teria investido em uma grande empresa de comunicação do Estado, sem tornar-se dono em caráter oficial, o que lhe daria poder de fogo para a disputa, que não teve nas vezes anteriores.
Mas, nem o temperamento sereno de Camilo resistiu à confusão. Fugindo ao seu estilo habitual, o megaempresário deu declarações interpretadas como um rompimento com Ricardo Ferraço e passou pelo dissabor de ter de negar depois.
O incêndio na mesquita capixaba já ia bem adiantado, quando surgiu o bombeiro vindo de Brasília: o senador Renato Casagrande, escolhido a portas fechadas pelas cúpulas do PT e do PSB, sem participação de representantes do estado.
Desde a sua chegada, as chamas diminuíram. Há fogachos aqui e ali, mas todos bem pontuais.
O QUE MOTIVOU
Definida a chapa majoritária e assegurado o palanque para Dilma Rousseff, a situação no estado parece resolvida. Agora, voltamos à pergunta inicial: "Por que Paulo Hartung correu tanto para ser o primeiro do Brasil a descartar um candidato de sua escolha e atender a Lula?"
O que motivou essa última tentação capaz de garantir, a um só tempo, generosos espaços na imprensa nacional; a gratidão de Lula e Eduardo Campos - que comanda os estados do nordeste na guerra da divisão dos royalties do pré-sal - e a volta ao convívio com o senador Casagrande, que andava distanciado?
A escalação para um bom cargo, no futuro, como o comando da Petrobras - a jóia da coroa de qualquer Governo - pode ser uma resposta. Outra? O desejo de, após o incêndio promovido, surgir como pacificador e ter as rédeas da política regional. A terceira e última: o fato de, na realidade, nunca ter considerado o vice o sucessor por ele idealizado. E por que não as três?
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