por Heitor De Paola em 03 de setembro de 2005
Resumo: A expressão pessoal máxima dos fenômenos relacionados a idéia de se criar uma nova ordem mundial é Mikhail Gorbachov, que sempre disse claramente o que pretendia: “ (...) Voltar-se para Lenin estimulou grandemente o partido (comunista) e a sociedade em sua busca por explicações e repostas às questões que surgiam”.
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A QUARTA OFENSIVA
The (KGB) leadership has retained its position. The most able and loyal officers were sent to work “underground”, creating the gangs that blackmail the businessmen and to control the organized crime. The others were strategically placed in the administrative structures as civil servants (while still remaining in the service of the KGB). Thousands of operatives were called back from the West to aplly their experience at home. VLADIMIR BUKOVSKY
Como foi exposto na Parte III desta série: “A finalidade essencial da nova estratégia era fazer o mundo ocidental acreditar que o comunismo acabara e a democracia e o liberalismo econômico venceram na Europa do Leste. Com isto desmoralizar qualquer movimento anti-comunista como paranóico, reacionário, ultrapassado, caduco, enfim, não dar ouvidos aos que percebiam a manobra estratégica. Pretendia-se enfraquecer e neutralizar a ideologia anti-comunista e sua influência política nos USA, e no resto do mundo, apresentando-a como anacronismo reacionário sobrevivente da Guerra Fria e um obstáculo à re-estruturação mundial e à paz”.
A influência sobre o movimento contra a guerra do Vietnã dentro dos EUA e no resto do mundo foi imensa mas já abordei este aspecto em artigos anteriores [1] neste site. Basta acrescentar que a esquerda americana recebia apoio e vultuosas quantias da URSS, via a rezidientura do KGB em Washington, D.C.
Não obstante, tornava-se vital criar a figura de um “dissidente” cujo nome e títulos desse total credibilidade à ofensiva, liquidando com as desconfianças. Esta surgiu através do mais brilhante físico nuclear soviético, Andreiï Sakharov, conhecido como o “Pai da Bomba Termonuclear (Bomba H) soviética” [2]. Genuinamente preocupado com o potencial destrutivo que havia desencadeado, foi presa fácil para os profissionais da desinformação do KGB. Já em 1961 se opusera veementemente aos planos de Khrushchov de detonar uma bomba de 100 megatons na atmosfera (até então os testes haviam sido subterrâneos). Há controvérsias quanto ao grau de participação consciente de Sakharov nos planos soviéticos. O que é certo é que um regime policial que executava todos os seus dissidentes permitir a total liberdade de expressão, reunião e saídas do país de que Sakharov gozou de 1961 a 1975 é muito suspeito. Teria sido apenas um idiota útil como Einstein e tantos outros? Golitsyn afirma que não, que era agente do KGB mesmo.
Em 1968 lança seu famoso “Manifesto”, Progress, Coexistence, and Intellectual Freedom (New York: Norton, 1968), também conhecido como Thoughts on Progress, Peaceful Coexistence and Intellectual Freedom. Neste, pela primeira vez, a palavra sblizhienie, convergência, é mencionada, como “aproximação entre os regimes socialista e capitalista que eliminasse ou diminuísse substancialmente os perigos (nucleares). Convergência econômica, social e ideológica possibilitariam uma sociedade democrática e pluralista, cientificamente governada (...) uma sociedade humanitária que tomaria conta da Terra e seu futuro...” [3]. Note-se que estava lançada a base ideológica para o futuro governo mundial, objetivo final da ofensiva, por um “dissidente”, o que dava maior credibilidade do que se algum líder do PCUS o fizesse.
Em 1970 junta-se a Valiery Chalidzie, Igor Shafarievich, Andreï Tvierdokhliebov e Grigorï Podyapolski para fundar o primeiro “Comitê dos Direitos Humanos” que se espalhariam como praga em todo o mundo, obviamente por ação dos operadores do KGB. Em 1975 ganha o Prêmio Nobel da Paz, sob “protestos” do governo soviético. Em dezembro de 1979 Sakharov critica a invasão soviética do Afeganistão e o governo, numa operação genial de despistamento, tira todas as suas medalhas e honrarias e o exila na cidade de Gorky, de onde veio a sair em 1986 para assumir o posto de assessor para a Perestroika no Governo de Gorbachov.
