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sexta-feira, 17 de julho de 2009

HONDURAS: ERROS TÁTICOS COMPROMETEM A ESTRATÉGIA CONTINENTAL NEOCOMUNISTA

Fonte: SACRALIDADE

André F. Falleiro Garcia *

Já se passaram mais de 15 dias desde os acontecimentos que provocaram a queda de Manuel Zelaya. O tempo decorrido permite melhor avaliação do desempenho das forças que entraram em choque e seus respectivos ganhos ou perdas. Esta análise focalizará, depois de breve exposição dos fatos, os erros táticos cometidos pelas esquerdas no caso hondurenho e o conseqüente comprometimento da estratégia continental neocomunista.

Os fatos


Enviado de pijama para a Costa Rica, Zelaya foi consolado por Raúl Castro e Hugo Chávez

A investida bolivariana pareceu imensa onda de tsunami que investiu contra minúscula nação. O vagalhão foi engrossado por poderosas forças políticas, econômicas e midiáticas de âmbito internacional ou mundial — como a ONU, o Banco Mundial, a OEA, o presidente Barack Hussein Obama, as nações européias que retiraram seus embaixadores, as nações sul-americanas inclusive Colômbia e Peru, a agência de notícias norte-americana AP, e outras mais — que prestigiaram o presidente deposto.

Tão logo Manuel Zelaya foi enviado de pijama para o exterior, a onda se formou e arremeteu. Contra ela às pressas foi erguido um dique. Surpresa e admiração surgiram, quando se verificou que a barreira suportou a primeira grande investida. A firmeza e o alto espírito cívico dos militares hondurenhos, que demonstraram eficiência na defesa das instituições nacionais e desinteresse quanto à tentação de se instalar no poder, serve de lição para a atonia de muitos outros colegas ibero-americanos.

Duas manifestações do episcopado hondurenho pesaram nos acontecimentos. Primeiro, o Bispo-Auxiliar de Tegucigalpa, Dom Darwin Andino, em relação às intenções de Zelaya declarou: “não posso permitir que digam que, como bispo, eu apóio algo ilegal”. Depois, o Cardeal-Arcebispo Oscar Andrés Rodríguez apareceu na televisão e no rádio para pedir que Zelaya não retorne ao país, e advertiu-o de que “um regresso ao país neste momento poderia provocar um banho de sangue”. Ademais, também deu seu apoio às novas autoridades e assegurou que “todos os poderes do Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário, são legais e em vigor legal e democrático, de acordo com a Constituição”. Por fim, o prelado advertiu Chávez: “que se dedique a governar seu país e não intervenha na situação interna de Honduras”. Tais declarações marcaram mais os acontecimentos do que o documento emanado da Conferência Episcopal, denominado “Edificar desde la crisis”, de conciliação e diálogo com o setor da Igreja engajado com a Teologia da Libertação; ademais, como afirmou o próprio Cardeal, foi resultado consensual em relação ao núncio apostólico em Honduras.

Pronunciaram-se a favor da legalidade do novo governo o Legislativo e o Judiciário. A primeira brecha que abriu no dique foi rapidamente fechada. De fato, o presidente da Corte Suprema de Justiça, Jorge Alberto Rivera, anunciou a possibilidade de ser concedida anistia ao presidente deposto pelos 18 crimes de que é acusado pelo Ministério Público. Mas logo em seguida o vice-presidente do Legislativo, Ramón Velásquez Nassar declarou que o Congresso hondurenho não considera no momento essa possibilidade. O deputado acrescentou que a saída de Zelaya do poder “é coisa julgada, página virada, a frase repetida é: aqui ninguém se rende”. Sem embargo, a anistia é um dos temas das negociações que estão em curso na Costa Rica.

Imprudente declaração fez o chanceler hondurenho, Enrique Ortez Colindres, quando disse que Obama era um “negrinho” que não sabia de nada (Ese negrito que no sabe nada de nada). Depois o chanceler pediu desculpas e renunciou ao cargo. Ocupa agora a chefia do Ministério do Interior no governo interino.


Roberto Micheletti, presidente interino: substituição constitucional permitida pelas leis em vigor

Roberto Micheletti ao viajar para as negociações na Costa Rica, mediadas pelo seu presidente Oscar Rias, Prêmio Nobel da Paz, afirmou que não iria “negociar nada”, mas apenas “dialogar”, não sendo negociável “o retorno do ex-presidente Manuel Zelaya ao cargo”. Não se apresentou às negociações como sendo o pólo mole disposto à capitulação. Micheletti e Zelaya foram atendidos por Oscar Rias em separado, tal a incompatibilidade entre ambos.

