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quinta-feira, 30 de julho de 2009

A TENTATIVA DE ENQUADRAR A IMPRENSA E DE SILENCIAR OS REPÓRTERES. QUE ELES RESISTAM A UM CERCO INÉDITO EM PERÍODO DEMOCRÁTICO

Fonte: BLOG DO REINALDO AZEVEDO
terça-feira, 28 de julho de 2009

Queridos,

Segue um texto longo, longo mesmo. Mas peço que vocês leiam porque se trata da exposição de um método. Demonstro o modo como o oficialismo está tentando calar a imprensa. Com ele, também presto uma homenagem aos repórteres que honram a sua profissão.
*
Há um movimento organizado para desacreditar o jornalismo e intimidar os jornalistas, especialmente os repórteres. Não se trata de nenhuma teoria conspiratória, com personagens secretas a se mover nas sombras. Eu nunca lido com isso. Meus “fantasmas” sempre são de carne e osso. O comandante da operação é até bem conhecido. Chama-se Franklin Martins, ministro da Comunicação Social e responsável último tanto pela área de comunicação propriamente dita como pela distribuição da verba publicitária do governo e de estatais. A manifestação mais visível e virulenta dessa ação é o tal blog da Petrobras. Ele é o melhor exemplo do que pode ser descrito como um método.

Blogueiros a serviço do oficialismo se encarregam, depois, de tentar difamar na rede os veículos da grande imprensa. Muitos deles já passaram por jornais, TVs ou revistas importantes e usam esse passado como prova de autoridade. Seus eventuais leitores se esquecem de perguntar por que, afinal de contas, foram banidos da imprensa de primeira linha e terminam seus dias exercendo este triste papel. Mas não quero me deter nisso agora. Volto à questão do método, não sem antes fazer uma advertência.

Chegou a hora de a chamada grande imprensa se dar conta desse movimento de desmoralização e reagir. Até porque é evidente que as chances de o atual grupo que governa continuar no poder não são pequenas. Mais oito anos na mesma toada, e será abolida a saudável vigilância do poder exercida pela imprensa em qualquer país democrático do mundo. Nesta segunda-feira, uma reportagem pôde ser tomada como estudo de caso. Professores de jornalismo, se ainda os há, deveriam levá-lo para a sala de aula — os que não forem de esquerda, claro, se os houver. Adiante.

A Folha publicou ontem uma reportagem de Fernando Barros de Mello, um jovem repórter muito cuidadoso e cioso dos bons procedimentos da profissão. Leiam a íntegra do que foi publicado. É importante ir até o fim. Reparem quantas são as estranhezas nas quais vocês tropeçam. Volto depois.

A Petrobras pagou, de 2003 a junho deste ano, R$ 203,1 milhões a um grupo de empresas de terceirização de mão de obra de Santo André (Grande ABC) que já utilizou laranjas e tem uma dívida milionária cobrada pela União, entre débitos tributários e previdenciários.

As empresas possuem o mesmo nome -Protemp-, têm fundadores ou sócios em comum, apresentam o mesmo endereço e estão abrigadas no mesmo site da internet.

A própria Petrobras enviou à Folha, em um primeiro momento, os valores como se fossem repassados a uma só empresa. Só depois confirmou que eram três diferentes CNPJs.

Dos 27 contratos com a Petrobras desde 2005, 11 foram por dispensa de licitação e 16 pelo sistema de convite, em que a estatal escolhe as empresas que apresentam propostas.

Segundo a Petrobras, a Protemp é responsável por funcionários que fazem de análise de dados meteorológicos ou fiscalização de topografia até serviços de limpeza e comunicação. A empresa diz não ter contratos com outros órgãos públicos.

Dois CNPJs que receberam verbas da Petrobras estão na Lista de Dívida Ativa da União desde fevereiro de 2009 e não podem obter Certidão Negativa de Débitos, o que impede a contratação. Quem está na lista, diz a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, “não está parcelando, não tem uma decisão judicial favorável (mesmo que liminarmente) e nem efetuou um depósito como forma de garantia, antes de discutir a validade ou não do tributo”.

A reportagem apurou que o primeiro débito previdenciário surgiu em 1999. Hoje, a União cobra dívida de R$ 16,99 milhões. A Protemp diz que os contratos foram feitos porque a empresa questiona débitos na Justiça e está parcelando a dívida. A Petrobras afirma que até o último contrato, de outubro de 2008, toda a documentação estava em ordem.

O grupo Protemp já prestava serviços à Petrobras antes de 2003, mas em volume menor: R$ 19,9 milhões entre 1995 e 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso -crescimento de 920,3% em relação ao período da gestão Lula.