A importância de Sakharov na ofensiva mundial foi inestimável. No Manifesto, apresentando-se como porta-voz dos dissidentes, ele fizera diversas previsões como se fossem wishful thinking de um idealista mas que não passavam de um cronograma para disseminação da estratégia já em curso para orientação da esquerda ocidental. Divulgados como desenvolvimentos espontâneos e improvisações, escondiam que eram a própria essência da estratégia. “Previu” a vitória dos “realistas” (reformistas de esquerda) sobre os “conservadores” na URSS, reforçando do lado americano a preponderância dos socialistas do Partido Democrata.
Os resultados esperados eram, obviamente o enfraquecimento moral, militar e político americano, conquistando a elite americana para a cooperação sobre meio-ambiente, espaço, desarmamento e solução conjunta de problemas sociais, econômicos, etc. Acabar com o consenso do “perigo vermelho” e desestabilizar o complexo industrial-militar americano. Primordialmente convencer a elite intelectual americana das semelhanças entre os dois sistemas e da importância da convergência, o que foi facílimo dentro do Partido Democrata que sempre tivera uma ala socialista importante, à qual pertencia Jimmy Carter que assumiu a Presidência em 1977. Sakharov envia uma carta a Carter expondo o ponto de vista soviético sobre direitos humanos e Carter responde com uma política nitidamente contrária aos interesses estratégicos americanos abandonando aliados tradicionais como Anastacio Somoza na Nicarágua e o Xá Mohammed Reza Pahlevi no Irã, sob a justificativa de defender os direitos humanos que estavam sendo desrespeitados. É claro que ambos eram autocratas que governavam com mão de ferro seus países mas o que veio depois foi infinitamente pior com os Sandinistas e Aiatolás e de quebra, sofrendo uma vergonhosa invasão da Embaixada de seu País em Teerã. Em abril 1981, já fora do poder, sua ex-Embaixadora Permanente na ONU, Jeane Kirkpatrick, numa conferência no Kenyon College com o título de “Establishing a Viable Human Rights Policy” [4], detalha a política de Direitos Humanos de Carter em perfeita consonância com o “dissidente” Sakharov. Estranhamente, esta política se voltou somente para os regimes de força do Ocidente, muito menos destrutivos e assassinos do que os do mundo socialista, para os quais bastavam alguns protestos de praxe. Logo após assumir Carter havia declarado enfaticamente que os EUA estavam agora “livres daquele exagerado medo do comunismo que antes nos levava a apoiar qualquer ditador que tivesse o mesmo medo” [5]. O fato é que a estratégia da convergência estava dando tão certo que em 1978 Cyrus Vance, Secretário de Estado, declarou à revista TIME que “o Presidente Carter e o Secretário Geral Leonid Briezhniev partilham os mesmos sonhos e aspirações” [6]. É impressionante como tal absurdo foi tão facilmente aceito: o Presidente de um País democrático e um ditador de um regime totalitário “partilharem os mesmos sonhos e aspirações”! Pois foi, evidenciando o acerto da estratégia de doutrinação gramsciana da intelectualidade ocidental.
A elite americana já há muito tempo vinha dividida. Quando Richard Nixon, um ferrenho anti-comunista e defensor da escalada no Vietnã, houve por bem acabar com a guerra e retirar as tropas, o fez muito mais para pacificar o seu País do que pela ficção hoje tida como senso comum, de que a derrota era inevitável. Era, não nas selvas vietnamitas, mas sim nas Universidades rebeladas e no Congresso onde os democratas lhe amarravam as mãos, impedindo o ataque às linhas de abastecimento do Vietcong na região do Bico de Papagaio do Camboja. Já em 1964, com a guerra recém começada, Barry Goldwater, Candidato Republicano a Presidente dos EUA, declarava: “Eu teria dito ao Vietnã do Norte através de folhetos lançados de nossos bombardeiros B-52: abandonem a guerra em três dias ou da próxima vez que estes ‘bebês’ voltarem por aqui, jogarão milhares de bombas, reduzindo o Vietnã do Norte a um pântano (...) Eu preferiria matar um monte de vietnamitas a um único soldado americano (...) e já os perdemos demais!” [7]. Mas o eleitorado preferiu re-eleger Lyndon Johnson e sua política de apaziguamento e em nove anos os EUA afundaram num atoleiro sem fim, tendo todas as chances de ganhar a guerra! Possivelmente os norte-vietnamitas teriam reagido a Goldwater da mesma forma que os iranianos fizeram quando Reagan foi eleito com uma campanha de decidido enfrentamento: liberaram os reféns da Embaixada americana em Teerã no mesmo dia de sua posse! Como fora previsto pela teoria do dominó, constantemente negada pelas esquerdas mundiais como “fantasia paranóica” para justificar a agressão imperialista contra os pacíficos vietnamitas, todos os países da Indochina caíram em mãos comunistas: Além do Vietnã, o Laos e o Camboja, este último nas mãos sangrentas de Pol Tot.
