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segunda-feira, 21 de julho de 2008

O RISCO DE SER SUSPEITO

Do portal FAROL DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Jacy de Souza Mendonça

Livre-Docente de Filosofia do Direito, foi professor da PUC/SP, Diretor de Recursos Humanos e Jurídicos da VW, Presidente da ANFAVEA, Vice-Presidente da FIESP e Presidente do Instituto Liberal de Sao Paulo.

Orientando os legisladores de todo o mundo, com a preocupação de assegurar a máxima proteção jurídica ao cidadão em face de seus governantes, prescreve a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS que ninguém será preso arbitrariamente (item IX) e, por isso, todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente, até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa (item XI).

A Constituição da República Federativa do Brasil repetiu as mesmas disposições afirmando que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal (art. 5º, LIV), que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI) e que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV).

São, sem dúvida, regras fundamentais, essenciais à proteção do cidadão, que não devem nem podem ser esquecidas em momento algum; por não terem sido levadas em conta, conheceu a História uma série infindável de brutais injustiças, verdadeiros crimes praticados pelos poderosos contra seus súditos.

Nossa legislação infra-constitucional prevê, todavia, algumas modalidades excepcionais de prisão. Descarte-se, por não serem pertinentes a esta reflexão, a prisão disciplinar militar, bem como a prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel. Concentremo-nos na figura legal da prisão provisória.

Provisória é a prisão quando e porque não resulte de sentença final irrecorrível, transitada em julgado, mas de situação ou de decisão intercorrente. Em caráter provisório, por exemplo, pode o cidadão brasileiro ser legalmente preso por qualquer um de seus concidadãos, antes de condenado e mesmo antes de processado, e deve ser preso pela autoridade, quando surpreendido em flagrante delito. Pode ser também preso em caráter preventivo, mas agora só por determinação judicial, em duas circunstâncias fundamentais: em primeiro lugar, quando o juiz decide que os dados do processo recomendam submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri – como ele deve necessariamente estar presente à sessão de julgamento, fica provisoriamente preso até sua realização; em segundo lugar, pode haver prisão provisória do acusado quando o juiz entender que há razões graves que recomendam mantê-lo na prisão. Nesse sentido, o Código de Processo Penal Brasileiro prescreve que, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal (art. 311), em despacho fundamentado (art. 315), nos casos de crimes dolosos (art. 313), poderá ser decretada a prisão preventiva do suspeito, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria (art. 312).

Está claro que, se a prisão em caráter definitivo precisa estar cercada de cautelas extremas, o mesmo rigor – e até com acréscimos – deve ser adotado na execução de sentença determinante de aprisionamento provisório. Por isso a lei brasileira exige prova da existência do crime e indício suficiente da autoria, acrescidos à finalidade de garantia da ordem pública ou econômica, de conveniência da instrução criminal e de segurança da aplicação da lei penal. A prisão provisória não pode, pois, ser decretada sem motivos legais expressamente delimitados ou por mera vontade ou mero capricho de quem quer que seja; nem faz sentido fazer com que ela venha a emergir do difuso querer das massas.

Note-se que a exigência de determinação judicial para a emissão da ordem de prisão não significa dependência à decisão de um ou de qualquer juiz, mas ao sistema judiciário, consideradas todas as suas instâncias. A ordem de prisão expedida por um juiz pode ser submetida à reapreciação de outro que lhe seja hierarquicamente superior.

Mas, apesar de tão grave o risco embutido em qualquer ordem de prisão, é freqüente o anseio popular pela prisão de suspeitos ou acusados pela prática de delitos. Talvez isso decorra da reconhecida morosidade do processo judicial, que realmente chega muitas vezes à impunidade. Mas as questões relativas à morosidade e eficiência do Poder Judiciário devem ser tratadas em si mesmas. Normalmente, resultam de leis que, ao serem promulgadas, levaram em conta tão só a proteção e os interesses dos réus. A eles foi assegurada, então, uma pauta infinda de recursos que provoca o abarrotamento das mesas dos magistrados e gera o interminável dos processos. Esses erros precisam ser corrigidos, mas jamais ao preço da liberdade dos cidadãos.

A mídia tem sido levada a exigir condenações à prisão, até prisão perpétua ou pena de morte, no exato momento em que é descoberta ou revelada a prática de um delito. Condenação, portanto, antes da sentença, antes do processo.
O anseio pela imediata condenação decorre, muitas vezes, do fato de tratar-se de réu confesso (o que parece dispensar o processo e a sentença), mas mesmo neste caso devem ser preenchidos todos os requisitos legais para a decisão pela restrição à liberdade. Outras vezes ele resulta do impacto causado pela monstruosidade da forma de execução do delito ou de suas conseqüências, o que, da mesma forma, não é bastante para a prisão provisória.

É natural também que a autoridade policial, no afã de concluir sua tarefa, pretenda decisões imediatas e entre também na corrente que anseia pela condenação sem condenação judicial nem processo. Muitas vezes, embora não defina nem comprove satisfatoriamente o crime praticado, exige ela a condenação, pelo simples fato de haver um presumido suspeito, quando a única coisa que pode ser presumida é sua inocência.

O risco da aceitação de prisões sem processo e condenação, no entanto, tem proporções alarmantes porque, a partir dela, ficam abertas as portas da injustiça e escancarados os portões das arbitrariedades e atrocidades.

A sabedoria popular tem repetido que é preferível não punir inúmeros culpados a condenar um inocente e quem quiser fazer o teste definitivo da correção desta afirmação, ponha-se no lugar de um suspeito e reflita sobre se aceitaria ser condenado e preso sem prova, sem processo, sem crime... apenas por ser suspeito.

Todas estas considerações desembocam na absoluta necessidade de combater a criminalidade. Não podemos nem devemos nos conformar com a impunidade. O que devemos é buscar com todas as forças que os fatos delituosos sejam eficazmente investigados, que o ocorrido seja suficientemente comprovado e que os envolvidos sejam responsabilizados na forma da lei; o que devemos é exigir que os processos tramitem de maneira mais rápida e eficiente, eliminando tudo o que impede que isso ocorra; o que devemos esperar é que os culpados sejam punidos, sem privilégios e independentemente de sua posição sócio-econômica.

Mas o ponto de partida desse projeto encontra-se no Poder Legislativo, que não quer legislar.

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