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domingo, 28 de setembro de 2008

Evolução e permanência: outras razões cristianíssimas.

Do blog CAVALEIRO CONDE (Conde Loppeux de la Villanueva)
SÁBADO, SETEMBRO 27, 2008


Estranha é a definição com que muitos fazem da chamada“evolução”. Quando este raciocínio é aplicado cronologicamente, ele se torna particularmente corrosivo. Na verdade, o mito evolutivo da história parte do pressuposto de que o tempo tem algum mecanismo auto-regulatório da espécie humana, destruindo os valores e tradições das épocas passadas que não condizem com as conveniências da realidade futura. De fato, este raciocínio também é aplicado à mutação biológica das espécies. Através de um processo de adaptação contínua, alguns seres se tornam inaptos à vida natural e desaparecem, para dar lugar a outros. Dentro dessas crenças, existe um moto perpétuo de modificações de ordem biológica e histórica, em que o homem não é visto como alguém portador de uma natureza própria imutável e atemporal, porém, como uma vítima amorfa destes processos de transformações. Na prática, a única coisa absoluta é o mecanismo de mutação.


Todavia, há um problema sério nessa perspectiva evolucionista. Ela tem um caráter destrutivo, porque não reconhece a herança cultural e histórica acumulada. Quando algumas ideologias afirmam que uma época histórica 
“substitui” a outra, há uma ruptura do processo histórico, uma descontinuidade daquilo que o homem criou através dos tempos. É, em suma, uma filosofia anti-histórica. Certos conceitos evolucionistas possuem as sementes do ódio revolucionário contra as tradições. Não é por acaso que muitas revoluções quiseram destruir os legados do passado em nome de um futuro hipotético “maravilhoso” da humanidade. Quiseram criar uma espécie de “tabula rasa” milenarista de uma época dourada hipotética, ainda que para isso se apagasse toda a memória intelectual, moral, cultural e histórica do mundo. O “progresso”, no sentido moderno e iluminista tal como é entendido, é justamente uma rebelião contra o passado histórico da civilização, em particular, a civilização cristã. É uma revolta mesma contra a realidade e a natureza humana.


Há outra contradição séria na idéia exaltada e futurista do progresso evolutivo da humanidade: 
é que não há parâmetros morais e éticos sólidos ou absolutos para consagrá-la. Só podemos falar em “evolução” dentro de um universo de valores e de uma realidade preexistentes que possam ser aperfeiçoados. Pois dentro dessa mesma realidade, alguns aspectos da natureza se mantêm imutáveis e alguns valores permanecem absolutos. Por mais que haja mudanças aparentes na forma em como a sociedade aborda seus valores, a perspectiva da realidade, a causalidade e conseqüência dos atos e mesmo a boa tradição que a sustenta tendem a permanecer os mesmos, na sua essência. Só há como aceitar a melhora ou evolução da humanidade dentro de atos humanos sublimes de criação ou o aperfeiçoamento do que já existe de bom. Isto porque a boa tradição é que assegura a validade e a consagração destes parâmetros.


Neste caso, existe outro mito tão alardeado pela cantilena revolucionária idólatra do futuro: 
a de que a tradição é refratária ao progresso ou contra a melhora da humanidade. A palavra tradição já está implícita no seu sentido: ou seja, o repasse de experiências, conhecimentos, valores, de gerações a gerações, no objetivo de se preservar uma bagagem cultural, histórica e de conhecimento da civilização. Uma sociedade sem tradições é uma cabeça com amnésia existencial, uma planta sem raízes, uma prataria sem valor real. Porque a tradição, através da solidez da experiência e do conhecimento, aperfeiçoa continuamente a humanidade. Jamais a cultura pode se renovar sem os parâmetros comparativos do passado e do futuro e sem sua interligação histórica no tempo e no espaço. Na verdade, a tradição é uma tensão permanente entre o que foi construído, cultivado e descoberto e o que há para descobrir. A tradição não é válida porque pertence ao passado; não é uma época que a valida. O tradicionalista que eleva o passado pelo passado, peca pela mesma idolatria cronológica revolucionária do progressista. Ela é válida porque seu legado vale para todas as épocas vindouras. Quando se fala de uma tradição ocidental respaldada na cultura judaico-cristã e greco-romana, se está falando de um acúmulo histórico e existencial de experiências que criam nortes para as criações futuras. Da boa árvore, conhecereis os frutos. A negação completa da tradição não somente nega a historicidade dos atos humanos, como destrói a memória cultural da humanidade, já que esta se torna alijada de suas criações através da história. Sem a tradição, a humanidade perderia sua memória e seria incapaz de compreender a si mesma.


