Luiz Cesário da Silveira Filho
GENERAL DA RESERVA DO EXÉRCITO
Ministro Jobim,
Tomei conhecimento de sua entrevista, publicada no Jornal do Brasil em 15 março de 2009, na qual o senhor responde à pergunta de como pretende administrar a insatisfação de alguns generais em relação a algumas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END).
Por considerar deselegante para comigo e para com os integrantes da Reserva das Forças Armadas a sua resposta de que "o general que declarou a insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou", resolvi considerar a possibilidade de responder-lhe.
Sei que o senhor não leu as minhas palavras de despedida do Comando Militar do Leste. Nelas, relembro o saudoso ministro do Exército, General Orlando Geisel, que afirmou: "Os velhos soldados se despedem, mas não se vão".
Sou um general com 47 anos de serviço totalmente dedicados ao meu Exército e ao meu país. Conquistei todas as promoções por merecimento. Fiz jus à farda que vesti. Não andei fantasiado de general. Fui e continuarei a ser, pelo resto de minha vida, um respeitado chefe militar. Vivi intensamente todos os anos de minha vida militar. Fui, sempre, um profissional do meu tempo.
Alçado ao mais alto posto da hierarquia terrestre, acompanhei, por dever, atentamente, a evolução do pensamento político-estratégico brasileiro, reagindo com as perspectivas de futuro para a minha instituição, na certeza de que a história do Brasil se confunde com a história do Exército.
Vivemos, atualmente, dias de inquietude e incerteza. Sei que só nós, os militares, por força da continuidade do nosso dever constitucional, temos por obrigação manter a trajetória imutável da liberdade no Brasil. É, por este motivo, que serei sempre uma voz a se levantar contra os objetivos inconfessáveis que se podem aduzir da leitura de sua Estratégia Nacional de Defesa.
Ela está eivada de medidas, algumas utópicas e outras inexequíveis, que ferem princípios, contrariam a Constituição Federal e afastam mais os chefes militares das decisões de alto nível. Tal fato trará consequências negativas para o futuro das instituições militares, comprometendo, assim, o cumprimento do prescrito no artigo 142, da Constituição Federal, que trata da competência das Forças Armadas.
"Competência para defender a Nação do estrangeiro e de si mesma".
Em época de grave crise econômica, como a que atinge o país, apesar das tentativas de acobertá-la por parte do governo ao qual o senhor serve, os melhoramentos materiais sugeridos serão, obviamente, postergados. Mas, o cerne da estratégia e suas motivações políticas poderão ser facilmente implementados.
É clara, nela, a intenção de se atribuir maiores poderes ao seu cargo de ministro da Defesa, dando-lhe total capacidade de interferir em todas as áreas das Forças Armadas, desde a indicação de seus comandantes, até a reestruturação do ensino e do preparo e emprego das Forças.
Vejo, atualmente, com preocupação, a subvalorização do poder militar. Desde a Independência do Brasil, sempre tivemos a presença de um cidadão fardado integrando a mesa onde se tomam as mais importantes decisões do país. O Exército Brasileiro sempre foi um ator importante na vida brasileira, e, ao longo da história, teve o papel de interlocutor, indutor e protagonista.
A concepção ressentida da esquerda, que se consolidou no poder político a partir de 1995, absorvendo as ideias exógenas do Estado mínimo e da submissão total do poder militar, mantendo "a chave do cofre e a caneta" em mãos civis, a fim de conseguir a sua subserviência ao poder político civil, impôs a criação de um ministério destinado a coordenar as três Forças Armadas. Isto não se fazia necessário, no estágio evolutivo em que se encontrava o processo político brasileiro. Em um governo, à época da criação do Ministério da Defesa, constituído por 18 ministérios, nos quais pelo menos cinco eram militares, foram substituídos, estes últimos, por um ministério que, por desconhecimento de seus ocupantes (até hoje, nenhum ministro da Defesa prestou sequer o Serviço Militar Obrigatório, como soldado), tem apenas atuado no campo político.
Estou convencido que afastar-nos da mais alta mesa de decisão do país foi uma estratégia política proposital, o que tem possibilitado, mais facilmente, o aparelhamento do Estado brasileiro rumo à socialização, com a pulverização da alta administração do país, atualmente, em 37 ministérios e, apenas um, pretensamente, militar.
A expressão militar deve ser gerida com conhecimento profissional, pois ela é um componente indissolúvel do poder nacional. Sem a presença de militares no círculo das altas decisões nacionais, temos assistido a movimentos perturbadores da moral, da ética e da ordem pública intentarem contra a segurança do direito, aspecto basilar em um regime que se diz democrático. Tal fato traz, em seu bojo, condições potenciais de levar o país rapidamente a uma situação de anomia constitucional, o que poderá se configurar em risco de ruptura institucional.
A sua END aprofunda o contexto de restrições à autonomia militar e sugere medidas que, se adotadas, trarão de volta antigos costumes de politização dos negócios internos das Forças Armadas. Talvez isso favoreça o modelo de democracia que querem nos impingir. Será isto o que o senhor quer dizer quando fala em sua entrevista "que é o processo de consolidação da transição democrática"?
