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quinta-feira, 31 de julho de 2008

O HOMEM-MASSA NO PODER

Do portal do NIVALDO CORDEIRO
Por Nivaldo Cordeiro em 28/07/2008

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Na noite do último sábado eu tive o privilégio de assistir ao concerto de encerramento do 39º FESTIVAL INTERNACIONAL DE INVERNO DE CAMPOS DO JORDÃO. Já bastante tradicional, o evento, que ocorreu em auditório ao lado do Palácio de Inverno do governador do Estado de São Paulo, é bancado, em grande parte, por verbas públicas. A orquestra, composta basicamente por jovens músicos bolsistas, foi regida pelo octogenário maestro Kurt Masur e não era ele apenas que fazia o contraponto com seus jovens músicos.

Na platéia muita gente conhecida, integrante da elite econômica e política de São Paulo, gente que foi ali para ver e ser vista, como é da regra nesses eventos, e não pelo espetáculo musical em si. No programa a majestosa Nona Sinfonia, de Beethoven, considerada por muitos a composição mais bela de todos os tempos. De fato, essa música é capaz de elevar a mais endurecida alma aos cumes do prazer estético. Foi um raro privilégio estar ali.

Na platéia também estava o governador José Serra. Discreto, vestia roupas simples, sem gravada e com camisa que lembrava o indefectível jeans, o uniforme do homem-massa contemporâneo. Não pude deixar de lembrar-me do filme O SEGREDO DE BEETHOVEN, da diretora polonesa Agnieszka Holland. Nas cenas finais do filme podemos ver a estréia da peça em Viena, diante da nobreza e dos governantes principescos. Talvez o compositor nunca imaginasse que um espetáculo solene, em que sua música estivesse no programa, viesse a ter um governante assim trajado, de forma bastante inadequada para o evento e em contraste singular com muitos da platéia. Contraste ainda maior com o maestro, envergando a indumentária tradicional, e seus músicos, todos vestidos a rigor. Não preciso lembrar que, na recriação do filme, o mais elegante na platéia da estréia era o governante e não o maestro.

Mas o governador, pelo menos, entrou mudo e saiu calado, mesmo tendo recebido algumas chochas palmas. Evitou um comício desnecessário. Pior mesmo foi o secretário da Cultura, João Sayad, que representou o poder constituído na solenidade. Subiu ao palco em mangas de camisa, sem gravata e envergando uma calça de jeans desbotada, o emblema mais característico do homem-massa, usando sua indefectível barba por fazer, outro emblema dos intelectuais militantes, os sacerdotes do deus-Estado que governam em nome da massa. Que contraste! Nada poderia ser mais plástico para representar os tempos de hoje: um homem-massa governante, vestido a caráter. Um “intelectual” no poder. Sayad parecia um centauro barbudo, metade homem, metade bicho, quer dizer, homem-massa, que é a besta ela mesma.

A figura apequenada do secretário de Cultura estaria mais adequada, com o seu traje, em algum festival de música pop ou mesmo de funk. Diante daqueles músicos solenes, daquela platéia sofisticada e da música celestial de Beethoven foi um despropósito só. Quando a figura majestosa do maestro Kurt Masur adentrou ao recinto é que o contraste ficou mais acentuado. A digníssima figura do velho artista, absolutamente de acordo com o momento, a música a ser regida, o recinto, a platéia e tudo mais, ofuscou os representantes dos homens-massa tornados governantes, ali presentes.

Quando a massa se eleva a primeira coisa que a distingue é a deselegância, a incapacidade de ter bons modos ao vestir-se e ao falar. O idioma ficará irremediavelmente corrompido, assim como os modos. A decadência pode ser percebida até mesmo nas salas de concerto, um dos recintos mais tradicionais, como bem pude testemunhar.

Meu caro leitor, nem tudo está perdido, todavia. Pior mesmo se, ao invés dos governantes, fossem os jovens músicos a vestir jeans. Aí tudo estaria irremediavelmente desesperançado. O poder pode ocasionalmente perder a majestade, não a música de Beethoven e as orquestras que o honram. Entendo que é mais fácil mudar os governantes do que os usos dos artistas eruditos, pois estes têm pudor estético. Menos mal.

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