Em 21 de dezembro, o jornal inglês The Guardian publicou uma reportagem intitulada “Israel admite que extraiu órgãos de palestinos”. O interesse era óbvio. Em agosto, um jornal sueco causou sensação ao acusar soldados israelenses de arrancar os órgãos de palestinos mortos para serem usados em transplantes. A reação do governo de Israel e dos judeus na ocasião foi veemente: tratava-se de uma mentira cruel, uma forma de reafirmar o anti-semitismo em seu estado mais primitivo – aquele que, na Idade Média, atribuía a judeus uma série de crimes rituais, como tirar o sangue de crianças cristãs para fazer pão ázimo. A reportagem do Guardian, no entanto, parecia confirmar a acusação.
Mas só parecia. Nesta quinta-feira, o jornal inglês publicou a seguinte correção a respeito da reportagem: “Aquele título não corresponde ao texto, que deixa claro que os órgãos não eram retirados apenas de palestinos. Foi um sério erro de edição, e o título foi alterado na edição online para refletir o texto escrito pelo repórter”.
A reportagem em questão dizia que, até os anos 90, um instituto médico-legal perto de Tel Aviv extraiu pele, córneas, válvulas cardíacas e ossos de cadáveres de soldados israelenses, cidadãos israelenses, palestinos e trabalhadores estrangeiros, frequentemente sem permissão dos parentes. Ou seja: as vítimas não eram apenas, ou não especificamente, palestinos. Portanto, o crime não era étnico, como o título dava a entender. A reportagem enfatizou ainda que não havia evidências de que os israelenses haviam matado palestinos para lhes retirar os órgãos, como acusara o jornal sueco.
A pergunta óbvia, diante disso, é: por que o jornalista que editou a reportagem optou por um título que mencionava somente os palestinos? Qual era sua intenção?
Há várias explicações possíveis, e incompetência profissional é somente a mais fácil delas. Mas o caso inspira uma reflexão um pouco menos rasa. É provável que o jornalista do Guardian tenha destacado os palestinos no título por causa do barulho produzido pelo jornal sueco. Era uma forma de relacionar as duas coisas, como a comprovar a acusação tão negada pelos israelenses.
E aqui entramos no segundo – e perverso – aspecto do episódio. O jornalista do Guardian parece não ter refletido sobre o texto que leu antes de escrever o título. Seu impulso imediato foi pensar num título que incriminasse Israel em relação aos palestinos. A razão disso é muito simples: incriminar Israel é muito mais fácil do que não incriminar.
Israel é um país muito malvisto, graças sobretudo a uma intensa propaganda negativa por parte de “humanistas” que, a título de defender os palestinos, na verdade exercem o mais tosco anti-semitismo, ao negar o direito de Israel de existir. Não importam os enormes avanços técnicos e científicos que a sociedade israelense produziu para o mundo todo; não importa o trabalho solidário de diversas entidades israelenses em relação aos árabes; não importam os esforços dos israelenses para tentar conviver com vizinhos que, se pudessem, já os teriam dizimado. Será sempre Israel o elemento criminoso da equação, uma entidade irremediável, um monstrengo que só produz sofrimento e desolação.
É por isso que foi tão fácil ao jornalista do Guardian “errar” em seu título. Para ele, como para muitos outros, tudo o que envolve Israel em relação aos palestinos está sempre eivado de crueldade, mesmo que não tenha relação com a realidade. É a força da ideologia, que comprova a resiliência brutal do anti-semitismo.
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