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segunda-feira, 12 de abril de 2010

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO

PERCIVAL PUGGINA

Os movimentos revolucionários contemporâneos não lidam mais com armas de fogo. Eles não vão mais às esquinas lançar coquetéis molotov, mas se entrincheiram em outras frentes. Trabalham de gravata em gabinetes ministeriais, vestem togas pretas, dão expediente no governo e em ONGs por ele financiadas, recebem em euros custeados por instituições internacionais. Disparam leis, sentenças, aulas, portarias, comitês, audiências públicas, relatórios.



11/04/2010

Creio que a melhor maneira de se compreender o significado da função social da propriedade é perceber o que acontece quando morrem os idosos. As pessoas adquirem ao longo da vida conhecimentos e experiências que as transformam em fonte de sabedoria e conselho para familiares e amigos. De repente, esses bens imateriais se perdem. A morte interrompe o cumprimento da valiosa função social que exerciam. Ou seja, nem os conhecimentos que possuimos estão isentos da função social.

Creio que a experiência descrita, tão comum no convívio humano, ajuda a dar nitidez a esse atributo que é a função social. A consulta ao dicionário esclarece o conceito de atributo: “aquilo que é próprio de um ser”. Por isso, julgo importante indagar se a função social é atributo da propriedade, como normalmente se afirma, ou do bem em relação a qual ela se exerce, como acredito que seja. E explico. A árvore de uma floresta ou a floresta inteira tem função social? Parece óbvio que sim. E se a área onde elas estão for devoluta, não tiver dono, persiste a função social de uma e de outra? Também. Sou levado a crer, portanto, que a função social é atributo do objeto possuído e não da propriedade. Quem adquire a posse do objeto leva com ele esse atributo que muito provavelmente é a própria razão de ser da aquisição. Com efeito, se o bem não tiver utilidade social, o investimento feito para adquiri-lo perde muito de seu sentido. Creio que essa constatação serve para mostrar que a função social da propriedade não é ônus, mas bônus.

Por que, então, o discurso esquerdista se empenha em apresentar a função social da propriedade como um encargo, um gravame, uma guilhotina que a Constituição Federal de 1988 colocou nas mãos jacobinas do MST? Ora, para os movimentos comunistas contemporâneos, tudo que possa ser usado para inibir o direito à propriedade privada é incenso queimado no altar da revolução por mais que os bens sob regime de propriedade coletiva ou pública descumpram sua função social nas barbas da freguesia que os custeia. Os movimentos revolucionários contemporâneos não lidam mais com armas de fogo. Eles não vão mais às esquinas lançar coquetéis molotov, mas se entrincheiram em outras frentes. Trabalham de gravata em gabinetes ministeriais, vestem togas pretas, dão expediente no governo e em ONGs por ele financiadas, recebem em euros custeados por instituições internacionais. Disparam leis, sentenças, aulas, portarias, comitês, audiências públicas, relatórios. E a função social da propriedade, que deveria ser vista como um bônus inerente ao bem do qual se detenha a propriedade, e como motivo econômico da posse e do uso, vira armamento na casa de pólvora do quartel revolucionário.

Assim, a massa de manobra do MST espicha o olho cobiçoso para uma propriedade rural e a invade porque ela “não cumpre a função social”. Como se tal determinação fosse matéria de seu altíssimo juízo! E por vezes aparecem magistrados suficientemente alinhados com o movimento revolucionário para mandar verificar se os invasores têm razão, como se a razão quanto a isso justificasse aquilo.

É óbvio que um bem que tenha função social, e cuja posse e uso não a façam valer, danifica o bem comum e se sujeita, até mesmo, à desapropriação por interesse social. Note-se que esse ato extremo, que se viabiliza na hipótese também extrema do comprovado descaso em relação ao bem, implica indenização ao proprietário, e fica submetido ao devido processo, aos limites próprios da ação do Estado e às instâncias do Poder Judiciário. Jamais pode ser entendido o bem em questão como objeto de imediata usurpação por quem quer que seja.

Mais ainda hão de estar atentos os agentes públicos e os julgadores quando se defrontam com as condições postas no art. 186 da Constituição Federal para o atendimento da função social, a saber: “aproveitamento racional e adequado, utilização adequada (sic) dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações do trabalho, e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Por essas quatro porteiras, ingressamos no campo nebuloso dos subjetivismos e das mais do que prováveis demasias de cunho ideológico. É bom ter presente, diante delas, contudo, que o importantíssimo art. 5º da Constituição Federal garante em seu caput, sob certos termos, a inviolabilidade de cinco direitos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. A inviolabilidade do direito à propriedade é o preceito superior no que a ela concerne. E é sob essa medida que devem ser prudentemente aplicadas as respectivas condicionantes. Note-se que o legislador brasileiro somente viabilizou o confisco como ato de Estado no caso do uso da propriedade para produção de drogas psicotrópicas.

Resumindo:

a) a função social é o atributo que mais valor agrega a um determinado bem;

b) esse valor é responsabilidade do proprietário, não muito diferente das tantas responsabilidades que ele tem em relação ao seu automóvel e ao uso que dele faça;

c) cabe ao Estado proteger esse direito do mesmo modo que os demais;

d) agentes públicos, legisladores e magistrados devem subordinar-se ao espírito da Constituição, que coloca o respeito ao direito de propriedade entre os direitos individuais e entre os fundamentos da ordem econômica.

Não se brinca com isso! Nem se pode tolerar que algo tão valioso sirva de instrumento de ação ao movimento revolucionário. Impingir ideologia com a caneta do poder é tão criminoso quanto fazê-lo armando barricadas e dando tiros nas esquinas.

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* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia. 

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