Há um franco debate entre as duas correntes alternativas de pensamento para a compreensão da crise atual.Entenda, caro leitor, que o ato de compreender o real antecede o ato de tomada de decisão para agir sobre a realidade, fato notavelmente superlativo em tempos de crise. De um lado a ala esquerda, que tem na figura de Paul Krugman o seu emblema, que entende que a presente crise se deve às falhas intrínsecas do mercado, tendo havido a um só tempo omissão e timidez dos governos para prevenir a crise. Vão além: dizem que só é possível superá-la com a ação vigorosa do Estado, seja na política monetária, para restabelecer o crédito, seja nos gastos governamentais, a fim de criar demanda.
A essa ala esquerda alinham-se também os economistas da vertente do liberalismo de Friedman, que aceitaram o suposto lado “bom” das teorias de Keynes. O denominador comum dessa gente é que a ação do Estado é necessária e suficiente para a superação dos problemas. De fato, acreditam na reengenharia humana a partir do Estado (Cavaleiro do Templo: nada mais comunista, a definição mesmo da ideologia). Há aqui uma fé escancarada na capacidade do Estado gerenciar os problemas humanos, sobretudo aqueles ligados à economia. Seu remédio recomenda o agigantamento da ação estatal, embora no caso dos liberais consequencialistas essa ação seja, ao menos teoricamente, temporária e reversível. A história mostra que isso nunca houve, a reversão do crescimento do Estado, quando este se agigantou a qualquer pretexto, na guerra como na paz.
Do outro lado temos os economistas que se alinham em torno do liberalismo clássico e da chamada Escola Austríaca, que entre nós tem seu emblema na pessoa do economista carioca Ubiratan Iorio.
Esses economistas atribuem a crise não a falhas de mercado, mas a falhas de governo, que exorbitou de suas funções, que desorientou a alocação de recursos, que emitiu moeda em demasia, que se endividou além da conta, que gastou muito e mal.
Além disso, a história do século XX foi a história do esparramo do Estado por áreas novas, como Educação, Saúde, Habitação e Previdência, de sorte que essas áreas não apenas demandaram enormes quantidades de recursos, mas tornaram-se elas próprias a raiz da crise.
Toda a gente sabe que o nó central da crise não reside no sistema bancário, que caminha para bancarrota em muitos países. O nó principal é o sistema de Previdência Social, seja na forma estatizada, seja na forma de fundos de pensão, estes que sempre mantêm um elo com o poder emissor e taxador do Estado. A persistência do governo norte-americano, por exemplo, de preservar a AIG está ligada diretamente aos fortes elos que a seguradora mantém, não apenas com o sistema bancário, mas com as garantias últimas que deu aos ativos dos ricos e generosos fundos de pensão norte-americanos. A quebra dessa seguradora será a realização instantânea de gigantescos prejuízos na carteira de ativos desses fundos, levando o sistema inteiro à derrocada.
A capacidade de esses fundos honrarem seus compromissos previdenciários de longo prazo está fortemente afetada. Muita gente perderá a sua aposentadoria por causa da insustentabilidade atuarial dos fundos e da má qualidade dos seus ativos.
Essa segunda linha de pensamento recomenda a receita em contrário: o reencontro da economia natural, a privatização de tudo, a começar pelas perdas dos valores dos ativos, a preservação do bem maior, que é o valor da moeda, a saída do Estado de áreas que não são da sua competência, inclusive as quatro acima nominadas. Eu vou além: digo que não acontecerá de outra forma.
Essa crise veio para fazer o rio retornar a seu leito.
Ela não será superada se o Estado não regredir. A pena por retardar esse processo será prolongá-lo indefinidamente sem superá-lo.
O desastre político é que não há estadistas à altura da tarefa. Será preciso que alguém diga às massas, clientes do Estado, que a festa acabou e que todos terão que cumprir o mandamento bíblico de comer o pão como o suor de seu rosto. Então os beneficiários de rendas do Estado – funcionários públicos, aposentados, rentistas portadores de títulos da dívida pública, fornecedores e toda sorte de parasitas – terão que se conformar com o empobrecimento abrupto, em escala mundial, inclusive no Brasil. Certamente não acontecerá algo assim sem uma profunda catarse coletiva, que pode se traduzir em movimentos de violência. Terá que ser feito, todavia.
O debate até agora foi politicamente vencido pela ala esquerda, que tomou o poder nos EUA e na maioria dos países do mundo, inclusive no Brasil. O presidente Barack Obama é o filho primogênito da crise. O problema é que sua receita é puramente ideológica e, como tal, parte de uma falsa explicação da realidade. Quanto mais os governantes esquerdistas agirem, isto é, quanto mais emitirem moeda, alavancarem a dívida pública e elevarem os gastos do Estado, mais a situação econômica será agravada. Desagradar as massas acontecerá da mesma forma, só que pela mão da esquerda política será usada via torta da desordem, com inflação e interrupção do comércio mundial. É possível imaginar um cenário bastante catastrófico, do ponto de vista não apenas econômico, mas também político, se esses governos persistirem no uso dessa receita.
A crença no poder miraculoso da ação estatal é tão grande que mesmo o finado governo Bush adotou a via estatistade superação da crise, fazendo projetos de bailout para vários setores e estatizando de vez as financiadoras FannieMae e Freddie Mac, operadoras do mercado imobiliário secundário. Serão talvez os maiores depositários de ativos “tóxicos” do planeta, cujo valor está estimado em US$ 6 trilhões. A direita norte-americana agiu apenas no nível de discurso, não na implantação de políticas públicas. Na prática a via proposta pela esquerda tem sido a única política econômica de fato posta em ação. Nunca houve outras.
Mesmo a chamada Reaganomics, a economia do lado da oferta, contentou-se na redução de alguns impostos. O gasto estatal jamais foi reduzido. A crise, portanto, tem sigo gerada por gerações seguidas de governantes irresponsáveis e aclodiu nesse momento pelo simples fato de que levaram a experiência do gigantismo do Estado ao paroxismo. Vivemos a Era do Estado Total.
Meu caro leitor, você deve se preparar. O mundo não escapará da forte purgação, o Brasil inclusive. O artificialismo econômico vivido nas últimas décadas não retornará jamais. Haverá sangue, suor e lágrimas.
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