Do blog do AILTON REIS
Terça-feira, Julho 24, 2007
PT discute rumos da política continental em encontros camuflados com Chávez, Fidel e até as FARC (FORO DE SÃO PAULO)
Com o fim da guerra fria, o mundo pôde respirar em paz. As tensões entre Estados Unidos e União Soviética, que por décadas causaram angústia generalizada, haviam terminado. Para muitos, a dissolução da URSS simbolizaria não apenas o fim do conflito, mas uma espécie de atestado de óbito do pensamento comunista. A história provou o contrário, transcorridos 17 anos após a queda do muro de Berlim, o folhetim revolucionário recuperou sua força, tendo fortes bases na América Latina, Ásia, e em parte da Europa.
Tal ascensão não é fruto do acaso. Na América Latina, onde já se começa a colher os primeiros frutos, a esquerda se organizou para coordenar e unificar forças, viabilizando sua reestruturação.
O Foro de São Paulo
Em 1990, frente ao colapso da União Soviética, o atual presidente Lula e o líder cubano Fidel Castro convocaram partidos e entidades da esquerda latino-americana para uma reunião na cidade de São Paulo. Além do próprio PT e do Partido Comunista de Cuba, atenderam ao chamado diversos partidos e guerrilhas como o Exército de Libertação Nacional (ELN, Colômbia); as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) da Nicarágua. O evento, que passou a ser repetido em diversas cidades, recebeu o nome de Foro de São Paulo (primeira cidade a sediá-lo).
O início da década de 90 foi péssimo para a esquerda internacional. O desmoronamento da URSS externou o sucateamento do sistema adotado. O Foro de São Paulo constituiu um instrumento fundamental para a reorganização do movimento comunista, contribuindo para elaboração de metas e ações em comum. As FARC, em saudação que enviou à XIII Reunião do Foro de São Paulo, em El Salvador, salientou a importância do Foro: “...É nesse preciso momento que o PT lança a formidável proposta de criar o Foro de São Paulo, trincheira onde nós pudéssemos encontrar os revolucionários de diferentes tendências, de diferentes manifestações de luta e de partidos no governo, concretamente o caso cubano”.
Valter Pomar, secretário de relações internacionais do PT, diz que o Foro de São Paulo tinha como objetivo tático “resistir ao neoliberalismo”. A longo prazo, segundo ele, uma das metas é unificar a América Latina com a construção de uma instituição política supra-continental, com Parlamento e moeda comum.
Quando teve início em 1990, apenas um membro do Foro de São Paulo era chefe de estado, Fidel Castro em Cuba. Atualmente, entre membros e apoiados pelo Foro, existem nove: além de Fidel, há Lula (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Rafael Correa (Equador), Tabaré Vazquez (Uruguai), Michele Bachelet (Chile) e Néstor Kirchner (Argentina).
Controvérsias
O PT afirma que as reuniões são apenas foros de debate, não um sistema de coordenação política internacional. Porém, nas declarações emitidas ao fim de cada encontro, são apresentadas inúmeras resoluções, ou seja, decisões de caráter deliberativo, assinadas por todos os membros participantes. Segundo Graça Salgueiro¹, jornalista independente, estudiosa do Foro de São Paulo e do regime castro-comunista, “o coração e o cérebro do Foro de São Paulo residem no Grupo de Trabalho que se reúne uma ou duas vezes ao ano, com o objetivo de traçar as metas para os encontros anuais do Foro. Essas metas são mais tarde debatidas nos Encontros e de lá saem as resoluções que vão ser postas em prática, em ações coordenadas, por todos os países membros do Foro”.
Alejandro Peña Esclusa², presidente da associação civil venezuelana Fuerza Solidaria, disse que o Foro de São Paulo possui profundas contradições. Segundo ele, o FSP condena “o crime organizado, o terrorismo e o narcotráfico”, porém, omite que entre seus membros fundadores encontra-se as FARC e o ELN, ”organizações criminosas e terroristas que se financiam com o narcotráfico e o seqüestro”. Esclusa afirma ainda que o Foro defende a ‘independência e a soberania’ das nações latino-americanas e, ao mesmo tempo, critica ‘a intervenção estrangeira, a subordinação e o colonialismo’ porém, não diz que o “castro-comunismo exporta sua revolução ao resto do continente e influi notavelmente sobre seus aliados”.