Em 1972, quando Nixon iniciou a détente com a URSS e depois visitou a China, o fez sem saber que o conflito sino-soviético era apenas cortina de fumaça para uma aliança de todo o bloco comunista. Nixon e seu Secretário de Estado Henry Kissinger pretenderam fazer uma cunha no bloco ao abrir relações diplomáticas e comerciais com a China.
Nixon e Kissinger, segundo Golitsyn, foram iludidos pelo “rompimento” entre a URSS e a China que foi reforçado através dos incidentes na fronteira Namur-Ussuri [13] de março a setembro de 1969. Os dois maiores exércitos do mundo mobilizaram não mais que poucos milhares de soldados para tomar uma ilhota de aproximadamente 3 quilômetros de extensão – Damansky, para os russos, Zhen Bao para os chineses – sem nenhuma importância econômica ou estratégica. Mas a propaganda parecia indicar que haveria uma guerra nuclear entre os dois Países. Muitos analistas dizem que o vencedor do conflito foi os EUA. “Suspeitando” das intenções da URSS, a China teria iniciado estrategicamente a incrementar suas relações com Washington o que levou os líderes soviéticos a relaxar as tensões da guerra fria e, finalmente, à détente. Mas a estratégia era bem outra: atrair capitais americanos para os dois lados que já viam a falência à frente e permitir o intercâmbio de estudantes e cientistas. A verdadeira vencedora foi a estratégia da convergência.
A VITÓRIA DA SBLIZHIENIE ENTRE A INTELECTUALIDADE AMERICANA
“Um pacifista é um sujeito que alimenta um crocodilo, na esperança de ser comido por último”. WINSTON CHURCHILL
Foi arrasadora a vitória da estratégia da convergência entre a intelectualidade ocidental. Antes de chegar à América Latina, objetivo desta série, é preciso estudar o efeito na intelectualidade americana, objetivo final da estratégia. Deixo de lado a Europa e a influência nefasta da maioria dos intelectuais da École Normale, principalmente do pseudofilósofo e escritor sofrível Jean-Paul Sartre, não sem recomendar a leitura atenta do livro de Raymond Aron O Ópio dos Intelectuais e para um Estudo mais detalhado suas Memórias, o livro de François Furet Le Passé d’une Illusion: Essai sur l’idée communiste au XX Siècle, bem como para entender o que ocorre hoje A Obsessão Antiamericana: Causas e Inconseqüências, de Jean-François Revel. Também não há espaço para investigar a contribuição da Escola de Frankfurt, o que demandará um outro artigo.
Se defender o comunismo como o fazia Sartre e seus colegas, era uma atitude antipática para uma grande parte da intelectualidade americana, fazer a apologia da paz foi extremamente eficaz. Não mais se defendia um regime já reconhecidamente tirânico, mas sim a paz, não como ausência momentânea de guerra, mas uma paz absoluta, o bem maior da Humanidade, com um adversário com o qual era razoável até mesmo ter “objetivos comuns”, convergentes, pois não se tratavam mais de inimigos, mas de povos que também amavam a paz e precisavam dela para seu desenvolvimento em direção à convergência. Junto com o “entulho” do anti-comunismo, jogava-se no lixo também os “belicistas” como Patton e Goldwater e dobrava-se até mesmo Nixon.
Neste último sentido foi muito importante o trabalho de Henry Kissinger que, apesar de Republicano, movia-se muito melhor entre os liberais de esquerda sendo o artífice da tão almejada détente e da abertura para a China, abandonando os fiéis aliados de Taiwan e obedecendo à exigência de Mao Zedon, Zhu Enlai e Lin Piao para estabelecer relações diplomáticas com a China comunista. Vitória diplomática maior da estratégia comunista, impossível! Kissinger, como Assessor de Segurança e depois como Secretário de Estado preparou belamente a vergonhosa capitulação em Saigon – segundo Paul Johnson “a mais grave e humilhante derrota em toda a história americana” [9] – e o caminho para a vitória de Jimmy Carter, o Neville Chamberlain da década de 70 que bem merecia a observação de Churchill, em epigrafe, feita a seu antecessor! Com a renúncia do Vice-Presidente Spiro Agnew em 1973, o Presidente da Câmara de Representantes Gerald Ford foi eleito para este cargo, vindo a assumir a Presidência com a renúncia de Nixon em 1974. Ford, um Presidente bem intencionado mas fraco foi totalmente manobrado por Kissinger. Desde então, e até a posse de Reagan, caíram em mãos comunistas o Iêmen do Sul, Angola, Etiópia, Moçambique, Granada, Nicarágua e Afeganistão. Mas, as a side effect, Kissinger e Carter levaram cada um o seu Nobel da Paz e hoje cobram milhares de dólares por conferência.
