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por Jeffrey Nyquist
Um gatinho cego é uma criatura indefesa. Não pode nem sequer fugir. Um gatinho cego é, portanto, a vítima perfeita: fácil de agarrar, de prender, fácil de matar. Em termos de metáfora política, o ditador soviético Stalin descrevia os seus companheiros de crime como "gatinhos cegos". Na persecução pelo poder absoluto ele exigia obediência absoluta, cega e inofensiva dos seus subordinados. Ele não se sentia seguro se lhes permitisse que detivessem poder demais. Assim, ele os exterminava e aterrorizava tal como uma questão de diretriz política. Foi somente em seus últimos dias que Stalin os subestimou.
Em 1952, até mesmo os gatinhos cegos podiam ver que os americanos tinham elegido o general Eisenhower como seu presidente. Este era o mesmo Eisenhower que sutilmente ameaçou usar armas nucleares contra o Bloco Comunista a menos que este cessasse as hostilidades na Coréia. Afinal, por que os Estados Unidos deveriam lutar uma guerra sem fim contra os comunistas quando possuíam superioridade nuclear? Considerando o inesgotável suprimento de soldados chineses, os comunistas poderiam manter a guerra por tempo indeterminado. Isso era inaceitável.
A este respeito, o historiador John Lewis Gaddis observou: "Eisenhower relatou ao Conselho de Segurança Nacional que se a nação tivesse de continuar os gastos com forças convencionais na escala requerida pelo conflito na Coréia, haveria razão para especular 'o que viria primeiro, a bancarrota nacional ou a destruição nacional'". Deste modo, a resolução NSC 162/2 determinava: "Na ocorrência de hostilidades, os Estados Unidos considerarão armas nucleares disponíveis para uso tal como outras munições". Acrescentando, Eisenhower ainda disse que "[as] armas atômicas virtualmente atingiram o status de armas convencionais em nossas forças armadas". No início de 1953, Eisenhower determinou ao seu Conselho de Segurança Nacional (NSC) que considerasse o uso de armas nucleares táticas[1] na Coréia.
Para Moscou, Eisenhower era um "imperialista" assustador. Ele não era alguém para não ser levado a sério. Mais tarde, Eisenhower disse que o perigo de uma guerra nuclear forçou o Bloco Comunista a aceitar o armistício de julho de 1953. Na verdade, o perigo de uma guerra nuclear provocou mais do que apenas o armistício. Despertou uma crise de liderança no próprio Kremlin. Sem saber, Eisenhower havia libertado os gatinhos cegos. Ao ameaçar a deflagração de uma guerra nuclear, Eisenhower voltou-os contra Josef Stalin.
Logo depois que Eisenhower se tornou presidente, o já envelhecido ditador soviético virou-se para um de seus guarda-costas e perguntou: "O que você acha - os Estados Unidos irão nos atacar ou não?" O guarda replicou: "Eu acho que eles teriam medo de fazê-lo". Ao ouvir a resposta, Stalin teve um acesso de fúria. "Suma daqui - afinal, o que é que você está fazendo aqui? Eu não o chamei". Mais tarde, Stalin desejava se explicar e então mandou chamar o guarda. "Esqueça que eu gritei com você", ele disse. "Mas lembre-se apenas disto: eles nos atacarão, eles são imperialistas, e eles certamente nos atacarão se nós permitirmos. Esta é a resposta que você deve dar".
De acordo com testemunhas entrevistadas por Edvard Radzinsky, Josef Stalin queria provocar os Estados Unidos até o ponto de uma guerra mundial. Em fevereiro de 1953, o ditador soviético declarou a seus colegas: "Não temos medo de ninguém, e se os cavalheiros imperialistas estão com vontade de ir à guerra, para nós não haveria momento melhor do que este". Afinal, o Exército Vermelho já tinha sido testado contra a Alemanha nazista. Os oficiais e soldados eram veteranos das maiores batalhas jamais travadas. Stalin explicou aos seus subordinados: "Bombas atômicas são feitas para assustar pessoas com nervos fracos". A mensagem era clara: comunistas não devem ter nervos fracos.
Nada mais natural, é claro, que os subordinados de Stalin não quisessem morrer numa confrontação atômica com Eisenhower. Quando eles expressaram dúvidas quanto a combater os americanos, Stalin os repreendeu severamente: "Como é fácil para os cavalheiros imperialistas intimidá-los! É óbvio que temos que transformar o problema numa questão 'ou isto, ou então...', sem outra alternativa. Ou nós os liquidamos, ou depois de minha morte eles liquidarão a vocês, gatinhos cegos."
Todavia, Stalin havia cometido um erro. Ele se esqueceu de outra possibilidade; ou seja de que os gatinhos cegos pudessem liquidar a ele. De acordo com Radzinsky, em 17 de fevereiro de 1953, Stalin deixou o Kremlin para nunca mais voltar. Nas primeiras horas de 28 de fevereiro, os guarda-costas de Stalin forma dispensados em circunstâncias suspeitas. No dia seguinte, Stalin foi encontrado no chão de seu quarto, paralisado. Foi um derrame cerebral que o derrubou? Ou foram os gatinhos cegos?