Vale acrescentar que, ao mesmo tempo em que deseja a construção de uma “América Latina e caribenha de soberania, democracia e igualdade”, o Foro de São Paulo presta apoio ao regime Cubano e à guinada autoritária de Hugo Chávez na Venezuela.
Negligência ou auto-censura?
Apesar da grande relevância que possui, o evento é pouco divulgado. O assunto é tratado como tabu pela grande mídia e pelo PT. Em 2005, quando a revista Veja publicou a matéria “Os tentáculos das FARC no Brasil”, acusando o PT de ter recebido cinco milhões de dólares para campanha eleitoral proveniente das FARC, o Foro de São Paulo até chegou a ser mencionado, só que indiretamente,“os contatos políticos entre petistas e guerrilheiros das Farc são antigos. Começaram em 1990, quando o PT realizou um debate com partidos políticos e organizações sociais da América Latina e do Caribe para discutir os efeitos da queda do Muro de Berlim”.
Segundo o presidente da república, é importante manter o FSP longe do domínio púlbico. No discurso que fez em 2005, em virtude das comemorações de 15 anos do Foro de São Paulo, Lula ressaltou que o Foro é um instrumento útil para “conversar sem que parecesse” e sem que as pessoas entendam qualquer interferência política. Exemplificando, ele cita a crise política da Venezuela em 2004, afirmando que graças às relações de Hugo Chávez com o Foro, foi possível chegar a uma solução pacífica, com a elaboração do referendo que consolidou Chávez no governo.
Por trás das câmeras
Em 2005, no XII Foro de São Paulo, o presidente Lula fez um discurso homenageando o evento, que comemorava quinze anos de existência. Confira um trecho do pronunciamento:
“Em função da existência do Foro de São Paulo, o companheiro Marco Aurélio tem exercido uma função extraordinária nesse trabalho de consolidação daquilo que começamos em 1990 quando éramos poucos, desacreditados e falávamos muito.
Foi assim que nós, em janeiro de 2003, propusemos ao nosso companheiro, presidente Chávez, a criação do Grupo de Amigos para encontrar uma solução tranqüila que, graças a Deus, aconteceu na Venezuela. E só foi possível graças a uma ação política de companheiros. Não era uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente. Quem está lembrado, o Chávez participou de um dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi possível construirmos, com muitas divergências políticas, a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela.
Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política.”
Ao mesmo em que confirma a utilização do Foro para ingerência na política interna de outros países (elaborando o referendo que consolidou Chávez no poder, por exemplo), o presidente Lula confessa que toma decisões políticas longe da opinião pública brasileira.
Seu diálogo com os países vizinhos, pautado pelo “companheirismo”, pode trazer prejuízos à nação. Segundo o sociólogo Rodorval Ramalho, da Universidade Federal de Sergipe, “Lula foi completamente subserviente em relação à crise do gás boliviano. Totalmente passivo. O governo dele, outro dia, quebrou a patente de um remédio sem nenhum processo de negociação. Puro jogo de marketing, para dizer que multinacionais não mandam nas nossas políticas. Quando Evo Morales expropriou a Petrobras e nos humilhou, Lula e sua tropa no Itamaraty montaram toda uma estratégia para minimizar o problema. Como não temos oposição no Brasil, ficou por isso mesmo”.
Pressão governamental
Em 2002, numa rara exceção ao silêncio midiático a respeito do Foro de São Paulo, Bóris Casoy interrogou o presidenciável Lula³ sobre o eixo Chávez-Lula-Fidel, tendo como fonte as denúncias feitas pelo professor americano do Hudson Institute, Constantine Menges, e pelo poeta cubano Armando Valladares. O atual presidente, visivelmente tenso, preferiu atacar, dizendo que a denúncia era uma “piada de mau gosto” vinda de um “picareta de Miami” (referindo-se ao escritor cubano). Por fim, aconselhou Bóris a não repetir isso na televisão. O assunto não teve maior repercussão na mídia brasileira e não foi alvo de investigação. Lula ganhou as eleições.