A política de apaziguamento de Carter voltou-se exclusivamente, como já referi acima, para combater as “violações dos direitos humanos” nos países ocidentais e aliados dos EUA, países que segundo seu Assessor de Segurança, Zbigniew Brzezinski buscavam “formas viáveis de governo capazes de lidar com o processo de modernização”. Estas formas viáveis, alternativas à democracia ocidental que os Presidentes dos EUA juram defender, eram todas “formas” de uma coisa só: comunistas! E apesar da evidência histórica mostrar que os comunistas jamais haviam vencido uma eleição livre, a esquerda americana, embalada pelo canto da convergência, persistiu no argumento de que eles representavam a vontade popular, e aceitavam, aparentemente com ingenuidade, suas palavras de que estavam buscando os “interesses populares”. Apesar de todas as violações dos tais direitos por todos os países comunistas, principalmente a URSS que prendia e internava no Gulag seus dissidentes, o argumento básico da esquerda americana era de que os EUA também tinham sua parte de culpa pelas tensões e conflitos internacionais e “não podemos pretender dar lições de moralidade aos outros enquanto houver em nosso País uma criança faminta, um adulto pobre ou um imigrante analfabeto em todos os 50 Estados” (citado por M Charen op. cit.).
Esta tática fez história e ainda hoje é empregada, conscientemente pelos comunistas e seus companheiros de viagem, e inconscientemente até por pessoas que são sinceramente anti-comunistas mas que são sutilmente trabalhadas no sentido de compararem os males do comunismo com os do capitalismo. Na mais absoluta falta de argumentos que justifiquem as atrocidades por eles cometidas, só resta aos comunistas o recurso a não responder às mesmas, senão atacar de volta. Como os defensores da democracia e do liberalismo não almejam a perfeição, é claro que existem muitas falhas num regime que apenas prioriza a liberdade individual. É fácil perceber as desigualdades sociais, que são produtos das naturais e inevitáveis desigualdades entre as pessoas. Mas, maliciosamente chamadas de “injustiças sociais”, ficam caracterizadas como produtos do “sistema capitalista” e da propriedade privada. Característica desta tática foi a reação ao lançamento, em 1997, do volume O Livro Negro do Comunismo. Sem conseguir opor nenhuma objeção racional, sem nenhuma contra-pesquisa que mostrasse os erros do mesmo, lançaram um violento livro panfletário, O Livro Negro do Capitalismo.
Não havia ingenuidade alguma já que a experiência demonstra dia-a-dia a mesma coisa e Carter continua fazendo das suas – como a homologação do plebiscito venezuelano fraudado por Chávez – através do Carter Center “for the Advancing of Human Rights and Alleviating Sufferings”, ou Centro Carter para o avanço dos direitos humanos e alívio dos sofrimentos. Dos sofrimentos de todos, menos dos sofredores da China, de Cuba, da Venezuela, da Coréia do Norte, etc. Obviamente, esta “defesa dos direitos humanos” seletiva significa a plena vitória da pregação de Sakharov, não por coincidência enviada a Carter e não a Nixon nem Ford. Numa crítica à esta política, Reagan dizia, em 1977 [10]: “Se os direitos humanos passarão a ser nossa principal preocupação, deveríamos defender uma visão única e não dupla”. Já em 1975, numa das suas audições de rádio dizia que “nossos formadores de opinião estão sempre vendo perigos à direita e parecem cegos àqueles à esquerda”. Sobre o regime da Revolução dos Cravos em Portugal, Reagan compara o comportamento da mídia com outros regimes militares menos repressivos, mas à direita: “A mídia está de tal forma sob preconceitos (anti-americanos) que nem chega a perceber os próprios preconceitos. (…) Um simples fator é decisivo para sua tomada de posição: o regime proscreveu o Partido Comunista? Então é ruim!” Caso outros partidos fossem suprimidos, nada se falava!
