8/3/2010
Em menos de quatro meses, esta é a segunda vez que o Brasil será denunciado às comunidades internacionais por violar direitos nos presídios capixabas.
“Não nos deram explicação alguma, simplesmente pediram que nos retirássemos do interior do presídio poucos minutos após a nossa entrada”, relatou, na ocasião, a diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho
José Rabelo
Foto: Jose Rabelo
Por mais que tenha esticado, o tapete do governador Paulo Hartung não foi grande o suficiente para esconder todos os casos de violações de direitos humanos que passaram a ser uma prática banalizada no sistema prisional capixaba. No próximo dia 15, representantes das Organizações Não-Governamentais (ONGs) Justiça Global e Conectas, juntamente com o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo (CEDH-ES), Bruno Alves, apresentam um dossiê completo (fotos e documentos) ao Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU). O contundente material será apreciado pelos membros da ONU, em Genebra, num painel especial dedicado às denúncias de violações nos presídios do Estado. Em menos de quatro meses, é a segunda vez que o Espírito Santo expõe o Brasil perante a opinião pública internacional.
Em novembro de 2009, a Justiça Global enviou à Organização dos Estados Americanos (OEA) um pedido de medida cautelar em benefício dos adolescentes privados de liberdade na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis). Entre abril e junho de 2009, três mortes e várias denúncias de tortura haviam sido registradas na unidade. A OEA determinou que o Brasil garantisse a vida e a integridade física dos adolescentes da Unis.
A iniciativa de levar os casos de violações de direitos a instâncias internacionais como a ONU e OEA tem sido a saída encontrada pelas ONGs para manter acesas as denúncias sobre violações de direitos no Espírito Santo. Para Bruno Alves, as denúncias evidenciam a falta de diálogo e de transparência com que o governo do Espírito Santo trata a questão do sistema prisional. “Tentam de todas as formas ocultar as graves violações de direitos humanos que acontecem sistematicamente nas unidades prisionais do Estado. Frequentemente, o governo desrespeita decisões judiciais e determinações de organismos internacionais”, advertiu Bruno Alves.
O presidente do CEDH-ES disse que a ONU abriu um espaço exclusivo para “Caso Espírito Santo” em face da gravidade das denúncias. O farto material que faz parte do dossiê foi construído ao longo dos últimos anos respaldado em relatórios das diversas organizações de defesa de direitos que passaram pelo Estado. As denúncias, no entanto, ganharam repercussão nacional a partir de abril do ano passado, quando o então presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Sérgio Salomão Shecaira, produziu um dos relatórios mais fiéis e chocantes (pela riqueza de detalhes) sobre a real situação das “masmorras capixabas”.
À época, Shecaira comparou as os presídios capixabas aos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial. “Poucas vezes na história seres humanos foram submetidos a tanto desrespeito”, disse consternado Shecaira após vistoriar os presídios capixabas. O flagrante desrespeito aos direitos humanos e o tratamento desprezível que as autoridades locais vinham dando ao problema não ofereceram alternativa ao presidente do CNPCP, que sugeriu ao ministro da Justiça, Tarso Genro, ainda em abril de 2009, a intervenção federal no Espírito Santo.
Comprovando mais uma vez a intolerância do governo capixaba para dialogar, Shecaira saiu do Estado sem conseguir discutir os problemas de violações de direitos com os secretários de Justiça e Segurança, respectivamente, Ângelo Roncalli e Rodney Rocha Miranda, que trataram a indignação de Shecaira com descaso.
Imediatamente o governador Paulo Hartung usou a imprensa corporativa para desqualificar as denúncias de Shecaira. Hartung tratou o caso como “perseguição política ao Espírito Santo”. À época, o governador declarou aos jornais: “Se fosse com Minas Gerais, que tem um bancada grande [na Câmara de Deputados], duvido que eles teriam coragem de pedir a intervenção”. “Bisbilhoteiro, intrometido e aloprado” foram alguns dos impropérios usados pelo governo para ridicularizar o ex-presidente do CNPCP.
Na queda de braço com Shecaira, Hartung levou a melhor. Logo após o pedido de intervenção chegar à Procuradoria Geral da República, o ministro da Justiça, Tarso Genro, saiu em defesa do Espírito Santo apontando que haveria outra alternativa que não a intervenção para o Estado.
