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sexta-feira, 13 de março de 2009

Entre duas guerras, por Paulo Brossard*

ZERO HORA
10 de março de 2008

A semana finda começou com ruidosa ameaça de guerra na América do Sul, que, felizmente, não explodiu, antes implodiu, não passando de bravatas e dentes rilhados. Contudo, o perigo não passou e basta um doido para fazer uma asneira. De mais a mais, há um fato notório, de suma gravidade, a azedar o ambiente. A existência das Farc em território colombiano é inegável e insuportável. Queiramos ou não, elas existem e imperam em área própria, que, se já foi maior, não deixa de existir e na qual exercem poderes paraestatais. A despeito de sua anomalia, há quem lhes faça o preconício. A indústria do seqüestro de pessoas é um de seus instrumentos de ação; o outro diz respeito à indústria de droga. Não sei como essa atividade se processa, mas que ela existe é fato de notoriedade mundial. O seqüestro de pessoas é outro dado de igual notoriedade. E as pessoas apreendidas ou preadas como animais são mantidas em condições subumanas. A libertação de algumas, ultimamente ocorrida, por munificência dos seqüestradores, confirma a selvageria sistematizada. Sabe-se que o número de pessoas aprisionadas é grande, mas não se sabe sua real dimensão. De qualquer sorte, o fato é certo e incompatível com um mínimo de humanidade. É o caso da senadora Íngrid Betancourt, presa faz seis anos, que vai morrendo lentamente. Muita coisa se pode recuperar, mas o tempo não se recupera. O mínimo que se pode dizer é que isso chega ao nível da selvageria. E há quem veja benemerências nesse quadro teratológico. De modo que a guerra anunciada e trombeteada foi contida, mas ninguém pode dizer que esteja afastada. E isto é um perigo para todos, os vizinhos inclusive, ou principalmente.

Entre nós, vêm acontecendo coisas surpreendentes, mas conduzidas com perícia impecável. A meu juízo, e não é de hoje, existe um plano superiormente concebido e cientificamente executado capaz de paralisar o Estado, mais do que o governo. Faz alguns anos que vai se processando e progredindo. Tudo começou pela mudança do dicionário.

Sob a vaga alegação de grilagem, valha o neologismo, imóveis rurais passaram a ser invadidos, mantidas as vítimas em cárcere privado e submetidas a humilhações pesadas. As invasões se davam geralmente à noite, de surpresa; era grande o número de invasores; só que a invasão trocou de nome, passou a chamar-se "ocupação pacífica". Os invasores não eram invasores nem esbulhadores, mas "posseiros", só que posseiros sem posse. Geralmente pessoas de outros lugares, em organização paramilitar. Passaram a ser anunciadas com precisão e realizadas com exatidão, nos locais marcados, nos dias e horas divulgados até pela imprensa. Quando o lesado recorria à Justiça e obtinha a reintegração na posse de que tinha sido esbulhado, os invasores apelavam para a concessão de prazo para a desocupação. A invasão podia ser feita de repente, a saída, não; demandava tempo. Entre os invasores, era imprescindível a presença de mulheres e crianças. Et pour cause. Expandiu-se. Decreta-se, por exemplo, o "abril vermelho" e o "abril vermelho" é executado com pompa e circunstância.

Num certo momento, uma entidade nova, feminina e com crianças, entrou a praticar atos de violência. Foi na calada da noite que os trabalhos que se vinham processando no Horto Florestal Barba Negra, na Barra do Ribeiro, foram destruídos. Agora, no Rosário, se repete a ocorrência. E, quando a Brigada é movimentada, arma-se a resistência. As invasoras não aceitam desocupar o imóvel, que elas condenaram por sua própria autoridade. Dizendo-se maltratadas, acusam a Brigada de violenta, e recebem a solidariedade do seu co-irmão, o MST, que bloqueia oito rodovias gaúchas.

Engane-se quem quiser. É assim que começa a calculada destruição institucional. Que começa? Começou faz muito, e continua pontualmente.

Aqui no Rio Grande há um imóvel que foi invadido oito vezes e até a autoridade judiciária é afrontada ostensivamente. Tiro o chapéu para a execução do plano, cientificamente concebido e tecnicamente executado. As Farc estão aí, dando exemplo. Estarei exagerando?

*Jurista, ministro aposentado do STF

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