A MUDANÇA ESTRATÉGICA DA ADMINISTRAÇÃO REAGAN
We are too great a nation to limit ourselves to small dreams. We are not, as some would have us believe, doomed to an inevitable decline. RONALD WILSON REAGAN, 40o Presidente dos EUA
Após o fiasco do governo Carter o eleitorado americano mandou outro “belicista” para a Casa Branca: Ronald Reagan. Já no discurso de posse ele deixou claro, como a frase em epígrafe, que as coisas iam mudar, que o papel dos EUA no mundo deixaria de ser o de uma nação acuada pelo comunismo, como fica claro também no discurso sobre a corrida armamentista, dois anos depois, perante a Associação Evangélica Nacional, quando pela primeira vez se referiu à URSS como o “império do mal”: “Convoco-os a estarem cientes da tentação do orgulho - a tentação de tranqüilamente se declararem acima de todos os demais e rotular os dois lados como culpados, a ignorar os fatos da história e dos impulsos agressivos do império do mal, de simplesmente chamar a corrida armamentista um grande mal-entendido e por isto se retirarem da luta entre o certo e o errado, entre o bem e o mal”.
Monica Charen (op. cit.) refere que o termo “Império do Mal” provocou uma tempestade de desprezo por parte da esquerda americana. Strobe Talbot, da revista TIME, mais tarde Sub-Secretário de Estado de Clinton, pôs o dedo na ferida: “Quando um Chefe de Estado fala desta maneira, ele mexe com as inseguranças soviéticas”. Mas a insegurança tinha sido mexida muito antes, logo no primeiro ano da administração. Segundo Lee Edwards [11], na biografia de Edwin Meese III, um dos mais importantes assessores de Reagan, “Dois eventos claramente visíveis nos primeiros nove meses da administração Reagan alertaram a nação e o mundo que havia agora um Presidente muito diferente. Foram eles a aprovação (pelo Congresso) do Economic Recovery Tax Act (com um corte geral de impostos da ordem de 25% que reativou a economia estagnada por Carter), e a maneira firme com que enfrentou a greve dos controladores de tráfego aéreo (fazendo cumprir a lei que proibia a greve no serviço público, demitindo sumariamente os faltosos). (...) E um terceiro evento, altamente confidencial, pelas suas conseqüências – uma pequena reunião na Casa Branca sobre as defesas anti-mísseis”.
A decisão de demitir os controladores de vôo havia tido um efeito de alerta sobre os líderes soviéticos que perceberam que não apenas por discursos mas por atos, Reagan devia ser tratado seriamente como um Presidente que “iria aos limites extremos para defender seus princípios”.
Da reunião altamente secreta na Casa Branca resultou a Strategic Defense Iniative (SDI) que se tornou mais conhecida pelo nome que lhe deram seus opositores: Guerra nas Estrelas (Star Wars), pois grande parte seria baseada no espaço. Reagan não se sentia satisfeito em confiar na estratégia que até então imperava, denominada sugestivamente de MAD, de Mutual Assured Destruction (Garantia de Destruição Mútua), baseada em manter os dois lados amedrontados de, caso atacasse, ser retaliado e destruído. O SDI, por outro lado, garantia aos EUA uma segurança extra pois permitia destruir os mísseis de um eventual ataque inimigo antes de atingirem o território e os próprios silos de mísseis americanos. Este último era o ponto crucial, além de defender a população civil e as cidades, um ataque bem sucedido aos silos dos ICBM (Intercontinental Ballistic Missiles) – mísseis balísticos intercontinentais – deixaria os EUA indefesos – seja frente a uma nova salva de mísseis, seja à invasão por guerra convencional.
Pela primeira vez os EUA desenvolviam uma estratégia anti-soviética, não mais uma política de duração limitada (ver Parte I desta série), pois o posicionamento progressivo do complexo SDI foi planejado para durar várias administrações. Reagan mostrava que só negociaria partindo de uma posição de força, podendo retaliar quaisquer ataques traiçoeiros. Reagan conhecia muito bem o significado de tratados e conversações para os comunistas: nada mais do que papéis para serem rasgados tão logo tenham sido úteis aos seus planos. Mas, posteriormente acabou se deixando ludibriar num ponto crucial: a farsa chamada Perestroika.
