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terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Por que não sou um fã de Charles Darwin

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009


As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.

Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Goethe, entre outros.

Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende – muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que ainda é a mesma.

Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos, rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os piores inimigos do darwinismo.

É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria, porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do darwinismo.

Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser enxertados a posteriori numa teoria inocente:

“Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”

Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do gorila do que o candidato republicano!

Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”

Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis:

“Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”

Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não tenho nenhuma.

No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo. Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela e perguntar-lhes:

– Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o “design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente. Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?

2 comentários:

  1. O filósofo Olavo de Carvalho está e não está certo. Está certo quando diz que Darwin juntou os pedacinhos, já espalhados em outras obras e autores, e produziu uma teoria unificada a partir disso. Mas é isso, em geral, que se chama criar uma teoria, já que nada vem do nada. Há sempre algo que nos antecede, podendo dizer que a genialidade está em saber colar bem os pedaços (as idéias), exatamente o maior problema do homem: que não consegue, em geral, pensar com coerência, ajustar bem as coisas; às vezes todas as idéias estão nele, mas não se unem, não geram nada de inteligente. Pois bem, esse é o primeiro ponto. O segundo é que, segundo vários darwinistas famosos ou neodarwinistas, dentre eles Jay-Gould, o problema foi, desde o início, um problema de interpretação. O fato de tal conceito, o da "seleção natural", poder justificar a idéia de que é justo e natural o mais forte dominar os mais fracos, levou muitos estudiosos a interpretaram levianamente a idéia de evolução, que, para Gould, é bem clara em Darwin como complexidade e não superioridade. E, mais ainda, Darwin nunca criou esse esquema da bactéria que vai evoluindo e chega no homem, essa linearidade evolutiva é falsa. Todos os reinos estão em constante evolução e tal evolução é sinônimo de movimento, mudança, aperfeiçoamento, sim, mas de sobrevivência, de adaptação, não do ponto de vista moral. Resumindo, Darwin foi mal interpretado, tal como tantos outros que trouxeram alguma novidade. É isso: ele trouxe uma novidade, juntando ou não os pedaços de outros, Darwin trouxe ou, pelo menos, expandiu de modo ostensivo, no mundo científico o que esse mundo nunca quis ver de modo profundo. Nem os cientistas e nem ninguém (sobretudo, os religiosos)queria ou quer ver a idéia central da teoria darwinista: a de que também somos animais e que fazemos parte da natureza. Essa é a sua grandeza maior, nos lembrar do que esquecemos lá no mundo primitivo enquanto coletávamos frutas e não tínhamos armas para massacrar tantos animais e, sobretudo, a nossa própria espécie. Saber que somos animais, reconhecer isso de modo profundo, mudaria tudo, porque aprenderíamos de vez que o planeta não é nossa casa particular e que estamos todos enredados numa trama maior. Darwin tem seu lugar e merece, sim, tal festividade. Parabés a Darwin!

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  2. Cavaleiro do Templo,

    Eu gostava do seu site, mas há uns dias atrás, eu postei um comentário aqui e ele não foi publicado (e isso apenas por eu não pensar exatamente como o Olavo de Carvalho a respeito de Darwin, será?). Não sou esquerdopata, aliás, não sou da esquera, mas a direita exagera bem na sua falta de diálogo e nessa postura de querer que todos pensem religiosamente igual. Reprovo essa diretriz e esses excessos e deixo aqui explícita a minha repulsa. Acho que o diálogo é a base de qualquer progresso. Tirania é coisa de esquerdopata e de direitopata também. Sei que isso não vai ser publicado mesmo, mas é so para te dar um toque. Mas vai, não entra nessa não. Começa a pensar. Um dia você discorda de algo (o que é normal, a não ser que sejamos máquinas sem pensamento) e aí é tu que vai para a forca. É isso.

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