Por Olavo de Carvalho em 26 de junho de 2008
Qual a maior causa de violência, morticínio, opressão e tirania que já se conheceu ao longo de toda a História humana?
Se fizermos essa pergunta ao cidadão comum, as respostas mais freqüentes apontarão o desejo de riquezas, a paixão nacionalista, o expansionismo imperialista, o fanatismo religioso ou ideológico, os preconceitos de raça etc.
Todas essas causas mataram pessoas e oprimiram povos, mas não o fizeram sempre.
1) Desejar riquezas não é o mesmo que extorqui-las à força; na maior parte dos casos esse desejo não só se realiza por meios inofensivos, mas ele precisa da paz e da ordem jurídica para alcançar suas metas. Não pode ser pura coincidência que os países mais ricos e prósperos sejam os menos agressivos e os mais democráticos. Também não pode ser mero acaso que jamais tenha havido uma guerra entre duas democracias capitalistas.
2) Todos os povos têm alguma paixão nacionalista, mas só um número pequeno dentre eles agride seus vizinhos em nome dela. Na maior parte dos casos, o nacionalismo exprime-se por meios culturais perfeitamente incruentos, isto quando não é apenas uma reação passiva de autodefesa psicológica contra ameaças de fora.
3) O fanatismo religioso, especialmente islâmico, é bastante demonizado pela mídia, mas, se somarmos o número de vítimas que ele fez desde o início do século, veremos que é irrisório em comparação com as mortes causadas pelas ideologias anti-religiosas. Na modernidade, o fanatismo religioso pode ser causa de conflitos, mas não de genocídio. Apontá-lo como tal é um chavão midiático sem nenhuma base na realidade.
Mesmo as guerras de religião que sacudiram o Ocidente e o Oriente desde a Antigüidade até o fim da Idade Média não produziram um número de vítimas que se comparasse aos das guerras e revoluções modernas sem causa religiosa.
4) O racismo, por fim, parece uma resposta adequada, por estar entre as causas da II Guerra Mundial e do Holocausto. Mas por que, entre tantos racismos que existem no mundo, um único chegou a desencadear uma catástrofe dessas proporções, enquanto os outros produziram somente efeitos locais bem mais modestos, isto quanto não se limitaram a cristalizar-se num estado permanente de hostilidade incruenta entre grupos raciais, tomando a forma da discriminação, do preconceito etc.? Em vez de confundir a parte com o todo, explicando a barbárie nazista pelo “racismo”, é preciso perguntar justamente o que o racismo alemão tinha de diferente dos outros racismos, para que chegasse a produzir resultados tão descomunais.
5) A expansão imperialista causou guerras, revoluções e repressões, mas muitas vezes – a maior parte delas – conseguiu realizar-sepor meios comerciais e culturais inofensivos, não raro levando a paz e a ordem a regiões conturbadas.
Cada uma dessas respostas resvala na verdade mas não chega sequer a tocá-la. Cada um dos fatores apontados pode produzir violência, morticínio, opressão e tirania, mas não o faz sempre ou necessariamente, não o faz por um movimento autônomo, pela mera exteriorização da sua dialética interna, e sobretudo não o faz sem a intervenção de um outro fator, geralmente não mencionado na lista dos demônios populares. Esse fator não só investe os outros de uma força mortífera que eles não têm por si próprios, mas ele por si mesmo, agindo sozinho e com pouca ou nenhuma ajuda deles, pode produzir e tem produzido os mesmos efeitos letais que produziu ao fundir-se com eles.
A maior causa de violência, morticínio, opressão e tirania é a crença de que é possível inventar um futuro melhor para toda a humanidade ou para uma parte significativa dela e realizá-lo através do poder político (C.T. - na "mudernidade" leia-se SOCIALISMO/COMUNISMO. Leiam este artigo que fala do que está nos arquivos da antiga URSS sobre as mortes "do outro lado do muro".). Sem somar-se a essa crença, nenhuma das causas antes mencionadas teria um milésimo do seu potencial mortífero. Sem a promessa utópica, não atrairia multidões de militantes. Sem a concentração do poder político, não teria meios de ação. Poder concentrado em torno de uma promessa de futuro: eis a fórmula infalível do genocídio.
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