Em junho de 2005, Bóris Casoy afirmou que o governo pressionava constantemente a emissora, pedindo por sua demissão, “no começo da administração do PT, pressionaram a direção violentamente para me tirar da Record. Ameaçaram cortar a publicidade. A diretoria me deixou a par o tempo todo”. Aparentemente, em dezembro do mesmo ano, a emissora cedeu. Casoy foi dispensado da Record onze meses antes do término do contrato. Sua demissão, juntamente com uma reformulação na grade de programação, coincidiu com um aumento de verbas publicitárias do governo. De janeiro a novembro de 2006, a Record recebeu R$ 61,2 milhões em verbas publicitárias estatais. O valor corresponde a um aumento de 12,1% sobre o ano de 2005. O planalto e a rede televisiva negaram na época as acusações de interferência política.
Atentado à soberania nacional
Em julho de 2006, a Venezuela assinou o protocolo de adesão ao Mercosul. Transcorrido um ano, o protocolo aguarda ainda a aprovação do congresso brasileiro e paraguaio. Hugo Chávez cobrou pressa, dando o prazo de três meses para ser aceito ou desistirá do Mercosul. Na mesma declaração, aproveitou para criticar o atual formato do bloco e projetar seu ideal de “integração verdadeira” (integração não apenas econômica). O seu interesse em ingressar no Mercado Comum do Sul é antigo. Em 2004, numa entrevista a um site de extrema-esquerda, Rebelión, o sociólogo comunista Heinz Dieterich, guru de Chávez e Fidel, deu a seguinte declaração:
“(...) O que necessitamos é um salto qualitativo para conseguir a constituição de um Estado regional que é o MERCOSUL ampliado, aprofundado, democratizado com a Venezuela, com Cuba e em uma segunda fase com Evo Morales e com a CONAIE no Equador, que realize a integração o quanto antes nas quatro esferas sociais fundamentais do ser humano: a econômica, a política, a cultural e a militar”.
Segundo Graça Salgueiro¹, o objetivo de Chávez com a ampliação do caráter econômico do Mercosul para as demais esferas, é justamente utilizá-lo como um órgão do Foro de São Paulo no plano político-ideológico (futuramente até no plano militar, criando as ‘Forças Armadas da América Latina’). O Foro de São Paulo discutiu a idéia e, em dezembro de 2005, seu Grupo de Trabalho, na reunião da região Cone Sul, decidiu apoiar a incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul (sete meses antes de Chávez assinar o protocolo de adesão) e ainda propôs a criação de um Parlamento regional, o “que significa que a união econômica e comercial se avança na integração política e institucional”.
O objetivo final é a construção de um bloco integrado, semelhante à antiga URSS, “o que foi Perdido no Leste-Europeu será reconquistado na América Latina” - tese apresentada no primeiro FSP. Para alimentar a proposta, o presidente venezuelano Hugo Chávez está disposto a barganhar com petrodólares, apresentando generosos projetos de criação da Petrosul e da Petrocaribe (venda de petróleo com facilidades financeiras), do Banco do Sul, da Telesul, da Universidade do Sul, dos programas sociais de saúde e alfabetização, e dos convênios bilaterais de cooperação..
Uma única esquerda
As políticas adotadas por Lula e Chávez são diferentes, isso não há dúvida. Contudo, seus metas em longo prazo são, segundo seus próprios partidos e aliados, exatamente iguais. Na resolução final do último Foro de São Paulo (El Salvador, 2007) consta,“a maquinaria político ideológica da direita (...) tenta dividir os governos progressistas em dois grupos: a ‘esquerda moderna’ e ‘a esquerda atrasada’, com a intenção de apagar os muitos objetivos comuns que unem nossos governos e partidos. Essa diferença é falsa e o que existe na verdade é uma diversidade de estratégias que respondem às realidades e condições de luta que existem em cada país”.