Laranjas
As empresas com o nome Protemp pertencem, já pertenceram ou foram fundadas pela empresária Sueli do Espírito Santo, sócia majoritária na Protemp SG Prestação de Serviços, aberta em 1998 em nome de Walter Fabri. À Folha Fabri, que trabalha na empresa até hoje, disse que nunca foi sócio. “Sempre fui funcionário.”

O endereço da sede foi alterado de uma sala em Santana do Parnaíba para o centro de Santo André em 2004. Em 2006, foi aberta a filial do Rio, a cem metros da sede Petrobras.

Na internet, a Protemp diz ter sido fundada em 1987. Na verdade, essa era a Protemp Serviços Empresariais, outra da lista de devedores e que recebeu verbas da Petrobras.

Criada por Sueli do Espírito Santo e Agostinho João Pinheiro (já morto), ela esteve em nome de duas moradoras da periferia de Santo André. Uma delas, Deolinda Malentachi (que também foi sócia de outra Protemp), morreu em novembro de 2007. Ela tinha uma participação majoritária na empresa, de R$ 296 mil. Mas não deixou bens. A documentação mostra que Deolinda deixou o negócio três dias antes de sua morte.

Já a Protemp Consultoria em RH está hoje em nome de ao menos uma laranja. Essa empresa, no entanto, não recebeu da Petrobras.

A Folha localizou, na periferia de Santo André, a aposentada Maria Aparecida da Costa, que aparece como sócia da Protemp Consultoria, mas diz ter sido colocada em uma confusão depois que ela perdeu seus documentos. “Pediram para eu assinar uns papéis”, afirmou.

Maria Aparecida afirmou que, agora, segue orientações de um advogado, que, segundo ela, a procurou há alguns meses. O advogado é Saulo de Lima, de Blumenau (SC). Ex-juiz, foi secretário na gestão do petista Dario Lima e defende o ex-prefeito em outro caso.

Voltei
Barros de Mello fez tudo certo. Ouviu as empresas, inclusive a Petrobras, consultou o cadastro de devedores, procurou os laranjas e falou com eles, evidenciou os procedimentos heterodoxos desses empreendedores. Tudo conforme tem de ser. E quem foi que entrou, então, na arena? O Blog da Petrobras — com os seus satélites fazendo o serviço sujo para tentar desqualificar jornal e jornalista. Publica o blog, sem economizar palavras:

Manchete da Folha está errada
Na matéria “Devedora da União recebe R$ 203 mi da Petrobras” (27/7, pág. A4), a Folha de São Paulo constrói uma tese, a partir de sua manchete, de que a Petrobras fez contratos com empresas devedoras da União. Na verdade, a Petrobras só tem relação comercial atualmente com a Protemp SG Prestação de Serviços, cujo último contrato foi assinado em outubro de 2008, mediante apresentação de todos os documentos exigidos pela legislação vigente.

Vamos ver…
Pra começo de conversa, a Folha de S. Paulo não construiu tese nenhuma. Cadê a tese? Desafio alguém da Petrobras a demonstrá-la. Reportou um fato. A Petrobras pagou mais de R$ 200 milhões a três CNPJs diferentes, todos de empresas com nome Protemp, e duas delas estão na lista de devedores da União. E estão!!! Mas atenção para isto: “Na verdade, a Petrobras só tem relação comercial atualmentecom a Protemp SG Prestação de Serviços, cujo último contrato foi assinado em outubro de 2008, mediante apresentação de todos os documentos exigidos pela legislação vigente.”

Ah, bom!!! Ter relações “atualmente” com apenas uma das três esquisitíssimas Protemps não anula as relações passadas com as outras. Ou anula? Os mais de R$ 200 milhões pagos, está claro, referem-se ao período de 2003 a esta data e dizem respeito a todas as empresas. Mas olhem que isso, na minha opinião, nem é o mais importante, embora estatais e governos não possam fazer negócios com devedores da União. A dívida é apenas um dos aspectos da reportagem da Folha. E os outros?

É razoável fazer negócios com empresas que têm tal histórico? Voltem lá ao subtítulo “laranjas”. Vejam como foram constituídas essas empresas. Olhem que maravilha:

“A Folha localizou, na periferia de Santo André, a aposentada Maria Aparecida da Costa, que aparece como sócia da Protemp Consultoria, mas diz ter sido colocada em uma confusão depois que ela perdeu seus documentos. “Pediram para eu assinar uns papéis”, afirmou.