A primeira rodada das negociações na Costa Rica já se encerrou. Chávez dela não participou pessoalmente, mas previamente manifestou sua exigência: “Não aceito outra solução que não seja a restituição de Zelaya ao poder”. Horas antes de seu início, Zelaya insultou Micheletti, dizendo que negociar com ele é como ser convidado a dialogar “com um criminoso que violentou sua família”. Chamou-o de “gorila” e acusou-o de assassinatos e crimes contra os direitos humanos, conforme divulgou a rede norte-americana CNN. Ao término do encontro, Chávez jogou a culpa na Secretária de Estado norte-americana pelo insucesso das negociações: “Creio que o presidente Zelaya e sua equipe demonstraram o erro crasso cometido pela secretária de Estado Hillary Clinton ao propor um diálogo”.

Em síntese, o pequeno dique quebrou o vagalhão. Mostrou ao mundo que as limitações territoriais e econômicas de Honduras não impediram David de enfrentar e vencer a investida de Golias.

Os erros táticos dos bolivarianos e seus "companheiros de viagem" que comprometem a estratégia neocomunista

O primeiro erro foi o abandono da tática de avanço do socialismo bolivariano pelas vias democráticas. Pois, até então, ao país a ser conquistado era apresentado um idealista, com perfil antiamericano, que se tornava o centro da atenção nacional. Após ganhar a eleição presidencial com farta ajuda dos petrodólares e urnas venezuelanas, mudava a Constituição e introduzia uma cláusula que permitia sua ilimitada reeleição. Depois adiantava as próximas eleições. Reeleito, usava de pretextos para encarcerar a oposição e fechar os meios de comunicação da oposição. Assumia a seguir poderes absolutos. Foi o que se deu na Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua [1]. Quando esse processo encontrou firme resistência em Honduras, Chávez e seus colegas viraram a mesa e violaram as regras democráticas, fizeram ameaças de invasão militar, realizaram a intromissão na vida interna hondurenha, fizeram agressões verbais indignas etc.


O Senhor da Guerra

De fato, o intento bolivariano — de prevalecer pela ameaça do uso da força, da violação das leis e do radicalismo, em detrimento da razão, da manutenção das regras do processo democrático e da negociação — ficou patente na tentativa de entrada de Zelaya através do aeroporto de Tegucigalpa e nas negociações na Costa Rica. Seu retorno foi concebido como uma espécie de operação militar: violação do espaço aéreo hondurenho, tentativa de aterrissagem no aeroporto sem autorização da torre de controle, tomada à força do aeroporto pelas massas insufladas por Zelaya desde seu avião, seguida de ataque aos edifícios públicos e derrubada do governo interino. Chávez acompanhou pelo canal Telesur o vôo e os contatos entre aeronave e torre de controle do aeroporto. Além disso, manteve contato prévio com os líderes da movimentação popular. Mas não conseguiu o que queria.[2]

A encomenda de um banho de sangue que trouxesse supostos mártires ficou frustrada pela atuação exemplar da polícia e do exército hondurenhos, que conseguiram conter a massa e evitar o pouso do avião venezuelano que conduzia Zelaya. Foi grosseiro erro tático desprezar o envio de missão pacificadora, com a presença de mediador vaticano (como aventamos no artigo Honduras e o Sangue de Cristo), e de negociadores comprometidos como Jimmy Carter e outros da mesma linha.

O segundo erro foi o borrão na figura de Lula da Silva, presidente brasileiro, suposto “líder moderado” da região. Suas declarações na crise hondurenha foram unilaterais e intransigentes na defesa de Zelaya. Ao mesmo tempo em que defendia como democrático o regime deposto, entretinha-se no exterior com ditadores de notório comprometimento terrorista. Lula revelou inteiro alinhamento e completa dependência com relação à postura de Chávez e dos tiranos cubanos. A política de Obama para a América Latina considerava Lula da Silva como principal parceiro, capaz de representar um contrapeso aos excessos ou aventuras do grupo bolivariano reunido na ALBA. A atitude de Lula e de seus porta-vozes de política internacional passou recibo de comprometimento com a agenda bolivariana do “socialismo do século XXI” e desacreditou a política norte-americana.

