Ter, 21 de Agosto de 2007 21:00 Carlos I.S. Azambuja
“Ouvi dizer que na América do Sul ainda existem comunistas,
o que eu acho um charme!
Como se nada tivesse acontecido”
(Doris Lessing, 82 anos, no livro “The Sweetest Dream”).
Em seu último livro, “A Grande Parada”, Jean-François Revel, membro da Academia Francesa, jornalista e escritor, estudou o escândalo da sobrevivência da utopia socialista após a queda do Muro de Berlim, comprovando que uma ideologia pode implodir no domínio dos fatos, mas persistir nas mentes e no domínio dos espíritos. É preciso tempo para que essas imposturas desapareçam.
Como escreveu o sociólogo José Arthur Rios, na apresentação do livro, “a utopia é, assim, permanentemente adiada. Nunca se realizou; mas amanhã, quem sabe (...) com um pouco mais de boa vontade, mais algumas voltas no parafuso, mas alguns milhares de vozes silenciadas, de presos recolhidos a masmorras. De opositores executados – e já chegamos lá”.
O texto abaixo é um pequeno resumo, adaptado, de um dos capítulos de “A Grande Parada”. Destina-se às novas gerações que não acompanharam o apogeu e o derradeiro espasmo da “doutrina científica”, uma aberração criminosa derrubada não por seus opositores, mas pelos povos que viveram sob ela, nas ruas, sem armas.
***
Atualmente, a reabilitação do marxismo-leninismo está em alta. Ela prolifera em livros e artigos que nos aconselham – essa não é a palavra correta, e sim que nos intimam - a voltar ao “verdadeiro Marx”. Ou seja, ao século passado. A legião de combatentes marxistas redobrou em ferocidade exatamente a partir do ano em que a História acabava de destruir seu objeto de adoração, passando, então, a novamente arrastar a bola de ferro da utopia socialista.
Livres da importuna realidade, à qual passaram a negar qualquer valor de prova, os leais seguidores recuperaram sua intransigência. Sentiram-se finalmente livres para novamente passar a santificar um socialismo devolvido à sua condição primitiva: a utopia. O socialismo praticado dava margem a críticas. A utopia, ao contrário, é por definição inatingível. O comunismo, como utopia, não tem obrigação de apresentar resultados. Sua única função é permitir aos seus adeptos a condenação do que existe em nome daquilo que não existe. Eles querem ser julgados pelo que disseram, quando na oposição, e não pelo que fizeram, quando governo. O exemplo mais recente dessa assertiva é o atual governo do Partido dos Trabalhadores.
O socialismo democrático, a grande utopia das últimas gerações, é irrealizável. O próprio esforço para realizá-lo produz algo tão inteiramente diverso que poucos dos que ainda o desejam estão preparados para aceitar suas conseqüências.
Nos artigos da imprensa ocidental do início da década de 90 proliferavam duas noções que apareciam com grande assiduidade. A primeira é que seria necessário, de uma vez por todas, colocar uma pedra sobre o comunismo e tudo aquilo que a ele se relacionasse. A segunda era que a solução liberal surgia, então, após o desastre marxista, não como o melhor caminho, mas como o único possível.
Ao final da década de 90, no entanto, a virada foi vertiginosa. Essas duas noções voltaram a ser espezinhadas quase universalmente. Tendo sido abandonado na prática, o comunismo passou a ser cada vez menos condenado. E o liberalismo, sendo quase mundialmente condenado, é cada vez mais praticado, especialmente pela esquerda marxista, uma espécie de museu de história natural do pensamento científico mumificado. A defesa póstuma do comunismo tem, como complemento, a colocação do liberalismo no banco dos réus. Uma vez que reabilitar o comunismo seria uma tarefa muito difícil, quase impossível, decidiu-se, então, defendê-lo indiretamente, mostrando que seu oposto, o liberalismo, seria ainda pior.
Na verdade, na Europa, assim como na América Latina, a certeza de pertencer à esquerda repousa sobre um critério bem simples, de fácil entendimento para qualquer deficiente mental: ser, em qualquer circunstância aconteça o que acontecer, venha o que vier, anti-americano e condenar o “imperialismo ianque”.
Na França, por exemplo, o anti-americanismo chegou às raias do delírio, na década de 1990-2000, quando os franceses descobriram que os EUA haviam emergido da Guerra-Fria como uma superpotência isolada.
Sob o impacto do naufrágio, foram admitidos, se bem que a contragosto, a falência e até mesmo os crimes do comunismo. Depois de vários adiamentos, era chegada a hora do juízo final para o comunismo como doutrina. Tudo o mais era arqueologia.
Assim, o comunismo havia produzido nada mais do que a miséria, injustiças e massacres. Não por conta de traições fortuitas ou má sorte, mas pela própria lógica de suas verdades mais profundas. Essa foi a revelação de 1990. Mais do que o socialismo real, a História condenou a própria idéia do comunismo. Não podendo apoiar-se em fatos, ele se reduziu a uma crença supersticiosa de que, em alguma galáxia longínqua, encontraríamos uma sociedade perfeita, próspera, justa, feliz e, evidentemente, comunista.