Isto porque toda grande tradição histórica que permanece, um dia representou a renovação, a novidade que se firmou no tempo e no espaço. Quando Deus revelou os Dez Mandamentos no Sinai para os judeus e quando Jesus Cristo chegou à Terra para pregar as boas novas, tudo isso era novidade aos homens. E depois se tornou costume, tanto pela prática, como pelo valor. Alguém poderia objetar, afirmando que há costumes ruins que são preservados no tempo. Isso também é verdadeiro. Entretanto, a reflexão histórica da tradição é que faz resguardar valores autênticos e, ao mesmo tempo, abandonar costumes e práticas odiosas em nome dela. O cristianismo aboliu muitas práticas terríveis do mundo antigo, consideradas
“tradicionais”, e, nem por isso, revogou a grandeza da filosofia antiga grega e do direito romano. Mesmo na história cristã, muitas coisas ruins surgiram em nome da Cristandade. Porém, os princípios essenciais do cristianismo foram educativos, no sentido de corrigir ou combater essas distorções muitas vezes imprevistas.


Há outro aspecto que a tradição revela, ainda que não se confunda com ela: 
a transcendência. A busca filosófica, como a busca religiosa, revela, através dos tempos, que a história implica uma continuidade, um estado de permanência, ainda que algumas coisas da natureza pareçam mutáveis. Quando se lê Aristóteles, Platão ou Santo Tomás de Aquino; ou quando se degusta a leitura da bíblia ou de Dom Quixote, existe um componente de identificação de certas questões que permanecem dentro de nosso meio, mesmo que isso tenha sido escrito num passado longínquo e distante. Há nestes pensadores, escritores e obras, uma busca do absoluto, do universal e do eterno. A identificação ou mesmo a rejeição pessoal do que podemos ter pelo passado nos liga a uma continuidade histórica com ele. O acúmulo das tradições, como a valoração do que elas preservam, implica um permanente estado de coisas existentes na realidade e que ganham universalidade, na medida em que são imutáveis no tempo e no espaço. Quem lê Aristóteles ou Santo Tomás de Aquino, em parte, sente os mesmos dramas filosóficos e existenciais que estes. Quem ama a figura do Dom Quixote vê um personagem que se eterniza na existência humana, a do homem iludido e sonhador. E a bíblia, com suas tramas familiares, seus personagens enigmáticos, suas guerras e mesmo os conflitos do povo eleito de Israel sujeito a uma obrigação moral com Deus, implica um reflexo da relação do homem temporal com a eternidade determinada pelos céus. Por mais que a humanidade modifique suas instituições e a expressão formal da cultura, na prática, os dilemas políticos, morais, éticos, filosóficos, continuam parecidos, senão os mesmos. A unidade, harmonia, coerência, revelados na tradição através da historia, acabam nos levando a crer que existe uma ordem superior que coordena toda a natureza das coisas. Os valores do sagrado, por assim dizer, permanecem eternizados, precisamente porque comprovam uma continuidade, uma permanência, uma imutabilidade, uma fé no absoluto. E a tradição é mero canal disso. Há certas características ontológicas do homem e da natureza que são imutáveis. E essa imutabilidade só é possível dentro de um pré-ordenamento do universo vindo de uma inteligência superior, que é Deus.

