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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

POR QUE LER ORTEGA Y GASSET

Do portal do NIVALDO CORDEIRO
12/08/2008

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Eu não leio Ortega por mero gosto, embora o filósofo espanhol seja talvez o mais refinado escritor que eu já tenha lido, usando uma prosa que tangencia a poesia e mais das vezes escreveu poesia em prosa. Nem pelos temas, tão variados e tão candentes. E nem pela sofisticação, que sobra no escritor. Nem mesmo sua fabulosa análise dos fatos históricos de seu tempo de vida, tão diáfanos diante de seus olhos, é o motivo. Tudo isso é muito importante, mas empalidece em face do que é realmente fundamental no filósofo celtibero: sua necessidade vital para que os homens conscientes de hoje possam pensar e agir na realidade. Quero aqui explorar essa razão vital orteguiana. E esta é pura atualidade.

Leio Ortega por instinto de sobrevivência. Sua obra é uma bóia salva-vidas para o náufrago que me sinto, largado em pleno oceano revolto. Abrir seus livros é refrescar os pulmões, um jato de ar fresco para quem está quase afogado. E aqui quero me referir ao tema que o tornou mundialmente famoso: a rebelião das massas. Se, a seu tempo, esse fenômeno era o que emergia e apavorava, o mesmo podemos dizer dos dias de hoje com muito maior gravidade. Lembremos que Ortega começou a escrever sobre o assunto no livro ESPANHA INVERTEBRADA (1923), na verdade o tema já estava no livro inaugural, MEDITACIONES DEL QUIXOTE (1914). Atentemos para as datas: a Primeira Grande Guerra, o comunismo na Rússia, os loucos Anos Vinte. Em 1930 veio a público o livro A REBELIÃO DAS MASSAS, em véspera de Hitler chegar ao poder e de vir a barbárie que viria, a ação (rebelião) do homem-massa tão temida por Ortega.

À época o Brasil era um mero coadjuvante no cenário internacional e ainda não tínhamos essa figura distinta por aqui, o homem-massa, como o elemento hegemônico na sociedade e na política. É bem verdade que ele já estava aqui, gestando no PCB, no meio dos anarquistas e no embrião positivista do Estado. Hoje sua presença está consumada na estrutura de poder. Definitivamente, o fenômeno que Ortega viu na Espanha e na Europa mundializou-se, junto o Brasil. Lula é a expressão mais acabada desse processo e o PT a organização política que levou às últimas conseqüências a arte de cortejar o homem-massa por aqui. O Brasil entrou em decadência antes de chegar à civilização.

O grande perigo que Ortega via no homem-massa é que ele deixou de ter passado, ignorando as fontes da civilização. Perdeu o senso do real. Ficou incapaz de incorporar a história ao presente. Perdeu o sentido da “razão histórica”. E a história é a própria vida, o que torna o homem humano, distinguindo-o das bestas. O homem-massa tornou-se o “senhorito satisfeito”, o herdeiro da civilização que nada pagou por ela e que não tem compromisso com seus fundamentos. Esse verdadeiro garoto mimado da história humana usa as ferramentas da civilização sem os freios civilizacionais, e duas delas são especialmente caras e perigosas: o Estado e a técnica.

O Estado foi criado como o instrumento de eliminação do caos, pressupondo o exercício da Justiça e da moral mais elevada pelos governantes, ao lado do legítimo exercício da força. O gênio de grandes homens o instituiu na origem como uma coisa divina, uma aquisição transcendental. Perseguia-se na lei positiva a expressão da lei natural. O que vemos agora? O contrário de tudo isso. A lei agora é utilizada para a regulamentação do que é mais nefando e, pior, para a escravização dos homens e para a eliminação do que pode haver neles de egrégio. Não se admite nada fora da média. Essa é uma das razões porque se persegue obstinadamente a igualdade da distribuição de renda: é o emblema mais acabado do império ideológico do homem-massa. Igualdade para todos, em tudo, bradam as massas. O comunismo é o ideal mais desejado. A lei deixou de proteger as minorias, conspira agora contra elas e, por vezes, elimina-as. Ser cristão, por exemplo, tornou-se algo bastante perigoso no mundo se hoje.

Os Estados viraram predadores de seus próprios súditos, com suas cargas tributárias inviáveis, com suas regulações incumpríveis e sua polícia onipresente. As prisões andam abarrotadas. O Ocidente, que sempre praticou e ansiou pela liberdade, que a exportou para todos os rincões da Terra, hoje se vê na contingência de copiar o modo do Oriente, de viver sem liberdade. A ferramenta “Estado”, criada pelo homem, voltou-se contra seu criador nas mãos do homem-massa. De instrumento de libertação do caos virou instrumento de escravidão, de reimersão no caos.

