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terça-feira, 6 de maio de 2008

O definhamento do estado de direito

Do portal do DIÁRIO DO COMÉRCIO
João Ricardo Modeste e Ives Gandra da Silva em 02 de maio de 2008

As promessas da Constituição de 1988 não se realizaram. A expectativa de um Estado Democrático de Direito ficou paralisada, pois somos menos um Estado de Direito que Democrático. A solidariedade tornou-se ideologia e expressão do ódio dissimulado. A independência dos poderes vem sendo atropelada pela fúria do Executivo federal.

Os resultados não têm correspondido às intenções, possivelmente em razão de algumas delas serem inconfessáveis e criptografadas. A Constituição Cidadã tornou-se uma ante-sala da "República Bolivariana do Brasil", tragicômica versão da "Revolução Comunista Bolivariana". O governo Lula é uma hidra à espera de um Hércules. Uma de suas sete cabeças é a cabeça de Lênin. Do Lênin de O Estado e a Revolução , de 1917. Essa cabeça prega o definhamento do Estado de Direito como etapa do aniquilamento do "Estado Burguês" enquanto expressão máxima da plena democracia. A substituição do Estado Burguês pelo Estado Proletário não é possível sem Revolução Violenta , afirma Lênin (p. 27), prefaciado por Florestan Fernandes ( Editora Hucitec, São Paulo, 1978 ), para quem a reedição do livro educará as classes trabalhadoras para a "Ditadura do Proletariado": A reedição surge em um momento propício: a pressão operária e o protesto sindical situam à nova luz a questão do espaço político democrático no seio de uma sociedade capitalista relativamente subdesenvolvida e dependente. (...) A divulgação de 'O Estado e a Revolução' é extremamente necessária em um momento como esse, no qual o avanço operário colide com as contrapressões vindas tanto das 'ilusões constitucionais', quanto das 'manipulações populistas'. Concebido como arma de luta, (...) que ele instrua os trabalhadores, os líderes sindicais e a juventude contestadora sobre as limitações do sufrágio universal, as debilidades intrínsecas da democracia constitucional e representativa, o caráter opressivo e repressivo da República democrática, a necessidade da Revolução Violenta. (...) O proletariado deve primeiro conquistar o Estado Burguês para, em seguida, transformá-lo e destruí-lo (p.XVIII).

O "Estado Burguês" foi conquistado. Basta agora destruí-lo com o beneplácito e a colaboração principalmente do Executivo federal. Não conseguem os governos federal e estaduais fazer com que determinados movimentos respeitem a Carta Magna. MST, Vila Campesina e outros vivem exclusivamente da violação da Constituição e da lei, através de financiamentos, inclusive de Hugo Chávez, e desapropriações, parte delas barrada nos tribunais. É o PAC do Totalitarismo .

Depredação da Câmara dos Deputados, destruição de pesquisas científicas, de terras e de lavouras por tais movimentos, repudiados pela população e que pretendem impor sua ideologia sem passar pelo teste das urnas, têm sido uma constante e clara demonstração de que determinadas autoridades são coniventes com tais maculações da lei maior. Por outro lado, magistrados de Tribunais Regionais, inclusive da Suprema Corte, criticam o excesso de prisões preventivas de pessoas sem que haja processos instaurados ou autos lavrados, lastreadas em trechos pinçados de gravações telefônicas. A imprensa publicou manifesto de eminentes desembargadores, que ficaram estupefatos quando souberam da existência de 409.000 escutas telefônicas autorizadas no País, em 2007, tendo, inclusive, o ministro Sepúlveda Pertence, em depoimento na Câmara dos Deputados, tecido duras críticas a tais abusivas ações.

A violação de privacidade faz parte da destruição do "EstadoBurguês". Uma interpretação equivocada da Constituição quanto aos artigos 231 CF e 68 da ACDT, que ofertam direitos aos índios e quilombolas sobre terras que ocupavam ("estejam ocupando", Art. 68) no momento da promulgação da lei suprema, e não que ocuparam no passado, tem gerado problemas. Por esta interpretação oficial, o presente do indicativo do texto maior passou a ser o pretérito perfeito, e onde se lê "ocupam" passou-se a ler "ocuparam". Com isto, para aproximadamente 400.000 índios estão sendo entregues 15% do território nacional. O Brasil assinou a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas atingindo letalmente a sua soberania. Dos raríssimos verdadeiros quilombolas, houve tal extensão conceitual do termo que a maior parte dos afro-descendentes passou a ser quilombolas por autodeclaração. O projeto legislativo 6264/2005, do senador Paulo Paim, do Estatuto da Igualdade Racial em seu Título II, Capítulo VI, procura legalizar todas as transgressões já em curso. Ele repete o Decreto 4887/2003, do presidente Lula, considerado inconstitucional.

Por outro lado, à luz de uma exegese controversa do que seja o neoconstitucionalismo, isto é, dar praticidade aos princípios constitucionais, o Poder Judiciário tem-se outorgado o direito de legislador positivo, não poucas vezes sobrepondo-se ao Poder Legislativo no suprir o que entende ser omissão daquele poder. Por sua vez, o Poder Executivo continua se utilizando das Medidas Provisórias - que só foram colocadas no texto constitucional porque a Constituição de 88 foi concebida para fundamentar uma república parlamentarista -, tornando-se, de rigor, o verdadeiro legislador. A solidariedade não se faz com o semear do joio, nem se cria uma grande nação com alicerces no ódio e no preconceito, favorecendo grupos contrários ao Estado de Direito, em benefício do Estado neopatrimonial parasitário, corrupto e antipatriótico.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é membro e JOÃO RICARDO MODESTO é presidente da Academia Brasileira de Filosofia.

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