A ÚLTIMA FASE DA ESTRATÉGIA: A PERESTROIKA
The Western world in general, and the United States in particular, have seriously misunderstood the nature of changes in the communist world. We are not witnessing the death of communism, but a new communist offensive of strategic disinformation. ANATOLIY GOLITSYN
Uma estratégia de longo prazo não pode prever e muito menos determinar os acontecimentos de modo que eles “caibam” nos planos, mas sim estar preparada para a necessária mudança dos planos de acordo com a evolução dos acontecimentos que lhes são externos. A eventual re-eleição de Carter permitiria que continuasse o mesmo jogo de convergência com o reconhecimento de áreas de comum acordo. Em 1975, face ao desenvolvimento de novos mísseis soviéticos de alcance intermediário – com raio de ação que permitia atingir toda a Europa Ocidental – os SS-20 - a administração Carter entrara em negociações com a URSS que obviamente não levariam a lugar algum. Reagan não hesitou e pressionou os países da OTAN a permitirem o posicionamento em seus territórios, a partir de 1983, de 464 mísseis de cruzeiro (Cruise Míssils) e 108 mísseis balísticos Pershing II, simultaneamente com o estabelecimento de reuniões bilaterais para a redução dos dois lados.
Gorbachov em seu Perestroika:Novas Idéias para Meu País e o Mundo [12], afirma que após uma distensão nas relações entre os dois países na década de setenta, houvera uma rápida deterioração no início da década de oitenta, “coincidentemente” com a posse de Reagan em 20 de janeiro de 1981. Com esta brusca virada na estratégia americana, urgia alguma medida que fizesse face a ela, além do que o lançamento do programa IDS tornava a competição em armamentos previamente ganha pelos EUA, pois a URSS não tinha condições econômicas nem tecnológicas de desenvolver um sistema igual. Tentativas neste sentido exigiriam um esforço desproporcional às possibilidades soviéticas, já esgotadas ao limite máximo. A URSS estava em vias de um levante popular simplesmente por falta de comida! E isto revelaria ao mundo que o governo soviético não defendia causas populares mas apenas os interesses da casta dirigente, da Nova Classe (Djillas), da Nomenklatura.
Foi aí que se revelou a importância de uma estratégia de longo prazo, pois o passo já estava previsto desde o início da formulação da estratégia em 1958: o lançamento de uma vasta campanha de desinformação que mais uma vez desmoralizasse os sentimentos anti-comunistas, novamente em expansão na Era Reagan. Na verdade, já estava previsto desde a década de trinta e em 1931 Dmitriï Manuilsky, tutor de Khrushchov, já falava do lançamento “dentro de uns trinta anos” da mais vasta e teatral campanha pacifista: “...faremos inacreditáveis concessões. Os países capitalistas, estúpidos e decadentes cairão na armadilha pela possibilidade de fazer novos amigos e mercados e cooperarão na sua própria destruição”.
Os comunistas conhecem muito bem as fraquezas dos regimes democráticos e as exploram, principalmente duas: a dependência da opinião pública e de eleições regulares, e a mudança periódica de políticas pela mudança de governos. Como a Nomenklatura não precisa se preocupar com estas bobagens burguesas, tem tempo de planejar prevendo estas mudanças e inclusive atuar na opinião pública – através dos “formadores de opinião” - para influir nas mesmas.
É claro que uma parte desta estratégia consistia em convencer o Ocidente de que não havia estratégia alguma e condenar todos que a isto se referissem como seguidores de uma ridícula “teoria da conspiração”. Reagan já havia percebido isto, pois numa audição radiofônica de março de 1978 (op. cit.) dizia com sua fina ironia: “Muitos anos atrás, quando os americanos estavam bem conscientes das ameaças de subversão comunista, reuniu-se um grande congresso em Moscou (...) (possivelmente o referido Congresso dos 81 partidos) que adotou um plano para lutar contra o anti-comunismo. Uma parte deste plano era dirigida aos EUA e sugeria uma campanha sutil que tornasse o anti-comunismo fora de moda (...) até que os anti-comunistas viessem a ser ridicularizados como idiotas caçadores de bruxas que procuram comunistas até embaixo da cama (looking for Reds under the beds) ...vocês podem repetir isto mas, por Deus, não lhe dêem o nome de conspiração!.(...) Qualquer pessoa que deixe entrever em público que acredita numa ‘teoria da conspiração’ estará se jogando no mar sem salva-vidas”.
Tomando emprestada uma expressão do General Golbery do Couto e Silva, as relações dos EUA com os países comunistas sempre se pautaram por “sístoles” e “diástoles”, enfrentamento e pacificação, correspondendo aproximadamente, mas não exatamente, às administrações Republicanas e Democratas. Os soviéticos, e hoje os chineses, estão preparados para mudar sua tática de acordo com estas mudanças, porém perseguindo os mesmos objetivos estratégicos.