Acontece que os "gatinhos" de Stalin discordavam dos seus métodos. De acordo com o controverso desertor da KGB Anatoliy Golitsyn, a estratégia de Stalin de confrontar o Ocidente era uma ameaça à estabilidade do comunismo. As divisões de tanques russas eram de fato numerosas, mas a economia soviética precisava de tecnologia e dinheiro do Ocidente. Em vez disso, no pós-guerra, ainda sob Stalin, a União Soviética encontrava-se economicamente desastrada. Ao mesmo tempo, os países satélites do leste europeu não eram confiáveis. A China estava descontente[2] e a Guerra da Coréia ia mal. Além disso, as pessoas não gostam de expurgos. Elas não anseiam por uma guerra atômica. Elas preferem a sensação de segurança.
De 1947 a 1953, Stalin provocou uma confusão terrível; e os gatinhos cegos tinham de fazer alguma coisa. Primeiro, eles precisavam matar Stalin. Após um intervalo decente, eles tinham que denunciá-lo publicamente. Em seu livro de 1984, New Lies for Old[3], Golitsyn escreveu: "Para evitar um mal-entendido, é útil começar por traçar uma distinção entre anticomunismo e anti-stalinismo e por definir a que ponto a desestalinização é um processo genuíno". Continuando sua explicação, Golitsyn nos relata que Stalin afastou-se dos princípios e práticas leninistas ao estabelecer a sua própria ditadura pessoal e ao liquidar membros do partido que dele discordavam. Em resumo, os métodos de Stalin desacreditaram o comunismo aos olhos dos comunistas.
Para desfazer o estrago, os planejadores de Nikita Khrushchev delinearam uma estratégia de longo alcance, envolvendo um futuro programa de liberalização controlada [Primavera de Praga, o Solidariedade na Polônia, a glasnost, a perestroika, a queda do Muro de Berlim, e o "fim" da URSS]. O socialismo internacional tinha de voltar. Os soviéticos gastaram duas décadas estabelecendo um plantel de "dissidentes" controlados pela KGB. Estes tomariam o poder quando chegasse o momento adequado. O legado de Stalin poderia ser enterrado para sempre, e "socialistas agradáveis e finos" emergiriam durante a futura "crise do capitalismo".
O "mais agradável socialista" de hoje (e um gatinho cego), é o presidente russo Dmitri Medvedev, guindado ao poder pelo Kremlin comandado pela KGB [i.e., por Putin]. Em 15 de julho de 2008, Medvedev declarou aos principais diplomatas da Rússia: "Nós já tivemos o que chega de investimentos ideológicos. Como vocês sabem, eles ocorreram num período anterior e, como resultado, precisamos obter dinheiro com muito jeito... através de vários tipos de mecanismos internacionais...". O que importa, insistiu Medvedev, é a construção de novas alianças, uma ONU fortalecida, a integração energética com a Europa e acordos de segurança com a China. Ao mesmo tempo, o sistema de defesa de mísseis americanos na Polônia não pode ser permitido. Não é uma questão de abandonar o jogo. O jogo continua; apenas a ideologia deve ser colocada de lado. Os americanos devem ser tratados como parceiros ao invés de inimigos (ainda que eles realmente sejam os inimigos porque são "imperialistas").
Certa feita, gatinhos cegos mataram Stalin. Você acha que hoje eles não teriam coragem? De acordo com o jornal Izvestia, os militares russos estão ameaçando enviar bombardeiros nucleares para Cuba. Em reação a isso, o novo comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, general Norton Schwartz, advertiu os russos a não cruzarem um "limiar". De forma humorada, aquele gatinho velho - o adoentado Fidel Castro - disse que Cuba não devia nenhuma explicação aos Estados Unidos. "Silêncio digno" é tudo que os americanos merecem em resposta.
Evidentemente, não haverá nenhum silêncio digno do camarada de miados de Fidel, Hugo Chávez, que tem implorado à Rússia para proteger a Venezuela contra o "imperialismo" americano. Em resposta, o presidente Medvedev disse que as relações russo-venezuelanas são um "fator chave" na segurança da América Latina.
Depois de alguma reflexão, parece que Stalin estava errado a respeito dos seus subordinados. Eles não eram cegos, eles não eram gatinhos e o Ocidente não os liquidou depois de sua morte. Mesmo agora, sua habilidade dissimulatória está se provando eficaz. Tal como Medvedev ressaltou de maneira tão apropriada, a Rússia está construindo novas reservas de força. Talvez 1953 não fosse o ano ótimo para atacar. Conforme escreveu o desertor Golitsyn, num memorando de março de 1989: "Os estrategistas soviéticos contam com uma depressão econômica nos Estados Unidos...".
Se os gatinhos cegos puderam matar Stalin, se puderam denunciar seus crimes, eram totalmente capazes de lidar com o Ocidente. Eles eram rematados dissimuladores, capazes de levar a cabo qualquer estratégia. Sobre este ponto, o mundo deveria ficar certo.
© 2008 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM
[1] NT: Uma arma nuclear tática difere de uma arma estratégica no alcance e, principalmente, na potência destrutiva. As ogivas estratégicas têm sua de potência medida em megatons (o equivalente ao poder explosivo de milhões de toneladas de TNT). As bombas de Hiroxima e Nagasaki eram medidas em meros kilotons.
[2] NT: Tal descontentamento durou apenas até a morte de Stalin. A parceria sino-soviética foi logo reforçada e hoje, a russo-chinesa vai muito bem.
[3] NT: O livro New Lies for Old encontra-se traduzido para o português [Novas mentiras no lugar das velhas] desde 2004. Infelizmente, não encontrou quem o quisesse publicar, quer por simples questões de "mercado", por mera ignorância da importância do assunto ou pior: por autocensura, por medo.
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