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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

''O populismo avacalha a diplomacia''

ESTADÃO DE HOJE - INTERNACIONAL
Denise Chrispim Marin, BRASÍLIA | Domingo, 07 de Dezembro de 2008

Francisco Weffort: cientista político e ex-ministro da Cultura; para Weffort, discursos inflamados e desdém pela democracia têm marcado as relações internacionais na América Latina

As relações entre os países da América do Sul foram tomadas por uma "febre populista" da qual o Brasil não escapou segundo o cientista político Francisco Weffort. O atrito com a Bolívia, o impasse com o Equador e as ameaças do Paraguai mostram que a solução discreta dos conflitos foi substituída pela verborragia de alguns governos. O resultado foi o enfraquecimento do Itamaraty, lamenta o professor aposentado da USP, um petista de primeira hora que abandonou o partido nos anos 90 e foi ministro da Cultura na gestão Fernando Henrique Cardoso.

O escritor Mario Vargas Llosa diz que em parte da América Latina há retrocesso na democracia liberal e volta ao populismo. O sr. concorda?

Aparentemente, há um retrocesso, já que os países sul-americanos haviam evoluído para uma noção representativa liberal da democracia e para a abertura de mercados. Mas, na verdade, trata-se de uma oscilação, um momento de rebaixa na curva. O (presidente venezuelano Hugo) Chávez tem um discurso antidemocrático. Mas ele não consegue não fazer eleições e, apesar de todo o controle institucional que detém, perdeu terreno nos principais Estados nas eleições do dia 23. A tendência geral é mais para a democracia e não para o estatismo.

Mesmo com o caráter autoritário que prevalece nesses países?

Se pudesse, o Chávez seria reeleito indefinidamente e reelegeria também a família dele. O pai era o governador de Barinas e, agora, seu irmão foi eleito para o cargo. Isso é o nepotismo tradicional do coronelismo brasileiro. O Chávez é um líder autoritário, que faz ameaças fantásticas, mas não vai além disso porque a democracia não deixa. O populismo está na nossa formação latino-americana, assim como o caudilhismo, e sempre há possibilidade de seu ressurgimento. 

O sr. parece otimista ou, pelo menos, esperançoso de que haverá reversão desse quadro.

Sou otimista. No caso do Brasil, o governo Lula pode também ter variantes de estatismo e populismo e um caráter democrático duvidoso. O Lula é certamente uma versão mais leve do que ocorre na Venezuela e no Equador. Mas, apesar de seu discurso, não pôde voltar atrás nas privatizações feitas pelo governo FHC, que rompeu o estatismo no País, nem na relativa autonomia do Banco Central. O Lula, com o prestígio popular que tem, não consegue eleger quem queira.

Por quê?

Houve momentos na história do Brasil em que alguns políticos eram capazes de eleger postes. Lula não consegue transferir sua popularidade a seu candidato porque a população quer escolher. No caso da Venezuela, qualquer que seja o discurso de Chávez, a economia do petróleo continua vinculada ao mercado dos EUA. Ele não pode ignorar isso. A sociedade venezuelana também é pluralista. Se estivesse propensa a um populismo ao estilo de Juan Domingos Perón (1895-1974) ou de Getúlio Vargas (1882-1954), Chávez não teria perdido o referendo constitucional de 2007. 

Como essa onda autoritária pode ser superada?

Pela resistência democrática institucional. A Venezuela não aceita que um presidente possa se reeleger indefinidamente. Apesar de controlar o Judiciário e o Legislativo por erro da oposição, Chávez não controla a sociedade. A maioria que o apóia não é tão avassaladora como antes. Há muita promessa e pouco governo nesse regime e nos da Bolívia e do Equador. Uma das características do populismo é a verborragia. É o caso de Lula, que não sai do palanque. Quando começa a sair, ele coloca a Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil e pré-candidata às eleições de 2010). Há um cansaço, um desgaste desse modelo.

Os governos da Venezuela, Bolívia e Equador parecem minar a democracia, ao mesmo tempo em que mantêm o calendário eleitoral como vitrine de seus supostos compromissos democráticos. Isso não abala sua expectativa otimista de que essa fase será superada?

