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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O LIMIAR DA CRISE MUNDIAL

NIVALDO CORDEIRO
19/03/2008

Deus abençoe a América! A crise econômica que se desenha no grande país do Norte é daquelas que não terão solução nem curta e nem fácil. É uma crise sistêmica, que poderá levar a uma dramática crise no mercado mundial. Afinal, os EUA são os maiores compradores e vendedores do mundo e é o seu maior PIB o elemento dinâmico que permitiu a recente prosperidade nas chamadas economias emergentes.

A tragédia maior é que se nota a ausência de homens preparados para fazer o enfrentamento da crise. Não será uma simples crise econômica, portanto, mas também uma crise da ciência econômica e da ciência política. Tudo em que se acreditou em matéria de teoria econômica será posto em xeque. O feijão-com-arroz da administração dos juros, o que pateticamente tem sido feito pelo FED nos últimos meses, não apenas não resolve a crise, como logra agrava-la. Há uma carência científica na ação do FED. Porque a raiz da crise está no modo de funcionamento da economia norte-americana: vive de emissão de moeda sem lastro, que paga seus gigantescos déficits na balança comercial. Esse modelo esgotou-se. É como se os EUA cobrassem um imposto inflacionário sobre o resto do mundo na forma de emissão descontrolada de moeda. Foi possível manter isso por algumas décadas, quando o mundo precisava de uma moeda nacional forte para substituir o padrão-ouro. Depois do advento do Euro e da emergência formidável da China no mercado internacional esse modelo ficou inviável. Ninguém mais quer papel pintado desvalorizado pagando suas mercadorias. Nem a nossa bela Gisele Bündchen.

Por isso a crise é tão profunda. Ela obrigará a repensar os fundamentos da construção do Estado norte-americano. Seus governantes terão que elevar fortemente os impostos e, ao mesmo tempo, reduzir benefícios sociais. O discurso eleitoral distributivista está caduco. As duas coisas juntas, mais impostos e menos benefícios, terão que ser feitas, tal a gravidade da crise. Em um ano eleitoral como o que estamos é difícil sequer a um candidato discutir o assunto. O campeonato de discursos eleitorais que tenho visto é no sentido de ver quem promete mais facilidades e benesses para o homem-massa eleitor, essa noiva tão cortejada. Obviamente que, fechadas as urnas, o governante eleito terá que enfrentar a dura realidade de ter que combater a parasitagem oficial, ter que elevar a taxa de juros para estimular a poupança e repatriar capitais que fugiram do artificialismo do seu mercado financeiro e animar o investimento produtivo. Suas decisões farão quebrar os negócios inviáveis com longuíssimos períodos de retorno e provocarão redução na taxa de salários para torna-la competitiva com os países emergentes. Respeitar-se-á a máxima: “Homem, comerás o pão com o suor do teu rosto”. E – muito importante – criarão os meios para fazer retornar ao solo norte-americano as indústrias expulsas de lá por excesso de regulação e de custo de mão-de-obra.

Será tarefa para dez anos e no meio do caminho haverá muito choro e ranger de dentes. Privilégios centenários terão que ser abolidos. Gerações de vagabundos profissionais pendurados no Tesouro terão que voltar a trabalhar. Indústrias artificiais mantidas por barreiras alfandegárias estúpidas quebrarão. E a renda fácil de uma economia baseada na emissão descontrolada de moeda desaparecerá por força da crise. Trabalho duro e produtividade são as únicas receitas que eu conheço para fazer voltar a prosperidade. Mas, por si sós, não bastam, antes será necessário o saneamento de tudo que está errado.

Entendo que esse é o melhor cenário. Há um ainda pior, que é aquele em que os Estados militarmente hostis aos EUA, como China e Rússia, detentores de gigantescos superávits em dólares norte-americanos, poderão ficar tentados a jogar a pá de cal no que resta de equilíbrio monetário e saírem a comprar commodities e outras moedas usando seu enorme estoque de dólares. O dólar simplesmente viraria pó em poucos meses e a economia mundial rejeitaria a moeda norte-americana como a uma doença contagiosa. Um cenário desses certamente provocaria taxas negativas de crescimento de produto e elevada taxa de inflação. O pior dos mundos.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo (“Jamais teremos um modelo perfeito de risco”) de ontem o antigo presidente do FED, Alan Greenspan, escreveu: “O problema essencial é que os nossos modelos tanto os de risco quanto os econométricos, por mais complexos que se tenham tornado, ainda assim são simples demais para capturar a ampla gama de variáveis que definem e propelem a realidade econômica mundial”. A cegueira tecnocrática não poderia ser mais bem exposta. Obviamente que a crise tem uma dimensão bancária, mas definitivamente não está aí a sua origem. A origem são os pilares estruturais que geram os gigantescos déficits gêmeos, que não mais poderão ser mantidos. O mundo não aceita mais pagar imposto inflacionário. No artigo não há uma palavra sobre isso, revelando que a elite tecnocrática, como de resto a empresarial, está atônita. O mundo como o construíram está desabando e eles não sabem o que fazer. Terão que descobrir o novo caminho da pior forma.

Em outras palavras, a realidade não é como Greenspan, no seu olhar convencional, pensa. Ele escreveu: “As bolhas nos preços dos ativos se acumulam e explodem hoje como o fazem desde o começo do século 18, quando os mercados competitivos modernos começaram a evoluir. É certo que tendemos a classificar essas respostas comportamentais como não racionais. Mas as preocupações de quem realiza previsões não deveriam se dirigir à racionalidade ou não das respostas humanas, e sim apenas ao fato de que elas sejam passíveis de observação, e sistemáticas. Esta, para mim, é a grande "variável explanatória" ausente tanto nos modelos de administração de risco quanto dos macroeconométricos. A prática atual envolve introduzir o conceito de "vigor animal", como diria John Maynard Keynes, na forma de "fatores de adição". As idéias de Keynes são as que menos podem ajudar, elas que levaram ao beco sem saída atual. As causas da crise são estruturais e o mercado de capitais apenas reflete seus desequilíbrios. Modelos de riscos são brincadeira de criança perto do que terá que fazer o próximo presidente eleito em matéria de impostos, gastos sociais e administração da moeda. O tal “vigor animal” só pode aturar se o ambiente institucional – moeda, gastos públicos, regulamentação – fizer a sua parte.

Economistas de várias escolas pensam que podem eliminar ou minimizar os riscos existenciais humanos pela simples manipulação de modelos. Vã tentativa! Não é possível congelar o futuro ao nosso talante. Sequer fazer previsões sem uma grande taxa de incerteza. Erros elementares na administração da moeda e do Estado não são tolerados pela realidade. Mesmo o gigante do Norte não escapará da lei da escassez, como parecia acontecer em algum momento. Estudar história é uma maneira de se preservar dos mesmos erros das gerações que se foram. Não foi isso que se viu, todavia. A arrogância prometéica de novo tomou conta dos governantes. Os graves conflitos bélicos da primeira metade do século XX foram precedidos de graves crises monetárias. Espero que o padrão, pelo menos este, não seja mantido.

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