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terça-feira, 27 de abril de 2010

''O eleitor precisa se identificar''

ESTADÃO


George Lakoff, Neurolinguista.


Para estudioso de Berkeley, voto não é decisão apenas racional e mesmo quem tem alto nível educacional pode ser manipulado.


25 de abril de 2010 | 0h 00



Lucas de Abreu Maia - O Estado de S.Paulo
George Lakoff é um renomado neurolinguista da Universidade da Califórnia, Berkeley. Mas foi seu ativismo político que o levou a dar palestras nos quatro cantos dos Estados Unidos - dos auditórios de universidades a comícios eleitorais. Lakoff é um apoiador ferrenho do Partido Democrata e dedica grande parte de sua vida acadêmica - e de seus nove livros - a entender a divisão entre progressistas e conservadores no seu país. O resultado desse trabalho foi uma teoria cognitiva da política. Para ele, o conceito tradicional de razão não consegue explicar o modo como eleitores escolhem seus candidatos. Emoções, subjetividades e metáforas seriam mecanismos inerentes ao nosso cérebro e, portanto, inevitáveis.

Em entrevista ao Estado, Lakoff tenta remeter esses conceitos à política brasileira. Ele afirma que mesmo um presidente com 80% de aprovação pode ser derrotado pela oposição, desde que os adversários saibam se comunicar com o eleitor. Segundo ele, para vencer uma eleição é necessário "capacidade de falar e ser entendido por todos, transmitir sensação de confiança e ter uma imagem com a qual o eleitor possa se identificar". Por fim, Lakoff defende um "novo iluminismo", que abandone a noção de uma razão absoluta e lógica e que incorpore as descobertas científicas acerca da mente humana.

No livro The Political Mind (A Mente Política, em tradução livre), o senhor afirma que progressistas e conservadores têm formas de pensar distintas e inconciliáveis. Progressistas veriam o governo como um "pai cuidadoso" - que protege e oferece possibilidades aos cidadãos -, enquanto conservadores encarariam o Estado como um "pai austero" - a quem cabe ensinar uma rígida disciplina. Até que ponto essa metáfora pode ser exportada para outras partes do mundo?

Muita gente tem as duas formas no cérebro simultaneamente e variam seu uso. O cérebro tem determinados circuitos, chamados "inibição mútua", em que a ativação de uma forma de pensamento inibe a outra. Por isso, as pessoas podem ser conservadoras em alguns aspectos e liberais em outros, desde que em questões políticas diferentes. Fizemos estudo empírico com um grupo, durante eleição na Califórnia, e vimos que isso ocorre com 18% dos eleitores. Temos descoberto que o mesmo ocorre na Espanha, apesar de o país ter muitos partidos. Eleitores fazem diferentes combinações das formas de pensar progressista e conservadora - eles aplicam uma combinação se são social-democratas, outra se são democratas cristãos e assim por diante. Isso também vale para a Alemanha. Ou seja: essas formas de pensar se aplicam à Europa - certamente se aplicam à Espanha e à Itália -, mesmo em sistemas multipartidários.

Só há essas duas formas de pensar politicamente? Elas são universais?

Não. Um dos meus alunos fez um estudo na China e descobriu que há uma outra forma de pensar, que reflete a estrutura familiar chinesa. Não sabemos quão difundidas são as formas de pensar conservadora e progressista, mas essa estrutura funciona na Europa e em países com influência cultural europeia.

Na América Latina, por exemplo?

A América Latina seria uma possibilidade. Mas esta é uma pergunta empírica, simplesmente não dá para dizer. Não se sabe exatamente onde funciona e onde não funciona. O que nós sabemos é que não parece ser universal. O que parece ser universal, contudo, é que a política aparentemente depende muito da estrutura familiar. Mas ainda há muita pesquisa a se fazer.

O sr. defende uso de enquadramentos ideológicos e metáforas no discurso político. É possível fazê-lo sem manipular o eleitor?

