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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CORRUPÇÃO E REVOLUÇÃO

Fonte: HEITOR DE PAOLA
07 de dezembro de 2009


Nivaldo Cordeiro


A entrevista da psicóloga Sandra Jovchelovitch publicada na edição de hoje da Folha de São Paulo é um convite à reflexão sobre os acontecimentos recentes da política brasileira. No centro a questão da corrupção política. A psicóloga cometeu erros de avaliação que quero aqui sublinhar, bem como não se deu conta do problema real nacional no campo da política.

Falar de “brasileiro” em geral é sempre algo problemático e, como toda generalização, comete injustiças e escorrega em imprecisão. Vejamos o que declarou a psicóloga: “A corrupção no Brasil é um problema sistêmico. Ela se alicerça em avatares muito profundos da nossa cultura, o que explica a recorrência dos escândalos e a nossa incapacidade histórica em lidar institucionalmente com eles. Isso está vinculado a uma autointerpretação do brasileiro de que nós somos um povo corrupto, de que a corrupção está na constituição do nosso corpo político e social”.

Quais são os fatos? Os fatos são que a corrupção política (ela sempre fala como se a corrupção política fosse a corrupção por antonomásia, o que considero um erro) é inerente à condição humana [Lembro-me aqui de um fato. Quando foi lançado o filme À ESPERA DE UM MILAGRE fui ler o livro homônimo de Stephen King, que deu base ao roteiro. Lá pelas tantas o personagem afirma que para fornecer ao governo dos EUA é preciso pagar 10% de comissão. Lá como cá.]. A corrupção não é atributo nacional exclusivo. O poder é sempre corrupção e a única forma de minimizá-la é reduzindo o Estado, separando o mais possível o poder econômico do poder político.

Para entender os níveis de corrupção vigentes a autora teria que sublinhar que o Brasil está mergulhado no processo revolucionário, que consiste basicamente em viver dentro de uma realidade fantasmagórica – uma Segunda Realidade – em que o poder de Estado é suposto capaz de tudo, inclusive de alcançar a perfectibilidade do homem em vida. Essa distorção revolucionária é duplamente a fonte da elevação a níveis intoleráveis da corrupção: pela promessa falsa de alcançar a perfeição e pelos meios empregados, já que os revolucionários justificam todos os meios de corrupção para alcançar a beatitude final da sociedade socialista. Vimos isso em toda parte onde a revolução ocorreu. Desde a entrega do poder pelos militares, período em que a corrupção era notavelmente menor, estamos vendo o descenso inexorável das práticas políticas, a corrupção moral em larga escala, culminando com a compra de votos pura e simples, mediante bolsas estatais.

O mecanismo de cativar as multidões com benesses crescentes, à revelia do livre mercado e da lei da escassez, é a corrupção que tangencia o espiritual e é esta a base pela qual se move a estrutura de poder petista. Acontece que as massas são sempre insaciáveis e cativá-las implica cativar vícios de difícil erradicação, como a preguiça. Os meios de existência não caem do céu, mas os revolucionários insistem que esses podem ser obtidos pelo concurso benevolente do poder público, desde que este esteja sob seu controle.

O que o PT está fazendo é a fusão integral entre o poder econômico e o poder político, uma notável reprodução da fórmula nazista e comunista.

Para tanto, abraçou todas as bandeiras corruptas em si, como a climática (coloca o homem a serviço da natureza, contra a realidade contrária), a de raças (no Brasil não há racismo, mas fusão de raças), de sexo, de classe. Junto a promessa de que o governo tem o poder de resolver todos os problemas. Infelizmente, a autora não tem uma palavra sobre esse quadro amplo que se desenrola. Penso até que ela não se deu conta dele, estando inconsciente do processo revolucionário em curso, que é a “mãe de toda a corrupção”.

Ela declarou: “No Brasil, em geral, há uma reafirmação de um fatalismo: "a política é assim", ‘esses caras não têm jeito’, ‘quem pode faz mesmo’.

Seria um pouco pesado dizer, mas existe uma disseminação de um certo comportamento corrupto na sociedade brasileira. É o sujeito que suborna o policial para não levar uma multa, que compra a carteira de motorista, que pede favor pessoal ao vereador, que sonega impostos. Existe uma simetria entre a rua e a política. A relação com a coisa pública não é só dos políticos, ela é nossa. Está tanto nos microespaços do cotidiano como nos macroespaços institucionais brasileiros”.

Aqui tem outra confusão. Nunca foi tarefa do chamado homem comum zelar pelas virtudes públicas. Elas sempre estiveram a cargo da elite que comanda o Estado. Ocorre que a elite que comanda o processo revolucionário é sempre uma elite criminosa, que faz do crime instrumento para a tomada do poder. Normalmente o homem comum pratica os valores conservadores tradicionais e, “caindo em erro”, tem à sua espera o sistema judicial. Com a elite, ela própria moldando o processo judicial e policial, a coisa corre diferente. É a corrupção da própria lei e do aparato judicial. O caso do governador José Roberto Arruda, analisado na entrevista, não pode ser percebido sem ter esse pano de fundo geral de caráter revolucionário. O que é uma prática tradicional do regime patrimonialista foi usado pelos revolucionários para a destruição dos políticos envolvidos. Os homens que controlam a Justiça e a Polícia Federal são corruptos muitos maiores, que usam de seu poder de Estado, dos valores dos bons costumes ainda reconhecidos como desculpa e da sofisticação técnica de espionagem apenas para alcançar o poder. Nada mais, nenhum compromisso com as virtudes. Não se dar conta de que essa natureza de corrupção é mais séria e mais grave – e ainda mais perigosa – do que a corrupção do estilo praticado por José Roberto Arruda é cegueira atroz.

Nem poderia ser diferente, pois a autora se baseia em referencial teórico aparentado com aquele usado pelos revolucionários: “A criminalidade é uma patologia social que tem origem, de certa forma, nas desigualdades da nossa sociedade. A psicologia clássica descreve a relação do criminoso com o espaço público exatamente como eu estava descrevendo a relação do político que rouba com a esfera pública: ausência de investimento no coletivo, no social. A dinâmica do psicopata é de não sentir culpa, não se sentir responsável. E essa dinâmica é muito semelhante à da corrupção na esfera política.

O mantra da desigualdade, o mantra mentiroso que vem desde Rousseau, está na boca da psicóloga. Ela não poderia compreender o que se passa sem se afastar do genebrino. É ela também escrava do coletivismo, como o são os revolucionários petistas. Ela não dispõe de meios teóricos capazes para descrever a realidade que se propôs a comentar. Por isso não tem respostas, tateia e falseia os fatos. Escapar do discurso coletivista é o primeiro passo para apreender o real. A origem da patologia social é precisamente o mergulho na Segunda Realidade revolucionária, na qual a própria psicóloga está imersa. Não tem como enxergar o real.

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