A outra ferramenta é a técnica, filha da filosofia e das ciências. A técnica minimizou os riscos existenciais e deu riquezas nunca antes imaginadas. O homem-massa pensa que as técnicas lhe chegaram como vem o ar, como uma dádiva. E esquece que o mesmo compromisso que gerou o Estado gerou as técnicas: o compromisso da ética. Ao se esquecer de como as coisas foram geradas no processo histórico, o garoto mimado da história usufrui sem compromissos. Ao fazê-lo, vemos a técnica se colocar contra o criador e virar também um instrumento de escravidão: consumo compulsivo, controles, bombas (atômicas inclusive), meios de destruição de massa. A caixa de Pandora foi reaberta pelo homem-massa triunfante no comando da técnica.

Ler a obra de Ortega é atentar para tudo isso e perceber o grande perigo em que vivemos. Mas Ortega não poderia ver que o homem-massa aprendeu no processo. Sua maldade conseguiu ser maior do que sua estupidez. O filósofo temia a ação direta, o instrumento por excelência daqueles tempos. As massas duelavam em plena rua, com suas bandeiras fascistas, nazistas e bolchevistas. De certa forma, esse instrumento continua, sendo o Estado a sua alavanca. Os sistemas tributários e as múltiplas polícias, por exemplo, serão certamente sua forma mais ostensiva de atuação. Mas enquanto Ortega escrevia outro sujeito também o fazia, na prisão: Gramsci. Este destilou o veneno mais fantástico para a ação das massas, ensinando a tomada do poder pela tomada homeopática do Estado. O Brasil será talvez o locus onde esse processo, substituto da ação direta, alcançou madurez. Assumiram o poder de Estado sem disparar um só tiro e as instituições foram postas à mercê do senhorito satisfeito sem qualquer violência. Um caso exemplar!

Compreender Ortega é o ponto de partida para o enfrentamento da situação de perigo.

O antídoto contra o homem-massa é o homem diferenciado, egrégio, aquele que cultiva a história e a filosofia.

Aquele que conscientemente se treina para a liderança, que, com coragem, vai duelar contra as idéias coletivistas onde elas forem pregadas. Esse ser egrégio não duela por vaidade ou por esporte, mas por instinto de sobrevivência. A história ensina qual o caminho que o homem-massa escolhe, qual o destino reservado àqueles que o seguem. No fim será sempre destruição e morte, antes passando pela escravidão. Ler Ortega é um acordar para esses perigos, talvez por isso sua filosofia esteja novamente entrando na moda, vez que vivemos tempos de grandes perigos. É como um remédio amargo para a doença terminal, aquele que dá uma esperança. Mas é amargo ainda assim. Despertar é viver, despertar para continuar vivo.




2 comentários:

  1. Caro Cavaleiro do Templo. Deus tem sido bom comigo, pois me fez amar a filosofia e a leitura desde a mais tenra idade. Tendo os condicionamentos sociais e uma certa mentalidade da época me impedido de ser conduzida a algumas leituras certas, para me alimentar e aos meus próximos nos trágicos tempos que estamos vivendo e os vindouros, sinto que este é o momento de recuperar o sentido maior dessa resistência. Muito agradeço a publicação desta análise sobre Ortega y Gasset. Achava importante recuperar sobretudo Aristóteles. Acho ainda. Mas, pelo que vi, Ortega y Gasset deve tornar-se ferramenta de sobrevência. Menos mídia, mais livros...
    Acho que, materialmente, com a fome de todos nossos bens que o Estado está tendo, logo nos tornaremos miseráveis. Assim acho.
    Mas, além de Deus, procurava um ponto de apoio humano que nos lembrasse a cada momento de dificuldade que somos humanos e não massa. É essa leitura que poderá ser nosso ponto de apoio. Saboreada a cada momento. O autor expressou em todas as linhas do artigo o que eu sentia. Como ser feliz em Babilônia?

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  2. Este então é essencial, análise ABSURDAMENTE FANTÁSTICA ao meu ver:

    http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2008/07/dissoluo-do-ocidente-uma-introduo.html

    E tem o blog do Angueth, http://angueth.blogspot.com, de onde tirei o artigo acima.

    Abraços, sempre em frente
    Cavaleiro do Templo

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