A saída política dada ao caso foi decisiva para Shecaira deixar a presidência do CNPCP em agosto de 2009. “Infelizmente o Ministério da Justiça não me deu o respaldo esperado para resolver os problemas no sistema carcerário do Espírito Santo. Não me restou alternativa, a não ser sair”, disse Shecaira na ocasião.
O relatório, que custou a saída de Shecaira do CNPCP, serviu, de outro lado, para mobilizar uma verdadeira carreata de organizações (governamentais e não-governamentais) do Brasil e do exterior que se sucederam para ver de perto as atrocidades denunciadas por Shecaira.
A Justiça Global e Conectas estavam entre as organizações que vieram ao Estado para reforçar as denúncias de violações nos presídios capixabas. Durante a vistoria realizada no último dia 5 de fevereiro, na Penitenciária Feminina de Tucum (Cariacica), os representantes das duas ONGs, do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo (CEDH-ES), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra) e da Pastoral do Menor, foram “convidados” a se retirar do presídio. Uma ordem expressa do secretário de Justiça, Ângelo Roncalli proibia a permanência dos representantes nas dependências da penitenciária.
A comissão foi surpreendida com a determinação truculenta do governo. “Não nos deram explicação alguma, simplesmente pediram que nos retirássemos do interior do presídio poucos minutos após a nossa entrada”, relatou, na ocasião, a diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho.
Segundo o advogado da Conectas, Samuel Friedman, a ONG tem status consultivo no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Friedman explicou que a vinda da Conectas ao Espírito Santo atendia a uma demanda da própria ONU. O advogado disse que a visita era complementar à primeira, realizada em novembro do ano passado, também em conjunto com a Justiça Global e com os conselhos de direitos humanos do Espírito Santo.
Logo após a expulsão de Tucum, Friedman havia alertado que, a partir dos novos dados coletados, a comissão iria concluir o relatório e enviá-lo às comissões de Torturas e Execuções Sumárias da ONU e à OEA. Ele garantiu ainda que o documento, no Brasil, seria encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), às comissões de direitos humanos do Senado e da Câmara e inclusive à Procuradoria Geral da República, que continua analisando o pedido de intervenção federal no Estado.
Foi o que aconteceu. No próximo dia 15, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vai analisar o relatório com 30 páginas e oito fotografias que detalham a precariedade das unidades prisionais, à prática de tortura e execuções sumárias de detentos (com requintes de crueldade), além do confinamento de presos em contêineres e celas superlotadas e sem nenhuma condição de higiene. Por mais graves que sejam as violações, o Conselho da ONU, porém, não tem caráter punitivo. Os membros podem apenas sugerir recomendações ao Brasil para que as arbitrariedades que afrontam os direitos humanos cessem.
Mesmo sem ter alçada para punir legalmente os responsáveis, moralmente o governo Brasileiro, e por tabela o capixaba, fica com a imagem internacional arranhada. Na prática, as denúncias ganham repercussão internacional perante os 47 países que fazem parte do Conselho da ONU, instituído em 2006.
De novembro de 2009 para cá, é a segunda vez que o Espírito Santo do governador Paulo Hartung expõe o Brasil nas instâncias internacionais por violar os direitos humanos nas penitenciárias e unidades para privação de liberdade de adolescentes em conflito com a lei.
Em novembro de 2009, a Justiça Global e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra enviaram à Organização dos Estados Americanos (OEA) um pedido de medida cautelar em benefício dos adolescentes privados de liberdade na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis). Apenas entre abril e junho, três mortes e várias denúncias de tortura haviam sido registradas no interior da unidade. A OEA prontamente determinou que o Brasil garantisse a vida e a integridade física dos internos.
Na mesma visita, realizada no início de fevereiro, a comissão retornou à Unis - desta vez integrando a comissão de fiscalização - e encontraram a mesma situação de violação presenciada em novembro de 2009. A única diferença que os representantes da comissão notaram foi um enorme grafite, na parede de uma das celas, de homens encapuzados portando armas de grosso calibre. Abaixo da pintura, que foi feita por um grafiteiro contratado pela diretoria da Unis, uma mensagem faz menção ao maior grupo criminoso do estado de São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital). É assim que o governo do Estado pretende “ressocializar” os jovens em conflito com a lei.
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