por Alexandre Barros
Política é fascinante, não pelo que se sabe que vai acontecer, mas, sobretudo, pelo que não se consegue antecipar.
Durante anos o discurso dos políticos era o de que eles iam melhorar a vida dos pobres. Inúmeras políticas foram feitas em nome disso. Algumas úteis. A maioria, desperdício, porque o dinheiro não chegou aos pobres - comida que foi, no meio do caminho, por políticos desonestos e burocratas honestos, encarregados de distribuir o dinheiro. Em troca de um bom salário, é claro.
O caso é que, pelo menos desde a década de 1950, ocorreram coisas aparentemente desordenadas: uma indústria nacional montada a elevadíssimo custo, uma ampliação da educação (mesmo que sem muito controle de qualidade, o que ficou claro era que melhor era que as pessoas tivessem alguma educação do que nenhuma); a decadência do ensino público e o crescimento da oferta do ensino privado, controlado pelo mercado; a montagem de uma infra-estrutura feita, basicamente, pelos governos militares, por razões militares; a montagem de uma rede de telecomunicações nacional, a instalação de uma indústria aeronáutica e a abertura comercial iniciada em 1991.
A lista é maior, mas vou ficar por aqui. O curioso dessa lista e do que não coloquei nela, por falta de espaço, é que ela não foi obra dos políticos, como um todo. Foi obra de alguns personagens, individuais ou coletivos, que tomaram decisões para satisfazer as suas necessidades específicas.
Juscelino queria reeleger-se. Os militares queriam um Brasil poderoso. Collor queria mais liberdade de consumo. E o PSDB queria reformar o País. Cada um fez um pouco do que queria, por razões privadas, e poucos efeitos dramáticos eram vistos como resultado de cada uma dessas políticas. Só que, independentemente do desejo de cada um dos atores que protagonizaram ou implementaram essas decisões, seus efeitos se foram acumulando, mas, ainda assim, eram pouco visíveis.
O fusível que detonou os efeitos cumulativos de todas essas políticas e tornou a mudança visível foi a continuada política antiinflacionária e o aparente milagre da queda dos juros. De repente, os efeitos sobre os quais muito pouca gente refletia se acumularam e desaguaram como se se rompesse uma barragem: com dinheiro que pouco se desvaloriza e crédito farto, os pobres entraram no mercado de consumo para valer.
Aí apareceram vários nós, especialmente nas áreas controladas pelo Estado e pelo governo, que não mudaram quase nada nesse período. Os setores que menos nós tiveram foram os privatizados mais cedo: telefonia, mineração, indústria aeronáutica, indústria automobilística e rodovias (só as privatizadas). Os nós foram maiores e mais embaraçados nos setores em que o Estado não só permaneceu, como pouco ou nada fez: saúde, educação pública, transportes urbanos, rodovias não-privatizadas, transporte aéreo e infra-estrutura.
Povo consome e pessoas se esquecem de olhar que o milagre da multiplicação dos pães só pôde ocorrer quando entrou nisso tudo um ingrediente essencial: dinheiro estável e barato.
Penamos ainda durante o governo passado e no primeiro mandato do atual presidente, até que o milagre apareceu.
Os aeroportos e as companhias de aviação não davam mais conta de tanta gente querendo voar. As ruas pararam de dar conta de tantos carros novos (e usados), cujos donos queriam ir para o trabalho ou passear. Os sistemas de transporte de massa não davam mais conta das pessoas que precisavam chegar ao trabalho, porque agora tinham emprego.
Em resumo, tudo o que ficou por conta do capitalismo se resolveu - ou porque o capitalismo era dinâmico, ou porque algum político ou burocrata se distraiu e deixou o capitalismo funcionar.
Enquanto isso, socialistas e estatistas continuavam a tentar vender aos pobres a idéia que eles tinham de ter muita consciência crítica e aspirar ao paraíso socialista (que, claramente, não incluía consumir os malditos bens capitalistas), composto de péssimos serviços de saúde, educação e segurança, mal prestados ou não prestados.
O mais curioso é que o atual governo, não se sabe bem por que (eu, pelo menos, não sei), mas talvez por distração ou coincidência, acreditou que uma política monetária austera iria melhorar a situação. E melhorou: agora o presidente chama a atual inflação de inflação boa, porque os pobres estão comendo melhor.
Não vou discutir os discursos de Sua Excelência, mas o mais curioso é que ele e seus bem remunerados burocratas, mais os 513 senhores e senhoras que se reúnem na Câmara dos Deputados e os 81 no Senado, insistem em dar ao povo mais do mesmo: o que não deu certo.
Criam mais algumas dezenas de universidades públicas condenadas ao mau ensino e à ineficiência. Tentam passar uma lei para financiar uma saúde mal produzida pelo Estado e provêem uma segurança em que todos confiam mais no guardas privados do que nas polícias estatais. E o presidente do STF, quando vai ao Rio de Janeiro, tem um carro blindado, confortavelmente alugado com o nosso dinheiro. Melhor que ele não sinta os efeitos do milagre.
Bem-vindos ao Brasil novo, em que os pobres ficaram ricos e o governo não aprendeu que tudo o que deu certo foi resultado do capitalismo. Mas, ainda assim, não acredita no que vê e ainda acha que o estatismo vai dar certo.
Tinha razão Milton Friedman quando disse que, como o governo não produz nada, apenas repassa o dinheiro que tira de quem paga imposto, não importam nem o preço pago nem a qualidade do serviço, porque, afinal de contas, ele gasta o dinheiro dos outros, supostamente em benefício dos outros.
Bem-vindos ao país em que os pobres enricaram. Preparem-se: eles gostaram. Daqui para a frente quererão mais.
Alexandre Barros é pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação do Centro Universitário (Unieuro), de Brasília E-mail: alex@eaw.com.br
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