Finalizando, quero salientar que a desprezível conceituação de que "o general que declarou insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou", bem demonstra a consideração que o senhor empresta aos integrantes da Reserva das Forças Armadas, segmento que o seu ministério pretende representar. Isto mostra, também, o seu desconhecimento da grandeza e da servidão da profissão militar, pois, como bem disse o general Otávio Costa, "a farda não é uma vestimenta que se despe, mas uma segunda pele que adere definitivamente à alma...".
Lembre-se que os militares da ativa sempre conferem prestígio, não somente aos chefes de hoje, como, também, aos de ontem. Não existem dois Exércitos. Há apenas um: o de Caxias, que congrega, irmanados, os militares da ativa e da reserva.
A certeza de que o espírito militar, que sempre me acompanhou nos meus 47 anos de vida dedicados totalmente ao Exército, o qual, oxigenado pela camaradagem, é formado por coragem, lealdade, ética, dignidade, espírito público e amor incondicional ao Brasil, é o que me faz voltar, permanentemente, contra a concepção contida na sua END.
Quarta-feira, 18 de Março de 2009 - 00:00
Terça-Feira, 17 de Março de 2009 | Versão Impressa
''Defesa trata anistia pelo viés jurídico, e não pelo viés político''
Nelson Jobim: ministro da Defesa
João Bosco Rabello, Tânia Monteiro e Rui Nogueira
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O Ministério da Defesa vai completar uma década em junho. Está consolidado ou ainda há resistências nos comandos militares?
A fase de transição está encerrada. Os militares saíram da política e os civis assumiram. A lealdade das Forças Armadas ao Poder democraticamente constituído está consolidada e esse foi um processo que começou no governo José Sarney (1985-1990). Do ponto de vista político, o Ministério da Defesa está consolidado, mas não está consolidado do ponto de vista administrativo, da gestão. Mas não há mais recuo. Não dá mais para pensar na volta ao modelo anterior e termos um ministério do Exército, outro da Marinha e outro da Aeronáutica, além de um Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Ou, voltando ainda mais no tempo, ao Ministério da Guerra.
Mas, vez por outra, um militar de alta patente critica a criação do Ministério da Defesa. Como o general Luiz Cesário, que acabou de deixar o Comando Militar do Leste e, ao passar para a reserva, criticou a pasta.
Pode haver vozes esporádicas contra. Isso é (manifestação) residual, isolada. São pontos de vista individuais, que precisamos respeitar.
O que vem depois da transição?
Entramos na consolidação do ministério, etapa iniciada com a elaboração da política de defesa (Estratégia Nacional de Defesa). Vamos discutir agora a elaboração da política militar, com a organização, preparação e atualização das Forças Armadas. Há coisas incipientes, como a modelagem das tarefas orçamentárias e as compras conjuntas. Mas tudo isso é um processo.
Como é que foi conquistada essa lealdade dos militares?
O que asseguramos foi a exclusão da intervenção militar nas decisões políticas. Isso veio com redução da presença militar nos cargos da administração pública direta e indireta e a perda do poder de veto.
De onde vinha esse poder político dos militares e por que agora, legalmente, não existe mais?
Desde a Carta de 1891 os militares entenderam que eles tinham uma destinação constitucional para garantir a lei e a ordem. Por uma definição deles mesmos, sem intermediação dos poderes políticos. Em 1987, na Constituinte, houve uma discussão e se manteve o mesmo modelo (fiadores da garantia da lei e da ordem), mas se estabeleceu uma diferença: os militares só agem por iniciativa dos Poderes da República. Antes, os próprios militares é que decidiam se podiam intervir ou não. Na Constituição de 88, submetemos o poder militar aos Poderes constituídos, mas não quisemos saber da questão militar porque esse é um assunto vinculado à repressão política. Os civis não assumiram a parte que lhes cabia na Defesa porque os objetivos para as Forças Armadas precisam ser definidos e escritos pelos governos. Daí vem a redução contínua do orçamento, os equipamentos começaram a ficar obsoletos. Como a relação era só para resolver problemas pontuais, as decisões eram todas dos militares.
Em que fase está a aplicação da Estratégia Nacional de Defesa?
Com a política definida, nós estamos agora fechando prioridades. Os militares quase sempre falam na falta de dinheiro. Mas esse não é o problema. A questão é saber o que tem de ser feito, considerando a capacidade do País. O problema do nosso Exército é a fronteira oeste, mas as grandes bases da Força estão no leste. A decisão de política pública está tomada, a Amazônia é a prioridade. O módulo de fixação do Exército na região é a brigada, com mobilidade dada pelos pelotões de fronteira e soldados com ação flexível, capacidade para o litígio convencional, mas também preparados para o confronto irregular, não-convencional. Estamos, portanto, definindo agora a política militar. Os civis tomam as decisões e os militares fazem as opções estratégicas para cumprir as decisões.
Por exemplo?
