terça-feira, 13 de abril de 2010 | 4:27
As minhas filhas me lêem, e ficaria, por isso, feio mentir aqui sobre aspectos da nossa vida privada. Elas sabem que, no dia em que vimosAvatar, assim que apareceu a “mocinha” da floresta, comentei: “Nossa! É a Marina Silva!” Era uma brincadeirinha, um gracejo bobo, e fui repreendido por uma delas: “Shhhh, pai!” Ela odeia gente que conversa em cinema. Eu também! Mas não resisti. É claro que a minha graça buscava identificar uma personagem muito nossa com uma metafísica influente que hoje varre o mundo. O valor geral da coisa não é ruim: “Sim, vamos salvar a Terra!” A questão é saber como e saber quem salvará o planeta da ação dos salvadores do planeta.
A minha ironiazinha feita na sessão daquela xaropada ganhou realidade. A senadora e presidenciável Marina Silva (PV-AC) se encontrou com James Cameron, o diretor do filme. É evidente que aquele planeta imaginário das telas é a Amazônia. E Marina é a voz dos povos da floresta. Logo… Cameron participou ontem (ver posts abaixo), em Brasília, de uma manifestação contra a usina de Belo Monte, no Pará. Uma das suas restrições — além de achar que o empreendimento agride o meio ambiente e que isso é ruim para o planeta — é que uma comunidade indígena não teria sido ouvida. Ao falar a respeito da usina ontem, Marina repetiu também falou nos índios. A tal “comunidade” não quer a usina por lá. Se faltar energia no Brasil, ela não poderá nos emprestar o seu pajé. Mas isso, parece, é problema nosso, não dos índios…
Indagada se é contra a usina ou a favor dela, Marina respondeu que, a priori, não é contra nem a favor. “A priori”??? Esse debate já é velho demais. Ocorre que, se Marina se disser a favor, ofende os fundamentos dos seus crentes, que lhe dão expressão. Caso se diga contrária, reforça a imagem de radical, o que ela está tentando mudar desde que passou a contar com o aporte, digamos, publicitário viabilizado pelo bilionário da cosmética da floresta Guilherme Leal. Então ela pediu mais tempo para pensar e encontrou a resposta mágica: “É preciso ouvir mais a sociedade”. Sei…
Na Pandora comandada por Marina, estaremos em permanente assembléia com os Na’vi. E só faremos aquilo que estiver de acordo com aquela inteligência sobrenatural da deusa Eywa, saudando permanentemente a Árvore da Vida.
Pois é… Eis o problema: qualquer alternativa a Belo Monte no longo prazo certamente agredirá mais o planeta. Marina sabe disso. E sabe também que exaustivos estudos ambientais foram feitos. Algum impacto sempre haverá. Aliás, só se fazem filmes como Avatar e senadoras como Marina porque os nossos avós — e, antes, os avós deles, precedidos pelos avôs de seus avós, até que se chegue àquele ancestral comum do macaco e do homem — alteraram a natureza. O problema de Belo Monte é bem outro, e escrevo um post a respeito.
Marina e as culpas
Marina comentou também a tragédia no Rio de Janeiro e, mais uma vez, atravessou o samba. Qualquer um que diga que o fabuloso número de mortos se deve ao fato de que havia pessoas morando onde pessoas não deveriam morar estará dizendo a verdade. E isso é, sim, responsabilidade de sucessivos governos, inclusive dos atuais, assim mesmo, no plural, porque a questão envolve as três esferas. O Rio, mais do que quaisquer outros estados, e as cidades do Rio e de Niterói, mais do que quaisquer outras cidades, estão conhecendo os efeitos nefastos do populismo.
Marina proferia ontem uma palestra por ocasião dos dez anos no Brasil da Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde Alemão — mais uma das muitas multinacionais do pensamento que hoje ajudam a ditar a pauta influente. E, assim, cumpria à senadora deixar de lado a responsabilidade de homens locais para falar de uma grande omissão histórica, que, segundo entendi, tem a ver com o aquecimento global. Na Folha Online, está assim:
“O que vem acontecendo no Rio está sendo alertado por todos estes anos”, afirmou a senadora. Para ela, os transtornos climáticos envolvem dois extremos: “Chuvas fortes e secas prolongadas; omissão e irresponsabilidade”.
Já choveu uma enormidade antes no Rio. A chuva que devastou várias cidades do estado — e também em São Paulo, Bahia, Sergipe… — está perfeitamente inscrita nos fenômenos possíveis da madrasta natureza. Talvez Marina não saiba, mas só o comunismo e as duas grandes guerras (com larga vantagem daquele) rivalizam com a Deus Eywa na sua disposição de ceifar vidas humanas — e isso em períodos determinados, claro. No conjunto, Eywa mata muito mais, sabem? Ela é tão perversa que tem o poder de extinguir civilizações. Não fossem um carboninho aqui, outro ali, que aprendemos a emitir por causa, parece, de uma mutação bacana no córtex cerebral e no cerebelo, a vaca — ou esses macacos pelados — já teria ido para o brejo faz tempo. No mundo real, Eywa tende a um equilíbrio que nos é estranho. Do nosso ponto de vista, é burra como uma porta.
Se Eywa decide derramar aquele aguaceiro sobre morros desabitados, haverá só terra caindo sobre terra. Se houver casas por lá, então terá havido um desencontro entre a natureza e o homem, e a mãe vira madrasta. A chuva do Rio não tem rigorosamente nada a ver com o aquecimento global. No Brasil, o populismo certamente mata ainda mais do que o aquecimento.
Inimputável
Chega, não é? Já temos um político inimputável no Brasil: Lula. Quando ele era quase um outsider, isso poderia ter lá a sua graça. Não é mais. Está no poder, mas continua protegido de si mesmo, com a faculdade de falar as maiores batatadas sem que ninguém o conteste.
Marina tem esse charme do discurso internacionalista. De certo modo, na imprensa, é o Lula da hora. É candidata à Presidência da República, com ampla aceitação em setores mais intelectualizados, justamente aqueles mais equipados intelectualmente, em tese ao menos, para lhe cobrar precisão. Seu discurso sobre as chuvas no Rio e sobre Belo Monte está entre a ligeireza e a tolice.
Quanto a Cameron, aí, ai… Bem, só falta ele escolher um Raoni para chamar de seu, a exemplo de Sting. Ainda não entendi se ele realmente se converteu à causa ou se vive a fase de pós-lançamento de Avatar, mantendo a sua “militância” até que comece uma nova empreitada. Talvez seja o caso de dizer ao rapaz: “Pô, Cameron, cala a boca e filma! Ou vá protestar contra a ameaça nuclear em Teerã”.
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