Interessante observar que uma boa parte da perspectiva política e moral do mundo ocidental foi influenciada pela idéia da imutabilidade de certos valores e atributos da natureza, produto tanto da tradição cristã, como da filosofia greco-romana. A idéia moderna dos “direitos humanos”, indevidamente possuída pelos politicamente corretos cheios de relativismos, só tem substância, de fato, na premissa de que existem princípios invioláveis e imutáveis do direito, no âmbito da natureza e da realidade humana e divina. A vida, a liberdade e a propriedade são sagradas porque existe uma ordem natural inata na realidade que valida a consagração destes direitos. Mesmo a ordem política, pautada nos valores do bem comum e da verdade objetiva, só tivera respaldo autêntico e completo dentro dos valores cristãos da Idade Média. Que a filosofia grega e o direito romano tenham contribuído para esse fim, isso é inegável. Mas foi a associação com a transcendência cristã que deu os critérios teológicos necessários para a legitimação de valores essenciais a uma sociedade política virtuosa. Em outras palavras, o cristianismo medieval colocou o direito romano e a filosofia grega nas alturas. Quando o homem ocidental médio repudia a escravidão, a violência, a barbárie e enaltece a idéia da compaixão, da piedade e do amor pelos fracos; ou quando ele se recusa a aderir à divinização das tiranias, pela idéia dos direitos individuais elementares e irrevogáveis, ele pensa como cristão, ainda que não o seja por confissão. Repudia-se o totalitarismo nazista e comunista e demais aberrações da modernidade, pela visão judeu-cristã tradicional de que somos portadores naturais de direitos e de que a sociedade política visa o bem comum da verdade, da justiça e da concórdia. Essa sorte de direitos é imutável porque é condição necessária a nossa felicidade e existência e reflete a própria realidade mesma, seja no âmbito da natureza como da conduta humana. Por mais que certas sociedades violem a consagração de tais direitos, postergam o princípio básico da justiça elementar vinda dos céus. Direitos são“justos” ou “injustos”, precisamente por há algo além das leis jurídicas que o pré-ordena, um propósito da realidade e da transcendência que assim o determina.

As ideologias totalitárias, como negadoras completas de absolutos na natureza, projetaram criar um homem e uma realidade artificiais, negando a natureza humana e mesmo a realidade tais como elas são. Não é por acaso que elas negam as tradições mais genuínas e as crenças mais absolutas da Cristandade, já que o único absoluto que reconhecem é a gnose da engenharia social, a gnose destrutiva de revogar o que é imutável no homem e no universo. Como o homem do passado e do presente é apenas um 
“atraso”, dentro da concepção evolucionista do futuro, os regimes totalitários acabam devastando o homem real, imutável nas suas qualidades, em nome de um homem fictício, irreal e mutável. O “homem novo” do nazismo e do comunismo é a destruição da humanidade tal como ela é. Os relativismos e os materialismos representam o homem rebaixado à cova e ao desespero do nada. E o totalitarismo que os inspira é uma bota esmagando um rosto humano, na feliz expressão de George Orwell.


Civilização, tradição, transcendência, Cristandade. Legados que permanecem no tempo, a despeito de algumas mudanças, boas ou ruins. No entanto, mudam-se as aparências, e as essências continuam imutáveis. Não se pode falar em 
“evolução”, aperfeiçoamento, sem referências absolutas. Não se pode falar em melhora dos valores e da sociedade, sem sustentáculos morais e éticos autênticos. Não se pode falar em causalidades e efeitos fora da realidade. As concepções evolucionistas do tipo materialista não visam reformular ou melhorar o ser humano. Visam sim, destruir a natureza humana, a sociedade, os valores absolutos e mesmo a memória histórica milenar. Esse é o preço a se pagar pelas revoluções do século XX.

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