A Perestroika (que abordarei com mais detalhes num próximo artigo) não passou de uma continuação da mesma estratégia que se desenvolve desde 1958. Como já disse anteriormente, o termo re-estruturação não se aplica à aparência de “profundas” transformações no mundo comunista, mas exclusivamente da visão que o Ocidente tem do mundo comunista, fazendo acreditar na dissolução da ideologia comunista e no fim da Guerra Fria, removendo o “inimigo soviético” das mentes ocidentais, principalmente nos EUA. Eliminando-se o anti-comunismo elimina-se a necessidade de armamentos, pois estes não têm sentido sem “inimigos”. Golitsyn já previra em 1961 a possibilidade de ser derrubado o muro de Berlim, uma troca teatral de dirigentes (a tentativa de golpe contra Gorbachov para dar a ele mais credibilidade) e a proscrição do Partido Comunista na URSS, o que veio a ser feito por Boris Yeltsin.
Estas ações bombásticas serviam primordialmente para criar a impressão de que a burocracia soviética estava se tornando mais democrática e ocidentalizada, influenciando o Congresso americano a introduzir mudanças reais na burocracia americana, inclusive e principalmente na CIA, e diminuir os orçamentos das Forças Armadas, Estratégicas e de Segurança – antes de tudo convencer o Congresso americano a paralisar o programa “Guerra nas Estrelas”, e criar condições para real cooperação entre a KGB e os serviços ocidentais correspondentes. No entanto, os velhos membros do PC e do Komsomol se incorporaram nas novas estruturas “democráticas”, portanto não houve extinção do PC - mas redistribuição dos seus quadros – e muito menos do KGB, que apenas trocou de nome, pondo na clandestinidade os agentes de maior valor, enquanto se desenvolvia o processo de substituir Yeltsin por um confiável chekista (apelido dos remanescentes dos diversos órgãos de segurança), que veio a ser Vladimir Putin, que interrompeu a abertura dos arquivos secretos, liquidando assim com a outra pérola a ser vendida ao Ocidente: a glasnost, transparência, que já era muito limitada.
Dentro da URSS nada mudara no essencial. O KGB recebeu novas tarefas, renunciando totalmente ao aspecto repressivo anterior como o padrão que o identificava. Passou a exercer o comando e controle da guerra psicológica e de desinformação, criando uma falsa oposição controlada dentro da URSS e neutralizando e dissolvendo os movimentos oposicionistas genuínos. Recrutou escritores, cientistas, diretores de teatro e cinema, jornalistas, estimulando-os a seguir linhas ideológicas antes proibidas, criando uma falsa dissidência, com a intenção de auxiliar a estratégia de convergência já referida. Para a repressão o regime passou a contar com um “exército” de 5 milhões de druzhiniï (vigilantes) e dos ativistas do Komsomol (juventude comunista), liderados por antigos chekistas. Ensaiou-se, nos mesmos moldes, uma controlada liberação religiosa, com agentes-sacerdotes que, penetrando nas diversas religiões, iniciaram o contato com seus congêneres ocidentais. Como conseqüência, por volta de 1980 não havia mais nenhum movimento democrático ou nacionalista genuíno.
Além da campanha contra o anti-comunismo e o abandono da ditadura do proletariado e sua substituição por um “governo de todos”, houve também uma mudança de foco que ajuda a confundir a “oposição”, e dissimular a estratégia, fornecendo combustível para os idiotas úteis continuarem acreditando que o comunismo acabou. Como a ideologia é totalmente amorfa e protéica, adaptando-se a qualquer necessidade, pois o que interessa é manter a Nova Classe no poder, o foco classista – ideologia do proletariado – que já havia mudado sutilmente para a “defesa da paz” e posteriormente para a “defesa dos direitos humanos” - mais uma vez encontra “excluídos” e “oprimidos” para defender: as “minorias” raciais e sexuais, os doentes mentais (vide movimento anti-manicomial), os aidéticos, os drogados e quem mais sirva para seus propósitos. Até as minorias religiosas servem, embora variem de país para país. Acaba se transformando numa “ideologia dos esquisitos” [13], dos que se sentem anormais – fora das normas sociais – os alternativos, todos os que odeiam a normalidade e a liberdade e se sentem por elas oprimidos. Ao invés de tentarem se adaptar ou aceitar o mundo como ele é, encontram na velha ideologia do proletariado as ferramentas de ataque às normas para obrigar às maiorias a se curvarem à anormalidade, à esquisitice, a formas “alternativas” de qualquer coisa, enfim, acreditam que destruindo a tão odiada normalidade livrar-se-ão do terrível sofrimento que os oprime. Triste ilusão. E triste fim para a outrora tão "gloriosa e heróica ideologia do proletariado"!