O terceiro erro foi o açodamento com que Obama e a Secretaria de Estado aderiram ao show midiático, saíram a público para defender o presidente deposto e condenaram a sucessão presidencial. A inconsistência e incoerência da atitude oficial foram apontadas nos Estados Unidos em debates parlamentares posteriores. Resultou quebrada ali a aparente unanimidade que na primeira hora tanto favoreceu o títere hondurenho. Tornou-se incômoda para a Secretaria de Estado a manutenção do apoio a Zelaya, por implicar num claro comprometimento e adesão à agenda de Hugo Chávez e Raúl Castro, notórios adversários da democracia nas Américas. Deu-se então uma correção de rumo na Secretaria de Estado, que provocou um paulatino distanciamento de Zelaya e Chávez, medida necessária para preservar a independência e o compromisso democrático da política norte-americana. Com efeito, há anos a Secretaria de Estado pratica a equivocada política de prestigiar as esquerdas "democráticas" como contrapeso às "radicais" (não deveria favorecer nenhuma delas) e, no caso em tela, o apoio ao títere chavista se revelou uma incongruência.

Assim, a postura oficial estadunidense, que no início emprestou força para a causa de Zelaya, depois se converteu em irremediável fator de sua derrota, feita a correção de rumo. Declarações de congressistas norte-americanos, apresentadas a seguir, também contribuíram para essa reviravolta.


O Departamento de Estado e certos políticos como Eliot Engel prestigiam a esquerda "democrática" continental.

Em reunião da Subcomissão para o Hemisfério Ocidental no Congresso norte-americano, seu presidente, Eliot Engel, afirmou que lhe pareceu drástico o procedimento adotado pela OEA para afastamento de Honduras, pois “eliminada a suspensão de Cuba, foi anunciada a suspensão de Honduras, o que enviou para a região mensagem totalmente desarticulada”.

Michael Shifter, do Diálogo Interamericano, recordou que durante a gestação da crise a OEA sequer enviou missão para Honduras, mas depois emitiu um ultimato. Ao invés de buscar acalmar as tensões e iniciar o diálogo, adotou precipitadamente posição de enfrentamento. Connie Mack, republicano da Flórida, pediu explicitamente que fossem cortados os fundos norte-americanos para a OEA, que representam mais de 60% de seu orçamento, considerando-a uma “perigosa organização” que se colocou ao lado do populismo de Hugo Chávez para solapar a democracia no hemisfério.

“O que ocorreu em Honduras não foi um golpe militar”, disse Gregory Meeks na Subcomissão, que acrescentou: “Se se tem que buscar um culpado, é o próprio senhor Zelaya, que deu as costas ao seu povo e sua própria Constituição”. Por sua vez, Michael McCaul, do Texas, afirmou que as cédulas de votação do referendo foram impressas na Venezuela, e que Chávez forneceu até avião para Zelaya tentar voltar para Honduras. Para McCaul, “lá não houve um golpe de Estado, mas a derrota do golpe da esquerda, encabeçada por um líder corrupto envolvido no narcotráfico e que queria se apegar de maneira antidemocrática ao poder”.


Senador Tom Coburn

O senador Tom Coburn, republicano de Oklahoma, disse temer que os Estados Unidos se encontrem no lado equivocado da liberdade: “Nosso Departamento de Estado está se colocando ao lado de Hugo Chávez e Raúl Castro. Hoje estamos apoiando um presidente anticonstitucional em Honduras, quando na realidade o Congresso e a Corte Suprema de Honduras dizem que ele está violando as leis”. Coburn afirmou: “Muitos não sabem que cerca de oitocentos a mil venezuelanos entraram em Honduras, com passaportes hondurenhos, para criar o caos. E agora estamos — os Estados Unidos da liberdade — colocando-nos do lado daqueles que não querem que os hondurenhos tenham liberdade. Estamos criando outro ditador, na América Central”. Coburn disse ainda: “Creio que estamos indo pelo lado errado, estamos fazendo com que Honduras seja um outro joguete de Hugo Chávez. E outra coisa que não se menciona, é que o presidente de Honduras estava totalmente envolvido com o narcotráfico, e que o dinheiro que conseguia com isso era para apoiar sua busca incessante de poder permanente”. [3]

Otto Reich, ex-Secretário de Estado para o Hemisfério Ocidental durante o governo de George W. Bush, disse que tanto Chávez como a OEA tinham “duas caras”: a OEA não se pronunciou sobre as violações de direitos humanos em Cuba e Venezuela, nem sobre as ações de Chávez contra a liberdade de expressão por haver fechado 240 estações de rádio que lhe faziam oposição.