Maria Aparecida afirmou que, agora, segue orientações de um advogado, que, segundo ela, a procurou há alguns meses. O advogado é Saulo de Lima, de Blumenau (SC). Ex-juiz, foi secretário na gestão do petista Dario Lima e defende o ex-prefeito em outro caso.”

Alguém precisa de mais explicações?

O método
Em que consiste o método de intimidação da reportagem? Em ignorar os problemas para os quais não há resposta e em submeter um aspecto ou outro do texto a torções, respondendo àquilo que não foi escrito. Recuperemos mais duas linhas da reposta da Petrobras: “O último contrato foi assinado em outubro de 2008, mediante apresentação de todos os documentos exigidos pela legislação vigente.” O “último” contrato está de acordo com a legislação vigente? E os outros? Barros de Mello, por acaso, referiu-se, em sua reportagem, ao “último contrato”? Mas a mágica do Blog da Petrobras para esconder débitos com a União vem agora.

A mágica
Leiam com atenção este outro trecho da resposta que está no Blog da Petrobras:

A Protemp SG Prestação de Serviços Limitada reiterou hoje, por meio de carta encaminhada à Petrobras, que não tem débito de nenhuma natureza, seja fiscal, previdenciário, com fornecedores ou empregados.

Notaram? Esse é o caso da Protemp SG Prestação de Serviços Limitada. Não se está falando das outras duas Protemps — NÃO POR ACASO, AQUELAS APONTADAS NA REPORTAGEM DA FOLHA. Elas vêm agora:

Durante a vigência dos contratos anteriores com as empresas Protemp SG Mão de Obra Temporária Ltda. e Protemp Sertviços Empresariais Ltda. também não existiam débitos junto ao INSS e FGTS e as certidões negativas foram apresentadas. Portanto, a Petrobras não celebra contratos com empresas devedoras da União.

Viram? Os débitos “não existiam durante a vigência dos contratos”, o que quer dizer que agora existem — como negar o que está na lista oficial? Então vamos ver se nós entendemos direito a situação. Há três Protemps. As três fazem praticamente a mesma coisa e têm uma mesma dona — depois de alguns “laranjas” terem passado por lá. Como duas das Protemps passaram a ter dívidas com a União (e não foi por falta de grana da Petrobras, né?), então há uma terceira Protemp, esta sem dívida. Entenderam ou preciso desenhar? Se esta vier a ter dívida também, faz-se uma quarta Protemp. Não será por falta de Protemp que essa gente vai ficar sem milhão.

E, assim, a Petrobras conclui, somando dois mais dois e encontrando cinco: “Portanto, a Petrobras não celebra contratos com empresas devedoras da União.” ERRADO! Celebra, sim. Celebrou com uma das Protemps, fazendo de conta que as outras, com as quais já havia trabalhado, não existiam.

Na Folha de hoje, há mais informações sobre a Protemp. Ela conta com 336 funcionários atuando na Petrobras, 183 deles só na área de comunicação. Mas a empresa não tem preconceitos. A exemplo das organizações de R. A. Brandão, é polivalente: atua também na área de limpeza, meteorologia e serviços médicos… Se a R. A. Brandão concorria com as Organizações Capivara, do Seu Creysson, esta deixa as Organizações Tabajara no chinelo.

Ah, sim: quase me esqueço de deixar uma vez mais registrado. Um dos funcionários que a Protemp tem na Petrobras é o ex-chefe do Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo e um dos mais próximos seguranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em campanhas políticas. Seu nome é José Carlos Espinoza, um dos aloprados do escândalo do dossiê. Ele está na área de comunicação, e sua função é fazer a interlocução com os movimentos sociais. Mais um pouco, vão contratar Freud Godoy para a área de psicologia.

Concluindo
O que a Petrobras fez com o texto de Fernando Barros de Mello, chamando de erro uma apuração impecável e submetendo a linguagem a pequenas malandragens para esconder a verdade nas suas dobras, tornou-se uma constante da área de comunicação do governo. Os tontons-maCUTs da Internet se encarregam do resto.

Essa prática tem de ser denunciada. É nefasta para o jornalismo, especialmente se as próprias redações começarem a duvidar da apuração de seus repórteres. Intimidados, estes tenderão a se limitar ao despacho burocrático para que seus respectivos nomes não passem a freqüentar o lixão da Internet.

Que os repórteres resistam; que não cedam à tropa de choque do oficialismo e aos prestadores de serviço a soldo. A reportagem de Fernando Barros de Mello segue intacta, e o Blog da Petrobras, em vez de contestá-la, endossou-a de forma vexaminosa para ela e virtuosa para ele.

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