Em dezembro de 2002, o sr. Marco Aurélio Garcia (atual acessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República) deu uma entrevista esclarecedora ao jornal La Nacion, em Buenos Aires , “a impressão de que o PT foi para o centro surge do fato de que tivemos de assumir compromissos que estão nesse terreno. Isso implica que teremos de aceitar inicialmente algumas práticas. Mas isso não é para sempre”.
Tomemos mais cuidado com nossas instituições. Pequenas medidas aparentemente inofensivas, como o abortado projeto de classificação indicativa e o projeto de lei que criminaliza a homofobia, podem esconder um viés totalitário. “Chávez é igual a Lula. O Brasil é que é diferente da Venezuela. Resta saber se continuará”, disse o sociólogo Rodorval Ramalho, analisando o assunto.
PT & FARC: amizade criminosa?
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia foi um dos membros iniciais do Foro de São Paulo. Sua atuação em território brasileiro é vasta (e nefasta). Além de montar bases estratégicas para o tráfico de drogas e armas na selva amazônica, as FARC ensinam táticas de guerrilha urbana para soldados do PCC e Comando Vermelho, em território paraguaio, segundo o juiz federal Odilon de Oliveira. A relação entre PT e FARC é antiga, confira alguns fatos:
* Em 2001, comandantes das FARC foram recebidos em Brasil pelo então governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra (PT). Os líderes das FARC foram honrados e aclamados durante o I Foro Social Mundial. Na ocasião, deputados da assembléia do Estado de Rio Grande do Sul protestaram. Olívio Dutra foi, de 2003 a 2006, Ministro das Cidades do governo Lula.
*Ainda em 2001, no X Foro de São Paulo, uma resolução classifica como ‘terrorismo de estado’ a repressão do governo boliviano às guerrilhas locais (FARC e ELN), e ratifica ainda a “legitimidade, justeza e necessidade da luta” dessas organizações.
* Em 2003, o presidente Lula recebeu carta de felicitação das FARC por sua eleição a presidente.
* Em março de 2005, Veja relatou um encontro entre militantes petistas e representantes das FARC, no qual o ‘padre’ Olivério Medina teria prometido o repasse de cinco milhões de dólares para a campanha eleitoral petista de 2002. O envio do dinheiro não foi comprovado. A revista faz alusão ao início do relacionamento entre petistas e as Farc, mas esquece de citar o nome da entidade: mais uma vez, Foro de São Paulo. As FARC, assim como o PT, foi uma das organizações fundadoras do evento.
*Em agosto de 2005, a Polícia Federal prendeu Olivério Medina, representante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Sua prisão foi a pedido do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Ele atendeu uma solicitação do governo da Colômbia que acusa Medina de homicídio e terrorismo, além de suas ligações com as FARC.
*Em setembro de 2005, integrantes do PT, PSOL, PCB, PCdoB e UNE se mobilizaramm para evitar a extradição para a Colômbia de Francisco Antonio Cadenas Collazzos, conhecido como Olivério Medina.
*Em julho de 2006, o Comitê Nacional para Refugiados reconheceu a condição de refugiado político para o colombiano Francisco Antonio Cadena Colazzos, conhecido Olivério Medina.
*Em dezembro de 2006, o presidente Lula recebeu carta de felicitação das FARC por sua reeleição a presidente.
*Em março de 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) negou o pedido do governo comlombiano de extradição do ex-padre Olivério Medina, integrante das FARC, arquivou o processo contra ele e revogou a sua prisão domiciliar. Em abril, as FARC enviaram uma carta ao governo Lula congratulando-o e agradecendo pela decisão.
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Referências:
1- O Mercosul e o Foro de São Paulo (Graça Salgueiro)
2- As graves contradições do Foro de São Paulo (Alejandro Pena Esclusa)
3- Entrevista com Bóris Casoy (trecho)
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