Marx descrevia a socialização dos meios de produção como um processo longo e complexo, que poderia se arrastar por muitas gerações. Nenhum partido comunista em seu juízo perfeito deve subir ao poder e logo no dia seguinte baixar um decreto: “Agora é o comunismo, turma. Fica abolida a propriedade privada.” Ao contrário: seja operada por meios pacíficos ou com farto recurso à violência, a transição é sempre lenta, irregular, intercalada de mil e uma concessões ao capital privado até que a elite comunista tenha se assenhoreado de todos os instrumentos de controle político, social, educacional e cultural, sem chance para o ressurgimento das forças reacionárias e conservadoras. O ideal é deixar a economia capitalista intacta e funcionando a pleno vapor até que a tomada do poder em todas as áreas da vida seja completa e irreversível.
Como a elite empresarial e os políticos “de direita” ignoram isso por completo – a maioria não leu nem sequer o Manifesto Comunista –, todos já começam a celebrar o triunfo do capitalismo tão logo um governo ou partido comunista dê sinal de se acomodar ao livre mercado, ainda que parcialmente. Ficam tão felizes com esse arranjo que nem reparam que a concessão no campo econômico vem junto com o avanço do controle hegemônico em todas as demais áreas. Que lhes importa que a militância comunista domine as escolas ou as instituições de alta cultura, se eles continuam ganhando dinheiro e até recebem alguns favores do governo esquerdista? Foi tendo isso em vista que Lênin disse: “A burguesia tece a corda com que a enforcamos.” É claro que a posição privilegiada do empresariado na sociedade não consiste só no direito de encher os bolsos, mas na obrigação de garantir que as próximas gerações desfrutem da mesma liberdade que o capitalismo lhes assegurou. Mas poucos, se algum chega a tanto, entendem que, sem um conjunto de valores culturais socialmente favoráveis à liberdade econômica e, mais ainda, sem os canais e instrumentos para a defesa e preservação desses valores, o capitalismo vai-se reduzindo pouco a pouco a uma concessão estatal provisória, até que se torne tão fraco politicamente que possa ser destruído da noite para o dia sem que um só protesto se levante contra o advento do comunismo.
Se querem saber, portanto, a que distância estamos desse advento, não perguntem se as empresas capitalistas estão prosperando. Perguntem quantos partidos políticos, jornais e canais de TV são abertamente anticomunistas. Quantos discursam habitualmente contra o martírio pérpétuo de prisioneiros políticos na China, na Coréia do Norte ou em Cuba em vez de fazê-lo contra as meras incomodidades que os tagarelas da esquerda alardeiam como “tortura” em Guantanamo? Quantos defendem a instituição da família e a moral tradicional? Quantos denunciam a perseguição anticristã e antijudaica? Quantos protestam contra a doutrinação comunista nas escolas? Quantos se recusam a colaborar com a demagogia gayzista e abortista ou com a eterna promoção de semi-intelectuais de esquerda à condição de representantes máximos da alta cultura? Quantos, ao menos, recusam adaptar-se ao vocabulário “politicamente correto”?
Resposta: nenhum. No Brasil, nenhum. Em todos esses setores, a fase da conquista da hegemonia, tal como descrita por Antonio Gramsci, já passou. O que se observa aí é o domínio total e absoluto, o controle draconiano da formação de opiniões, a ditadura mental onipotente e incontestada.
Enquanto isso, é preciso dar à massa idiota a ilusão de que a liberdade ainda existe. Isso se obtém por dois meios:
1) Reservam-se, na mídia e nos partidos, dois ou três lugares para os discordes e resistentes, de modo que seu mero contraste com a maioria satisfeita lhes dê ares de excêntricos amalucados, fazendo deles, mais que a exceção a confirmar a regra, um instrumento de legitimação inversa do estado de coisas. A estratégia gramsciana previa isso, dando a essas raridades o nome de “aberrações” e agradecendo sua ajuda involuntária à imposição dos novos padrões de normalidade. A única saída decente, para os que foram colocados nesse papel, é denunciar insistentemente a própria situação que lhes foi imposta, até que se tornem ainda mais aberrantes do que convém aos autores da manobra. O preço disso, é claro, é a discriminação aberta, o boicote ostensivo.
2) Abre-se oportunidade para um número um pouco maior de falsos conservadores, incumbidos de ocupar o espaço com argumentos em favor do livre mercado, perfeitamente inofensivos na atual fase da estratégia comunista, e com generalidades insossas sobre democracia, constitucionalismo, ordem jurídica, etc., sem tocar jamais nas questões substantivas que mencionei acima.
Infelizmente, entre jovens que assistiram a meus cursos e conferências, sem se tornar por isso meus estudantes genuínos, abundam os que se dispõem a exercer esse papel abjeto, satisfeitos de ver-se bem recebidos onde fui rejeitado, e acreditando-se por isso uma “alternativa superior”, mais moderninha, serena e equilibrada, ao cada vez mais insuportável Olavo de Carvalho.
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