No caso da ajuda à Colômbia (para resgate de reféns em poder da guerrilha das Farc), chamei o general Enzo (comandante do Exército) e pedi um planejamento para uma operação de salvamento e resgate. Eu não intervim no modus operandi. Mas a decisão de ir era uma decisão do governo. Chegaram a me dizer que os soldados brasileiros não poderiam ter armas. Aí eu disse: negativo. Nossos militares terão, sim, armas de defesa pessoal. O Exército conhece a Amazônia e deu um belo resultado.
Qual é hoje a grande vulnerabilidade do sistema de defesa brasileiro?
Falta de capacitação nacional, pois todos os nossos insumos são obtidos no exterior. Mas o governo não tem dinheiro para garantir encomendas para as Forças, encomendas num volume que ajude a sustentar um indústria de defesa forte e desenvolvida. Se não tiver dinheiro nós vamos demorar a reduzir a vulnerabilidade.
Como o governo vai ajudar a desenvolver, por exemplo, o cargueiro KC-390, projeto da Embraer?
Nós vamos fazer encomendas do KC-390. Investiremos por meio da garantia de encomendas. E já conversei com o Juan Manoel Santos (ministro colombiano da Defesa) para ver se a Colômbia também faz encomendas garantidas.
Em meio à consolidação do Ministério da Defesa, um assunto atravessou o coro: a discussão sobre a validade e alcance da Lei de Anistia. De que lado o sr. fica?
O assunto está no Supremo (Tribunal Federal). É de lá que virá a interpretação constitucional. Temos de sair da dicotomia equivocada do revisionismo interpretativo, que divide o debate entre os que defendem os torturadores e os que defendem os torturados - não é isso que está em jogo. Essa dicotomia é a mesma em que estamos caindo no debate sobre a Amazônia: de um lado os desenvolvimentistas, que querem derrubar a Amazônia; do outro lado, os preservacionistas, que querem preservar a Amazônia. E quem está no meio são os 25 milhões de pessoas que precisam sobreviver.
Mas qual é sua visão sobre o alcance da Lei da Anistia?
No fim dos anos 70 foi tomada uma decisão política traduzida em lei. Essa lei está sujeita a interpretações, e o órgão competente para interpretar é o Supremo Tribunal Federal. O Ministério da Defesa trata o assunto pelo viés jurídico, e não pelo viés político. Não tem outro caminho. Eu nunca fui emocionado.
O assunto da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol também está no Supremo. É assunto resolvido para os militares?
O voto do ministro Carlos Alberto Direito já tem número suficiente de apoios (8 dos 11 votos possíveis). As 18 regras que ele (Direito) explicitou são a definição do estatuto jurídico da terra indígena. Nós não temos nação indígena, ou, dizendo de outra forma, nós não temos índios brasileiros, mas brasileiros índios. Habilmente, o STF está aproveitando o julgamento para definir que a terra indígena é de propriedade da União, usada pela população indígena. Definir que o subsolo é da União, mas que na exploração eles vão ter uma participação. Definir que as Forças Armadas não precisam pedir licença para ninguém, nem para a Funai, para entrar em terra indígena. Definir que as terras indígenas também estão sujeitas a questões ambientais, não permitindo negócios em que os índios derrubam a mata para servir às madeireiras. As leis de proteção ambiental valem para todos.
Todo mundo diz que o sr. não fez nada de concreto para acabar com o caos aéreo, apesar das muitas reuniões, planos e promessas. Mas é fato que melhorou um pouco o ambiente nos aeroportos. Nem a briga para aumentar o espaço entre os assentos o sr. ganhou. O que houve?
A verdade é que as agências tinham uma agenda própria, os órgãos de controle da Aeronáutica tinham outra agenda. Era um desastre. Hoje está tudo coordenado. A Anac prometeu examinar a questão dos assentos na próxima (nesta) semana. Vai ter um resultado.
O que está havendo na briga envolvendo os aeroportos do Rio (Santos Dumont e Galeão), o governador Sérgio Cabral e a Agência Nacional de Aviação (Anac)?
O setor político aprovou uma legislação de criação da Anac, mas não sabia o que estava aprovando. A Anac tem duas liberdades legais: para definir tarifas e para definir rotas. Com a ajuda dos órgãos técnicos, a Anac define a capacidade dos aeroportos. A agência está discutindo agora quem entra e quem sai (no Santos Dumont), porque você não pode deixar que um aeroporto fique eternamente nas mãos de alguém. É isso o que está acontecendo.
CAOS AÉREO: "O setor político aprovou uma legislação de criação da Anac, mas não sabia o que estava aprovando"
POLÍTICA MILITAR: "Os civis tomam as decisões e os militares fazem as opções estratégicas para cumprir as decisões"
ÍNDIOS: "Habilmente, o STF está aproveitando o julgamento para definir que a terra indígena é de propriedade da União"
Quem é: Nelson Jobim
Bacharel em ciências jurídicas, foi deputado pelo PMDB
Ocupou o posto de ministro da Justiça no governo FHC
Foi ministro e presidente do STF
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