Nós sempre vemos o mundo através de um prisma ou de metáforas. São formas de pensar às quais recorremos todos os dias. Você não pode pensar sem enquadramentos ideológicos e, provavelmente, mais da metade dos seus pensamentos são metafóricos. Além disto, a organização política da mente baseia-se sempre em sistemas morais - frequentemente com origem na estrutura familiar. E os pontos de vista ideológicos são organizados dentro desses sistemas.

Em que medida entender como o cérebro processa as metáforas importa no debate político?

Importa muito! O marketing e a publicidade estudam como o cérebro funciona, mas a ciência política, o direito e a economia tendem a ignorar o assunto. Estuda-se a razão iluminista - na qual pessoas pensam em termos da lógica formal, de forma literal e sem emoções. As emoções atrapalhariam a capacidade de raciocínio. Com isso, perde-se a maior parte do que foi aprendido com a neurociência. E um dos problemas é que não se entende como a comunicação funciona.

O sr. afirma que é mais fácil mudar a forma como o eleitor pensa após um trauma. Mas o Brasil vive situação oposta: o presidente atual tem cerca de 80% de aprovação. É possível, numa situação como essa, convencer o eleitor a votar na oposição?

Não conheço o suficiente da política brasileira, mas posso especular. Se existirem, no Brasil, eleitores que chamo de "biconceituais" - ou seja, que variam entre dois sistemas de pensamento - e se a oposição tiver uma comunicação excelente (e souber como explorá-la), então é possível mudar a situação independentemente da popularidade do governo. Por exemplo, depois da saída de Bill Clinton, os Estados Unidos estavam numa ótima posição econômica, mas George Bush conseguiu comunicar-se muito bem, enquanto Al Gore era péssimo.

Diz-se que, nesta eleição presidencial, os principais candidatos têm visão política e econômica muito próxima. Como diferenciar candidatos que compartilham de uma mesma forma de pensar?

Ah, de muitas maneiras. Primeiramente, um candidato pode acreditar em pequenas ou em grandes mudanças. Um outro fator são as prioridades de cada candidato: alguns podem priorizar políticas ambientais, outros a saúde pública, outros ainda a política externa. Isso ocorre porque há diferenças dentro de uma mesma forma de pensar.

Em um país com sério déficit educacional, como o Brasil, o eleitor fica suscetível à manipulação?

Não tem nada a ver. Pessoas com alto grau de educação ainda são manipuladas. Nas eleições, as questões mais importantes têm a ver com valores morais e com o modo como são comunicados. Têm a ver com a capacidade de se conectar com as pessoas, ou seja, falar e ser entendido por todos; com transmitir uma sensação de confiança; e com ter uma imagem com a qual o eleitor possa se identificar. Chamo isso de autenticidade. Se você parecer autêntico, se compartilhar os valores da população, se o eleitor puder se identificar e confiar em você, então votarão em você. Não depende de educação.

O sr. defende um "novo iluminismo". O que isso significa? É realista acreditar em um "novo iluminismo" em escala global?

Espero que sim, mas sei que é difícil. Um novo iluminismo implica entender avanços da neurociência e das ciências cognitivas, o que inclui perceber que a empatia tem papel imenso nas interações humanas e a ideia de democracia depende disso. Precisamos entender como a mente realmente funciona: um conjunto de circuitos neurais que envolvem prismas ideológicos, metáforas e construção inconsciente de narrativas. Precisamos entender que as emoções são parte da razão e nem todo mundo pensa do mesmo jeito. Precisamos entender que sistemas morais são fundamentalmente metafóricos - e não vêm de uma razão universal. Precisamos entender que há muitos sistemas morais diferentes e a política é fundamentalmente baseada na moralidade. Tudo isso requer nova compreensão do que nosso cérebro é e do que nossa sociedade significa. Essa é a definição de um novo iluminismo.


QUEM É

É neurolinguista da Universidade da Califórnia, Berkeley, onde trabalha desde a década de 1970. Publicou nove livros para o grande público, entre eles The Political Mind, além de inúmeros trabalhos acadêmicos. Graduado do Massachusetts Institut of Technology (MIT), é conhecido por suas teorias sobre a importância das metáforas na linguagem e por sua crítica ao modelo iluminista de razão.

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