30/09/2008
Li e reli o artigo do senador Marco Maciel, publicado hoje no Estadão (“O PROER blindou o sistema bancário brasileiro”). Li de novo. Eu não poderia concordar com a tese central, de que o PROER teve efeito miraculoso e a ele poderia até mesmo serem creditados os evidentes benefícios do Plano Real, um grande exagero. Mas como fugir ao senso comum? Como argumentar contra o artigo do senador? Como tirar o véu que esconde a realidade?
Vejamos seu primeiro parágrafo: “A atual crise mundial dos mercados financeiros e de capitais, cujos enfrentamentos estão sendo adotados pelo governo dos Estados Unidos, confirma o quanto estava certo o presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado no Brasil de 1995 a 2000”.
O que teria sido sem o PROER? Difícil contar a história do que poderia ter sido, mas nunca devemos esquecer dos fatos maiúsculos que aconteceram no período e que o senador convenientemente se esqueceu de se lembrar. O primeiro deles é o salto espantoso na carga tributária, para mim o verdadeiro sustentáculo da estabilização de preços, em meio a gastos elevados e crescentes do governo.
O imposto inflacionário foi simplesmente substituído por tributação explícita, marcando de forma indelével a guinada do Brasil para o campo das economias de feição socialista.
Outro fato importatante – e que persiste até hoje – foi a elevadíssima taxa de juros, que transferiu ganhos gigantescos do Tesouro, grande devedor da economia, para os banqueiros privados. Boa parte da elevação da carga tributária transformou-se em receita nominal dos bancos. Podemos dizer, sem margem para errar, que os custos do PROER foram elevadíssimos para o contribuinte brasileiro, que arcou não apenas com a expansão da dívida, como também com seu elevado custo de carregamento.
O artigo afirma: “A última operação de financiamento do Proer foi concluída em meados de 1997. A implementação do programa custou, no total, R$ 20,4 bilhões, valores da época, cerca de 2,7% do produto interno bruto (PIB) médio do triênio 1995-1997. Os valores atualizados são, evidentemente, maiores, mas a indicação do porcentual do PIB dá uma boa noção de que o programa teve custos relativamente baixos”. Isso não me parece correto, pois a conta deveria incluir os lucros extraordinários oriundos das elevadíssimas taxas de juros. É preciso que se computem os custos extraodinários do endividamento do setor público, muito acima das taxas verificadas no mercado internacional. Esta conta está para ser feita ainda. O cidadão brasileiro que paga impostos arcou integralmente com esses custos do ajuste dos bancos e disso o senador não fala.
Deve-se registrar também que o governo FHC deu outra grande soma de recursos aos banqueiros ao reconher como válidas as ditas moedas “podres”, como as TDAs, que por décadas eram ativos ilíquidos. Por simples decreto esses títulos foram igualados aos demais de emissão do Banco Central, fazendo a fortuna, do dia para a noite, daqueles que os tinham em carteira, naturalmente os banqueiros. Nunca descobri o montande dessa doação. Essa história ainda precisa ser melhor contada. Não é coisa gratuita, esse reconhecimento, pois agigantou a dívida pública e engordou a receita dos balanços dos bancos de forma permanente.
Outro efeito desastroso do PROER foi cartelizar ainda mais o mercado bancário brasileiro, que se concentrou enormemente, tornando-se o setor mais impermeável à competição. O sistema bancário brasileiro é um gigantesco cartório ou um restrito clube que não admite novos sócios. Não é possível mensurar o mal que uma cartelização dessa envergadura tem causado à economia brasileira. Penso que as taxas raquíticas de crescimento da economia verificadas nas últimas décadas se deve, em muito, à inadequação da intermediação financeira para apoiar o desenvolvimento. Banqueiro gosta mesmo é de financiar o governo.
As coisas deram certo para o Brasil depois do PROER, sobretudo pela grande expansão da economia mundial nos últimos tempos, fatos que não guardam relação de causa e efeito. Sobrou liquidez no mundo, afastando o eterno fantasma da insuficiência de moeda forte entre nós. E também nunca exportamos tanto. Então os fenômenos se misturam e aquilo que é ruim pode parecer o seu oposto ao observador desavisado. Posso não me tornar muito popular por dizer que o PROER foi uma gigantesca doação de recursos, seguida de cartelização e de uma superremuneração da dívida pública, mas é essa a dura realidade. Terá sido algo bom? Foi bom o crescimento da carga tributária como proporção do PIB? Um estadista poderia ter feito diferente, como agora o Congresso dos EUA ousou fazer, dizendo um “não” sonoro à aventura semelhante por lá tentada. Tudo somado o governo FHC tornou os bancos grandes estruturas, ricas e sólidas, impermeáveis à concorrência. Não é possível haver quebra com receitas elevadas e sólidas e sem ter competição.
O fato é que os banqueiros estão devorando, há décadas, o orçamento público, ao cobrar os juros abusivos que cobram sobre a dívida pública.
Algum cínico poderá dizer que o governo não é obrigado a tomar dinheiro emprestado. Mas
quando se sabe do “mensalão” e de quem o pagou é que vemos como funcionam as engrenagens do poder.
Toda a classe política brasileira, da esquerda ora no poder à direita apeada, tornou-se patrona dos banqueiros, ou cliente, dependendo do ponto de vista. Por isso que
banqueiros como Olavo Setúbal, de saudosa memória, defendem monstrengos como a CPMF. Afinal, a destinação principal dos impostos tem sido pagar os juros da dívida pública.
Não é mesmo um negócio perfeito, ser banqueiro no Brasil? Viva o PROER!
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