Numa audiência no Senado para discutir sua nomeação para o cargo de secretário-assistente de Estado para a América Latina, Arturo Valenzuela afirmou que a Venezuela “provavelmente” teve “influência significativa” nos eventos que levaram à queda de Zelaya, e que Zelaya “não seguiu os princípios constitucionais” ao tentar estender seu mandato além do previsto pelas leis do país. Na mesma ocasião, o senador republicano da Carolina do Sul, Jim DeMint disse que Zelaya “estava trabalhando com Chávez e outros para mudar a Constituição” e considerou “inexplicável” a decisão do governo americano de apoiá-lo.

Perspectivas


Insulza acumula insucessos

Ficou esvaziada a OEA enquanto elemento galvanizador de uma intervenção direta das nações americanas no caso hondurenho. E Hillary Clinton comunicou para Michelle Bachelet que os Estados Unidos não apóiam a reeleição de Insulza na OEA. A notícia, que havia sido transmitida pelo jornal El Mercúriocom base em informações fornecidas por “altos personagens” do Chile e Estados Unidos, foi depois desmentida pela presidente socialista chilena. Por sua vez, o Departamento de Estado declarou que o governo “não comenta publicamente suas deliberações internas sobre candidaturas a cargos nos organismos internacionais”.[4] Insulza havia amargado recente derrota: não conseguiu se apresentar como candidato do Partido Socialista à presidência chilena. Com prestígio abalado por causa do caso cubano seguido da crise hondurenha, sua eventual permanência só aumentará a crise de credibilidade em que está mergulhado esse organismo.

Hugo Chávez pediu em 10 de julho que Obama reconsidere o “erro gravíssimo” da Secretária de Estado, de promover as negociações na Costa Rica. E acrescentou que “não tem certeza” se Obama foi consultado por Hillary sobre esse diálogo que considera “abortado e sepultado”. “Foi um erro grave do governo de Obama. É uma armadilha para a democracia e abre as portas para um perigoso precedente”, afirmou. São críticas ácidas que sepultam a curta lua de mel que manteve com Obama e Hillary. Chávez, que não se mostrou bom jogador, virou a mesa ao final do jogo ao demonstrar que só admite ganhar e não sabe perder. Aliás, foi o maior perdedor em todo o caso hondurenho.

Manuel Zelaya terá pela frente outra rodada de negociações na Costa Rica, previamente consideradas sepultadas pelo seu parceiro. O melhor que delas pode esperar é um abrandamento em sua situação de refugiado político com pedido de prisão pela Interpol. Uma anistia dos delitos políticos e inclusive penais lhe seria benéfica para seu retorno à vida política dentro de alguns anos. Tem contas a prestar à justiça de seu país. Sem o apoio da administração Obama, tem pouco ou nada a oferecer nessas negociações. Retornar agora – para sublevar as massas, provocar guerra civil e derramamento de sangue – só agravaria sua situação pessoal. Ainda que para isso contasse com o apoio de seus colegas chavistas, traria maior desgaste para a revolução bolivariana. O decurso do tempo, por causa da proximidade do período eleitoral, joga irremediavelmente contra ele. Zelaya é um perdedor que ainda tentará minimizar os efeitos de sua derrota.

O governo interino tem os louros da vitória, que será canalizada nas próximas eleições, ao que tudo indica, para o Partido Liberal. No plano político, restará à revolução neocomunista maquinar o surgimento de algum Kerensky hondurenho, que no futuro abra caminho para o retorno de Zelaya ao poder.

A contabilidade da agenda bolivariana registra três déficits políticos recentes: a derrota da candidata chavista, Balbina Herrera, frente ao empresário Ricardo Martinelli, nas recentes eleições presidenciais do Panamá realizadas em 03/05/09; a derrota do casal Kirchner nas eleições legislativas argentinas em 28/06/09; e no mesmo dia 28, a queda do governo Zelaya em Honduras. Os fracassos do vagalhão bolivariano incentivam outras nações a resistirem!

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NOTAS:

[1] Cf. Andrés Oppenheimer, "El Club de los presidentes autoritarios".

[2] Ver o artigo:

[3] Para ouvir o discurso em inglês, acessar este link. Para a legenda em espanhol, buscar o vídeo "Coburn defiende leyes en Honduras".

[4] Estados Unidos no comenta públicamente sus deliberaciones internas sobre candidaturas

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