* * *
É impressionante o sucesso obtido por esta maluquice em poucas décadas em todo o Ocidente, mormente nos EUA aonde a estratégia encontrou eco consciente, de má fé, numa intelectualidade hipócrita que parou de pensar quando buscou os rendosos empregos nas Universidades e nas Fundações, ficando abjetamente aos pés dos metacapitalistas em busca de poder através da destruição da própria sociedade que os gerou e agora não mais lhes interessa. Interessa o poder mundial, tomar conta da ONU e de todos os organismos internacionais – e para tal encontraram bravos cúmplices na Nova Classe comunista que financiam largamente através das mesmas Fundações multimilionárias – Ford, Rockfeller, Soros, Tides, IANSA – entre elas a Fundação Internacional para a Sobrevivência e Desenvolvimento da Humanidade, para pesquisa sobre o meio ambiente, poluição, direitos humanos, controle de armas – desarmamento dos cidadãos de bem - e desenvolvimento econômico no sentido socialista, e outras joint-ventures USA-URSS que persistiram após a “queda do muro”. Basta ver como certos sensos comuns se solidificaram de tal maneira que parecem sempre haver existido, como por exemplo, a de que o crescimento econômico só se justifica se houver “distribuição de renda”, eliminando o sentido capitalista anterior de crescimento pelo desejo de ter mais que foi o que realmente ajudou a diminuir a pobreza no mundo, pois significa investimento produtivo e empregos na iniciativa privada, que ofende àqueles que aspiram ser apenas funcionários privilegiados da Nova Classe de um opressivo governo mundial. Não passa um mês sem que a ONU ou suas congêneres e afiliadas não publique um relatório mostrando que, “apesar do crescimento, aumenta a desigualdade e a injustiça social”.
O pior é que sua influência se faz sentir desde a infância para formar pequenos robôs a seu serviço. É estarrecedora a re-estruturação da educação americana: incutem desde os primeiros passos a idéia da necessidade de uma total transformação da Sociedade, equacionam cidadania americana com interdependência internacional, cidadania mundial, global. O Bem deixa de ser um alto valor moral tradicional para ser apenas sinônimo de global.
A expressão pessoal máxima destes fenômenos é Mikhail Sergeyevitch Gorbachov e sua crescente influência nos negócios mundiais. Mas a verdade seja dita: Mikhail Sergeyevitch disse claramente o que pretendia. Já nas primeiras páginas de seu livro (op. cit.) deixa claro que a fonte ideológica da Perestroika não é nada de novo, mas um retorno a Lenin: “Lenin continua a viver nas mentes e corações de milhões de pessoas. (...) Voltar-se para Lenin estimulou grandemente o partido e a sociedade em sua busca por explicações e repostas às questões que surgiam”. Só não leu quem não quis.
A SEGUIR: A OFENSIVA NA AMÉRICA LATINA E O EIXO DO MAL
[1]Principalmente A América Dividida – Parte II e Este é John Kerry.
[2]Assunto também já abordado em A América Dividida – Parte I.
[3] http://www.aip.org/history/sakharov/reflect-text.htm
[4]http://www.thirdworldtraveler.com/Human%20Rights%20Documents/Kirkpatrick_HRPolicy.html
[5]Edward Walsh, Carter Stresses Social Justice in Foreing Policy, Washington Post, 23 de maio de 1977.
[6] Cit. Em Monica Charen, Useful Idiots, Regnery Publshing, 2003.
[7] Cit. por Ann Coulter in Treason: Liberal Treachery from Cold War to the war on terrorism, Three Rivers Press, 2003.
[8] Para maiores esclarecimentos acesse CNN.com
[9] Modern Times: The World from the Twenties to the Nmineties”, Perennial, NY, 2001.
[10] Extraído de Reagan in His Own Hands: The Writings or RR that Reveal his Revolutionary Vision of America, compilação, seleção e comentários de seus textos por uma equipe da RR Presidential Foundation, Touchstone, NY, 2002.
[11] To Preserve and Protect: The Life of Edwin Meese III, The Heritage Foundation, 2005.
[12] Editora Best Seller, São Paulo, 1987.
[13] David Horowitz, The Politics of Bad Faith, Free Press, 1998.
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