Os socialistas, embora confessando de tempos em tempos, em suas manobras táticas, os maus resultados e as atrocidades do comunismo, rechaçam categoricamente a noção de que esses “inconvenientes” representassem a essência do socialismo. Essa permanece intacta, imaculada e destinada a uma nova e próxima encarnação.
O comunismo não pode ser condenado pelos seus atos, por mais reacionários. Reacionárias são as pessoas que o julgam pelos seus atos. Pois não são os atos que devem servir de critério e sim as intenções. Como o comunismo, no fundo, não pertence a este mundo, o seu fracasso, aqui embaixo, é culpa do mundo e não do conceito comunista. A partir dessa lógica, os que o recusam, alegando o que ele fez, são motivados, na verdade, por um secreto ódio contra o que precisava ser feito: alcançar a justiça universal. O anti-comunismo é, portanto, condenável, por mais negativo que seja o balanço do comunismo.
Os homens e mulheres que durante os últimos 150 anos tentaram empregar sua inteligência a serviço da Verdade, “caluniando” e buscando estabelecer um relato preciso da impostura comunista, são muito menos generosos que aqueles que serviram ao comunismo, mesmo à custa de vidas inteiras passadas na mentira e na imbecilidade.
Qualquer pessoa que tenha aberto os olhos com lucidez sobre o comunismo, tal como ele era realmente, ou tal como sua queda o revelou, essa pessoa estaria ou ainda está abraçando uma crença egoísta e mesquinha. Tal atitude foi e continua sendo, ainda hoje “de direita”, reacionária, pois esse hipócrita estaria escondendo sua aversão não pelo comunismo em si, mas pela sociedade justa que o comunismo iria criar.
A partir desse complexo amontoado de argúcias, torna-se possível dar o passo seguinte, alegando que os mais infelizes, aqueles pelos quais se deve ter compaixão, nesse período onde se extinguiu “a grande luz a Leste”, não são as vítimas passadas e presentes do comunismo, mas seus antigos adeptos, hoje cruelmente postos à prova por sua morte.
Esse passo foi dado por Danièle Sallenave em seu artigo “Fim do Comunismo: o Inverno das Almas”, no qual ela confessa que o comunismo era “uma tirania odiosa e um modelo econômico nefasto”. Mas, ao mesmo tempo, era o único sistema que poderia nos salvar do “aprisionamento pelo consumo”, do liberalismo desenfreado, do império do dinheiro, da dominação e do desprezo.
O remédio comunista transformou em ruínas as sociedades que foram obrigadas a tomá-lo. Ele subjugou, imbecilizou e matou homens e mulheres, destruiu a cultura, mas continua sendo o único remédio. E o liberalismo continua sendo a pior doença, da qual estamos impedidos para sempre de nos curar devido à queda do comunismo.
Assim sendo, o postulado básico permanece inalterado. Embora o comunismo tenha contribuído para agravar as injustiças, ser contra ele é ser contra a justiça, pois o perigo maior continua sendo o capitalismo.
Nesse sentido, toda tentativa de avaliar serenamente o passado do comunismo, embora ele continue a ser um elemento político do presente, toda obra consagrada ao pós-comunismo, às sociedades gravemente mutiladas por décadas de escravidão totalitária, todo balanço, toda pesquisa, passaram a ser considerados “nostalgia da guerra-fria” disfarçada de curiosidade científica. Por que remexer nessas velharias?
Assim, em diversos países, inclusive no Brasil, Chile, Argentina, e mais recentemente no Uruguai, no momento em que o comunismo acabou de ser desmantelado e quando o horror do seu passado surgiu definitivamente com todas as cores, são os que constitucionalmente o combateram, impedindo que suas Pátrias fossem transformadas em democracias populares, que estão no banco dos réus. Afinal de contas, eles não se enganaram? Por que esses obcecados haviam qualificado o comunismo como irreversível? Ora, ele não desapareceu? Isso comprova que eles estavam errados!
Deve ser dito que a longevidade do comunismo foi uma anomalia, que dependeu da excelência de seu sistema repressivo associado à complacência paradoxal das democracias que, por diversas vezes, socorreram sua economia e aquiesceram à sua diplomacia.
No mais,
é importante que fique claro que o que marcou a falência do comunismo não foi a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, mas a construção desse Muro, em 1961. Ele foi a prova de que o “socialismo real” havia atingido um tal ponto de decomposição que se viu obrigado a aprisionar seus cidadãos para impedi-los de fugir.
Uma das razões pela qual se deve continuar lutando contra a ocultação da natureza intrinsecamente totalitária e criminosa dessa cultura totalitária é que, embora ela tenha recuado consideravelmente desde a derrocada da União Soviética, continua sendo uma esperança para os inimigos da liberdade, sempre ávidos por instalar um regime de opressão em nome de uma suposta defesa dos oprimidos.
Finalmente, deve ser assinalado que depois do desmoronamento no Leste Europeu e na União Soviética, o comunismo em vez de definhar cresceu de forma assustadora e não assumiu nenhuma responsabilidade pelas conseqüências negativas que causou ao mundo desde a Revolução Bolchevique.
Segundo a interpretação comunista, como já assinalou mais de uma vez o filósofo Olavo de Carvalho: o futuro explicará o passado, pois a doutrina científica não tem qualquer compromisso com o passado e empurra o presente com a barriga, uma vez que não é um movimento político e sim uma cultura, um movimento cultural e espiritual.
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