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terça-feira, 21 de abril de 2009

Até quando Celso Daniel ficará insepulto?

ESTADÃO
Sexta-Feira, 17 de Abril de 2009 

Bruno José Daniel Filho

Ontem, dia 16 de abril, Celso Daniel, meu irmão, teria completado 58 anos de vida. Como todos sabem, ele foi sequestrado, torturado e assassinado há mais de sete anos, quando era prefeito de Santo André e coordenava a elaboração do programa de governo do então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Sérgio Gomes da Silva, que o acompanhava no momento do sequestro, foi denunciado pelo Ministério Público (MP) como mandante desse crime. Foi preso por um pequeno período, mas responde em liberdade, após ter obtido habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), sob a alegação de que não representa perigo para a sociedade.

Apesar de todas as evidências colhidas pelo MP, que mostraram que o crime foi planejado e que há pelo menos um mandante, o Poder Judiciário ainda nem sequer decidiu se o julgamento deve ir a júri popular, porque, segundo informações que obtivemos do MP, a última das testemunhas arroladas pela defesa de Sombra (conforme Sérgio é chamado pela imprensa e era conhecido nos meios petistas) ainda não foi ouvida, pois nunca é encontrada.

Inúmeros outros assassinatos que ganharam amplo espaço na imprensa já foram resolvidos ou a Justiça já se posicionou quanto ao encaminhamento a ser dado.

Como explicar que no "caso Isabella", de 5 anos, morta em 2008 ao cair da janela de um apartamento, já se decidiu que seu pai e sua madrasta irão a júri popular e até hoje o processo de Celso segue sem essa decisão, após mais de sete anos? Como explicar que o promotor Igor Ferreira, três anos após ter tirado a vida de sua esposa, já tenha sido julgado e condenado e o caso de Celso segue ainda sem resposta da Justiça? Como explicar que o jornalista Pimenta Neves tenha sido condenado em primeira instância após seis anos pela morte de sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, e o assassinato de Celso ainda se encontra em fase de arguição de testemunhas pelo juiz?

Poderíamos citar outros crimes, mas esses já são exemplares para afirmar: há algo de estranho que impede que o julgamento dos responsáveis pelo sequestro, tortura e assassinato de Celso se realize. Quais são as razões dessa morosidade? Quais são as pessoas e instituições que têm interesse em que nada seja resolvido?

Consideramos importante que o caso vá a júri popular, pois nesta situação novas testemunhas e provas podem surgir, as contradições dos criminosos tendem a ficar mais evidentes, mais implicados podem ser descobertos e a condenação dos culpados pode ajudar a reduzir o sentimento de impunidade que existe no Brasil, um dos obstáculos à construção de uma sociedade mais democrática. Se aquela decisão for tomada, também tenderão a ficar explícitos os atos de pessoas e instituições que agiram no sentido de acobertar o crime, prestar falso testemunho ou se omitir. Falhas de nossas instituições poderão ficar escancaradas e quem sabe isso ajude a produzir mudanças.

Não cabe a mim julgar os indiciados, mas cabe a mim denunciar esta morosidade. Além disso, tenho o direito de apontar problemas de procedimentos correntes na Justiça brasileira. Por exemplo, procedimentos que impedem o juiz de tomar a decisão sobre se o processo relativo ao assassinato de meu irmão, passados mais de sete anos de sua morte, vai ou não a júri popular enquanto não for ouvida a última testemunha de defesa de Sérgio Gomes da Silva.

Que país é o nosso, em que pessoas já condenadas em primeira instância podem ficar soltas até que todos os recursos nas demais instâncias sejam analisados, enquanto nós, minha família e eu, tivemos de deixar o Brasil em 2006 em razão de intimidações, perseguições e ameaças que sofremos, e depois de terem ocorrido oito mortes relacionadas à de Celso? Se é justo que um julgamento tenha de chegar a seu fim para que haja punições, é justo que os procedimentos legais se possam alongar quase que indefinidamente? Até quando Celso continuará insepulto?

Para aqueles que esperam que eu me cale, apesar da condição de exílio em que hoje vivo, outorgado pelo Estado francês, uma vida que tem um lado amargo porque fico distante de meu país e sou impedido de ver amigos e parentes, quero dizer que o presente que tenho a dar ao meu irmão em cada um de seus aniversários é e será a minha luta, mesmo a distância, pelo aperfeiçoamento das nossas instituições, por meio de minhas reivindicações de punição para os culpados pela morte de Celso e de mudanças ligadas às causas que lhe deram origem, entre as quais se destacam as práticas correntes de financiamento de campanhas eleitorais.

Para aqueles que quiseram que eu me calasse, sob a alegação de que com a minha luta na busca da verdade mancharia a imagem de meu irmão, tenho a dizer que quem mancha a imagem de nosso país são aqueles que matam ou que tentam esconder assassinos e continuam agindo com os mesmos mecanismos que levaram à sua morte.

Como aceitar que Donizeti Braga, que teria tido seu celular rastreado na região do cativeiro de meu irmão, tenha direito a foro especial no processo de investigação, pelo único fato de ser deputado estadual? Como aceitar que o Sombra responda em liberdade por decisão da mais importante instância do Judiciário brasileiro, enquanto somos obrigados a viver exilados? Como aceitar que a lentidão de recursos interpostos possa retardar durante anos e anos a punição de criminosos, agora que o STF decidiu que a prisão de um condenado só pode ocorrer quando julgados todos os recursos?

Sabemos que contamos com a solidariedade e o apoio de muitos que lutam e também desejam que o Brasil seja um país mais democrático e menos injusto. Que este artigo ajude nesse sentido e contribua para que o caso seja equacionado o mais rápido possível. 

Bruno José Daniel Filho é professor da PUC-SP e funcionário da Fundap


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