Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009
As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.
Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Goethe, entre outros.
Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende – muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que ainda é a mesma.
Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos, rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os piores inimigos do darwinismo.
É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria, porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do darwinismo.
Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser enxertados a posteriori numa teoria inocente:
“Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”
Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do gorila do que o candidato republicano!
Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”
Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis:
“Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”
Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não tenho nenhuma.
No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo. Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela e perguntar-lhes:
– Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o “design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente. Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?
O filósofo Olavo de Carvalho está e não está certo. Está certo quando diz que Darwin juntou os pedacinhos, já espalhados em outras obras e autores, e produziu uma teoria unificada a partir disso. Mas é isso, em geral, que se chama criar uma teoria, já que nada vem do nada. Há sempre algo que nos antecede, podendo dizer que a genialidade está em saber colar bem os pedaços (as idéias), exatamente o maior problema do homem: que não consegue, em geral, pensar com coerência, ajustar bem as coisas; às vezes todas as idéias estão nele, mas não se unem, não geram nada de inteligente. Pois bem, esse é o primeiro ponto. O segundo é que, segundo vários darwinistas famosos ou neodarwinistas, dentre eles Jay-Gould, o problema foi, desde o início, um problema de interpretação. O fato de tal conceito, o da "seleção natural", poder justificar a idéia de que é justo e natural o mais forte dominar os mais fracos, levou muitos estudiosos a interpretaram levianamente a idéia de evolução, que, para Gould, é bem clara em Darwin como complexidade e não superioridade. E, mais ainda, Darwin nunca criou esse esquema da bactéria que vai evoluindo e chega no homem, essa linearidade evolutiva é falsa. Todos os reinos estão em constante evolução e tal evolução é sinônimo de movimento, mudança, aperfeiçoamento, sim, mas de sobrevivência, de adaptação, não do ponto de vista moral. Resumindo, Darwin foi mal interpretado, tal como tantos outros que trouxeram alguma novidade. É isso: ele trouxe uma novidade, juntando ou não os pedaços de outros, Darwin trouxe ou, pelo menos, expandiu de modo ostensivo, no mundo científico o que esse mundo nunca quis ver de modo profundo. Nem os cientistas e nem ninguém (sobretudo, os religiosos)queria ou quer ver a idéia central da teoria darwinista: a de que também somos animais e que fazemos parte da natureza. Essa é a sua grandeza maior, nos lembrar do que esquecemos lá no mundo primitivo enquanto coletávamos frutas e não tínhamos armas para massacrar tantos animais e, sobretudo, a nossa própria espécie. Saber que somos animais, reconhecer isso de modo profundo, mudaria tudo, porque aprenderíamos de vez que o planeta não é nossa casa particular e que estamos todos enredados numa trama maior. Darwin tem seu lugar e merece, sim, tal festividade. Parabés a Darwin!
ResponderExcluirCavaleiro do Templo,
ResponderExcluirEu gostava do seu site, mas há uns dias atrás, eu postei um comentário aqui e ele não foi publicado (e isso apenas por eu não pensar exatamente como o Olavo de Carvalho a respeito de Darwin, será?). Não sou esquerdopata, aliás, não sou da esquera, mas a direita exagera bem na sua falta de diálogo e nessa postura de querer que todos pensem religiosamente igual. Reprovo essa diretriz e esses excessos e deixo aqui explícita a minha repulsa. Acho que o diálogo é a base de qualquer progresso. Tirania é coisa de esquerdopata e de direitopata também. Sei que isso não vai ser publicado mesmo, mas é so para te dar um toque. Mas vai, não entra nessa não. Começa a pensar. Um dia você discorda de algo (o que é normal, a não ser que sejamos máquinas sem pensamento) e aí é tu que vai para a forca. É isso.