Não há garantias para a democracia. Na América do Sul, ela é extremamente frágil. A democracia precisa sempre da atenção dos democratas, porque, se não, pode degenerar. O golpe de 1964 no Brasil não ocorreu porque os militares queriam, mas porque a democracia vinha sendo debilitada aos poucos havia anos. Chávez provavelmente gostaria de ficar mais 50 anos. Mas não pode, porque a sociedade está alerta.

O mesmo pode ser dito em relação à Bolívia, onde a democracia parece mais debilitada?

A democracia da Bolívia é mais frágil que a da Venezuela e até que a do Equador. A Bolívia, de fato, não é um bom exemplo para o meu argumento de que a democracia da América do Sul está passando por uma fase de recaída e pode se recuperar. No Brasil, que é o país mais desenvolvido da região, o sistema partidário é extremamente frágil. A reforma política tem de ser feita. Não dá para achar que está tudo resolvido. Mas também não está tudo perdido.

Desde 2006, o Brasil tem visto reações inusitadas a sua política de cooperação com os vizinhos. Primeiro foi o caso da Bolívia, agora o do Equador. Como o sr. explica essas reações?

Na relação diplomática do Brasil com a América Latina há sempre margem para o paternalismo, assim como há margem para a interpretação de que a ação brasileira é imperialista. Mesmo no regime militar, há 20 anos, o relacionamento do Brasil era amigável com a África e com a América Latina, tanto com seus governos militares como com os avessos aos regimes militares, como a Nicarágua. Com a febre populista atual, perdeu-se o senso profissional, o senso de discrição diplomática. Para Lula, (o boliviano) Evo Morales, Chávez, (o equatoriano) Rafael Correa e (o paraguaio) Fernando Lugo, tudo tem de ser verbalizado, tudo tem de ser uma promessa a mais.

É a contaminação do populismo na diplomacia?

É demagogia de um lado, demagogia de outro. Sempre houve desentendimentos entre governos e empresas. Sempre houve empresas que executaram bem e outras que executaram mal os contratos públicos. Agora, no caso do Equador, da Bolívia, da Venezuela e do Paraguai, essas situações estão motivando gestos políticos que danificam as relações entre os países. O populismo avacalha a sobriedade da diplomacia. O que se vê nesses países é uma diplomacia populista, baseada no excesso verbal e em promessas que levam a população a fantasiar a ação do Estado. No plano das relações internacionais, há muita farofa. Isso confunde a visão.

O sr. classifica igualmente o presidente Lula como um populista nas relações externas?

O Lula também peca pela verborragia demagógica. Ele vive dizendo que o Brasil não quer fazer mal aos países pequenininhos. Logo que tomou posse, em 2003, Lula desembarcou em Davos (Fórum Econômico Mundial) para lançar um programa de combate à fome no mundo. O Fome Zero é um dos programas mais demagógicos da história. O populismo cansa porque se baseia em propostas irrealizáveis.

Como o sr. avalia a reação às agressões de Bolívia e Equador?

O Lula debilitou a posição do País no caso da invasão das tropas da Bolívia às refinarias da Petrobrás (2006). Tinha de defender a Petrobrás e não o fez. Ele debilitou a posição do Itamaraty.

O sr. não acha curioso o fato de que esses regimes não são contestados pelos governos da região mais responsáveis e mais resistentes ao modelo populista? 

É muito difícil para um líder se confrontar com outros, se prevalece uma posição pacífica na América do Sul. O único a contestar o Chávez, até agora, foi o rei Juan Carlos, da Espanha, quando o mandou calar a boca em uma reunião multilateral (Ibero-Americana de 2007). Mas o rei só fez isso porque Chávez tinha insultado o Estado espanhol e porque ele não é chefe de governo, apenas chefe de Estado. De presidente para presidente é muito difícil uma reação como essa. Por mais que Chávez, Evo e Correa falem e façam, os outros presidentes têm de se segurar em público e responder em privado.


Quem é:
Francisco Weffort


Foi professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e ministro da Cultura do governo FHC.
Lecionou no Woodrow Wilson Center e no Instituto de Estudos Internacionais Helen Kellogg, nos EUA.

Um comentário:

  1. Weffort tem razão. Esses populistas ignorantes já encheram tudo o que tinham que encher. No nosso caso, meu lema é: nenhum minuto depois de 2010.

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