Rodrigo Lacroix
Construir discursos abstratos, fantasias descoladas da realidade, ainda que perfeitamente coerentes, não tem o menor sentido. Desta forma, imaginar quais seriam as razões que levaram à ilegalidade algumas drogas como o ópio, a cocaína, a maconha, etc., carece de qualquer relevância e serviria apenas para confundir mais a cabeça.
Temos que analisar a realidade o mais honestamente possível, buscando nela o embasamento de nossas opiniões e conduta. Afinal, não é a realidade que tem de se adaptar ao nosso discurso, mas o contrário. Assim, na questão das drogas como a cocaína, por exemplo, deveríamos avaliar o que o seu uso proporciona à vida das pessoas que as utilizam. Qual o bem, pergunto, que advém da sua utilização? O que testemunhamos são vidas destruídas, arruinadas, repletas de sofrimento e dor. É notório que os viciados, impelidos pela intensidade de um prazer fugaz, tendem a desconsiderar o ambiente em torno e, obcecados por uma fantasia prazerosa, acabam por construir uma vida em que a droga se torna o centro dela. Vejam que os exemplos são incontáveis, e os desastres, tenebrosos. Vide a mãe aqui de Porto Alegre que matou o próprio filho que, desesperado por dinheiro para sustentar o seu vício, levou essa infeliz mulher ao extremo. O cigarro nunca produziu tal coisa, e qualquer pessoa medianamente normal asseguraria que preferiria mil vezes conviver com um fumante do que com um viciado em crack! Minha mãe fumou durante anos. Teria sido a mesma mãe amorosa que foi se estivesse viciada em cocaína, em crack ou heroína? Vejam que isto não é uma explicação, é um pedido à reflexão!
Uma opinião muito em voga diz que “é uma questão de livre escolha e o sujeito que cometer crime deve ser punido. Mas usar drogas em si é o que se chama "crime sem vítima", portanto, não é crime no sentido de que deva haver punição legal. Neste caso, a deliberação deveria ser dos donos dos espaços. Um clube, por exemplo, teria a autonomia de permitir ou não o uso de maconha ou cocaína em suas dependências. Outros poderiam proibir, sem que isso implicasse reivindicação de quem quer que seja para que se liberasse, a não ser que os clientes assim o quisessem e o proprietário estivesse disposto a atender essa clientela”.
Com relação aos direitos individuais, à liberdade e à proteção do indivíduo contra o Estado, não podemos desenvolver um discurso reducionista. Os princípios que norteiam a liberdade de mercado não podem ser transpostos a todo o leque dos comportamentos humanos. Isto é um erro notório dos libertários. O livre mercado funciona bem porque é moralmente correto. A propriedade privada está ligada a um princípio de justiça que estabelece a cada um o que lhe é devido. A liberdade de transação e empreendimento produz riqueza porque está baseada nos princípios lógicos da ação humana. A propriedade em si ou a ação humana por si, não são princípios, mas decorrem deles. Assim, os problemas devem ser analisados à luz da Justiça e da Verdade e nunca da propriedade e liberdade econômica ou política. Em uma guerra, os direitos políticos devem muitas vezes ser legitimamente suspensos, enquanto outras vezes é moralmente correto levantar embargos econômicos, ainda que financeiramente ruins.
Uma comunidade pequena, com valores comuns, onde as pessoas possuam raízes e uma simbologia que forneça chaves interpretativas adequadas da realidade, pode fazer perfeito sentido não proibir as drogas. Os costumes, pela sua própria penetração social, podem ser um freio formidável à sua disseminação e à conseqüente destruição da vida comunitária. Nas modernas sociedades de massa, no entanto, legalizar as drogas equivale a sancionar o seu uso, a legitimá-lo. O Estado moderno se tornou um pólo que magnetiza as atenções e expectativas dos indivíduos. O poder que a burocracia e a mídia desfrutam é imenso, o que faz com que as medidas legais tenham um impacto extremamente forte no comportamento humano. Num meio constituído de pessoas atomizadas, que carecem de valores comuns, legitimar a utilização de fármacos cujo único objetivo seja o embotamento da consciência, carece de qualquer razão. Equivaleria a endossar a fragmentação da consciência e ensejar a aniquilação da sociedade. Alegar para tal, o desejo de ver a realidade adequada a um princípio iluminista abstrato de liberdade é quase um delírio. Aqui, novamente, o conceito de liberdade não é um princípio, mas a exteriorização de um desejo, a saber, o de usar o poder do Estado para permitir a todos os indivíduos fazer o que lhes aprouver. Isto nada tem a ver com o real conceito de liberdade que está indelevelmente ligado à virtude e ao aperfeiçoamento humano. Ao contrário, a idéia de liberdade moderna, ao se contrapor à liberdade dos antigos (como diria Leo Strauss), foi um grande fator desestabilizador da vida em sociedade. A criminalidade endêmica, o totalitarismo e a intervenção inacreditavelmente grande e onipresente dos governos no mercado seriam impensáveis sem ela. A Constituição dos EEUU vigorou por tanto tempo e permitiu tanta liberdade, justamente por possuir um caráter conservador.
Ademais, a proibição das drogas não existe para prevenir possíveis problemas futuros, hipotéticos distúrbios que os drogados poderiam produzir. Ela vigora para reduzir a já terrível calamidade que elas causam. Como o próprio defensor da legalização das drogas, Milton Friedman, alertava, esta iria fatalmente aumentar a demanda pela provável queda do preço. E vejam que a proibição nada tem a ver com a proteção à saúde dos viciados. Busca salvaguardar a sanidade social. Um fumante com os dias contados devido à presença de um carcinoma pulmonar (que nem se sabe se o cigarro teve algum envolvimento) pode manter uma dignidade e capacidade intelectiva que a degradação de um vício em crack, por exemplo, jamais permitiria.
E por fim, qual o ganho de liberdade que a servidão a um vício tão desprezível poderia produzir?
O autor é Cirurgião-Dentista e aluno do Curso de Filosofia do Prof. Olavo de Carvalho.
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