Material essencial

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Olavo de Carvalho e a busca pela verdade - Mais um da série IMPERDÍVEIS

em casaDo portal PENSADORES BRASILEIROS

No ano passado, exactamente a 20 de maio, a Folha de Londrina publicou uma entrevista que fiz com o filósofo Olavo de Carvalho. Relendo a matéria, percebi que muitos temas de nossas recentes discussões se encontram nessa matéria. Resolvi então publicá-la. Lá vai:

Um Filósofo em Busca da Verdade

Olavo de Carvalho, um dos pensadores mais polêmicos da atualidade, comenta a sua admiração pela filosofia contemporânea e critica a obsessão universitária pela tríade Marx-Freud-Nietzsche.

Ele é um dos pensadores mais polêmicos da atualidade - acredita em Deus e na verdade. Aristotélico, seguidor dos ‘‘realistas’’ e possuidor de erudição tão notável quanto rara, o paulista Olavo de Carvalho insurge no meio intelectual brasileiro para despertar consensos ainda vigentes. Combatedor assíduo das teorias marxistas, crítico mordaz do pessimismo nietzscheano, racional demais para crer na psicanálise de Freud, ele demonstra uma simplicidade cativante ao explicar suas teorias e expor suas ponderações.

Professor de diversas filosofias há mais de 30 anos - algumas aulas podem ser encontradas no site www.olavodecarvalho.org -, sempre se manteve distante do meio acadêmico. Não por ignorar as idéias apresentadas pelos grandes pensadores do Ocidente e do Oriente, e sim, por uma necessidade incontrolável de conhecer realmente o que se discute e apreender a essência dos fatos. Daí sua busca contínua pela verdade, conceito tão debatido e desacreditado pelos pensadores do último século. A morte de Deus e da verdade poderia contribuir decisivamente para a morte da filosofia. Mas não é esta a contastação formulada por Olavo - ele acredita que a filosofia está mais viva do que nunca e sabe que invariavelmente o ser humano poderá buscar o conhecimento, o belo e o verdadeiro.

Colaborador de influentes publicações nacionais (Bravo, Jornal da Tarde, Época), prefere o vício da dialética à virtude do comodismo. Exibe em seu discurso vigor lógico notável não só pela coerência, mas pelas referências que vão desde o distante Heráclito ao recente pai da fenomenologia, Edmund Husserl. Pode-se concordar ou não com as suas idéias, mas nunca ignorar a originalidade de um pensamento que se reveste dos grandes valores humanos configurando um dos mais brilhantes pensadores brasileiros de nossa época. Um pouco dessa visão de mundo está expressa nos trechos que se seguem da entrevista exclusiva concedida à Folha 2.


Toda a base de seu pensamento foi construída fora dos meios acadêmicos. Como o senhor vê o ensino de filosofia no Brasil? Ainda persiste uma divinização à tríade Marx-Freud-Nietzsche?

A atração geral por Marx-Freud-Nietzsche vem precisamente da ambiguidade nebulosa de seu pensamento, irredutível a teses formais que admitam um confronto científico com os dados da realidade. Não são pensamentos nem verdadeiros nem falsos: são especulações sugestivas que admitem as mais variadas e contrastantes interpretações, alimentando indefinidamente a tagarelice fútil e adaptando-se muito bem a qualquer utilização prática que lhes queiram dar os charlatães e demagogos de toda sorte. São, obviamente, os protótipos mesmos de filosofias para inteligências inferiores, que buscam antes o estilo imaginativo (quando não a lisonja às paixões mais baixas) do que o conhecimento. Pode-se brincar de reinterpretar Marx e Freud o quanto se queira, mas um Aristóteles ou um Leibnitz não dão margem a tantas piruetas lúdicas.

O seu livro ‘‘Aristóteles sob nova perspectiva’’ evidencia a existência de um pensamento original entre os intelectuais brasileiros. Qual a sua visão sobre eles? Estaríamos nutridos com as idéias de Vicente Ferreira da Silva, Miguel Reale e o grande Mário Ferreira dos Santos?

Eu acrescentaria a esses três o nome de Villém Flusser, que embora tcheco de nascimento explorou com gênio brasileiro as possibilidades filosóficas da língua portuguesa. Esses quatro já nos dão bastante ‘‘food for thought’’ e constituem a base mais que suficiente para o bom começo de uma tradição filosófica nacional. Os EUA não têm nada de comparável. É evidente porém que essa base tem de ser completada, no ensino universitário, pela absorção do legado clássico, escolástico e moderno. A ilusão de pobreza do pensamento nacional é causada apenas pelo fato de que os charlatães e usurpadores que dominam o meio universitário barraram o acesso dos estudantes ao legado dos ‘‘quatro grandes’’.

Em nossa atual sociedade, o valor atribuído ao trabalho extrapola qualquer dedicação ao belo e à verdade, uma realidade da terrível previsão de Aldous Huxley em ‘‘Admirável Mundo Novo’’. Como o senhor entende esta realidade?

A divisão da vida humana em trabalho e lazer é um artificialismo administrativo que não faria mal nenhum se não acabasse se tornando um padrão estruturante das próprias consciências individuais. Mas as referências religiosas, morais e filosóficas que permitiriam enxergar outros aspectos da vida acabaram por desaparecer, só deixando trabalho e lazer. Para você ver como isso é estreito e empobrecedor, responda: A mãe amamentar seu filho é trabalho ou lazer? Socorrer um amigo em apuros é trabalho ou lazer? Rezar é trabalho ou lazer? Estudar filosofia é trabalho ou lazer? Todas as principais dimensões da vida ficam fora dessa dupla. Não vejo, em escala de civilização mundial, nenhuma ampliação iminente das perspectivas do homem, exceto para aqueles poucos indivíduos que tenham a coragem - ou a felicidade - de superar por si mesmos a estreiteza da proposta ambiente.

Após as supremas obras de Shakespeare, Dante, Dostoievsky, Camões, Pessoa, Borges, e outros cânones, tem-se a impressão de que todas as idéias já foram apresentadas. Existiriam ainda idéias originais?

No campo literário, não sei, se bem que nenhum escritor das últimas décadas me desperte um interesse comparável ao desses que você citou. Mas, na filosofia, as últimas décadas nos deram coisas de valor extraordinário, como as obras de Xavier Zubiri, Eric Voegelin e Bernard Lonergan. Nada do que se fez na primeira metade do século, com exceção da filosofia de Husserl e das investigações de religiões comparadas, tem tanto brilho e vigor. A filosofia está mais viva do que nunca.

Sabe-se que o senhor muito se aprofundou nos estudos de religiões comparadas, seguindo os mestres René Guénon e Ibn Arabi. Haveria uma unidade essencial entre todas as manifestações voltadas para o mistério?

Segundo o hinduísmo, o conhecimento, quando chega no topo, já não admite mais a distinção entre o sujeito finito e o objeto infinito, pois aquele é absorvido neste. São Paulo Apóstolo diz a mesma coisa ao proclamar: ‘‘Já não sou eu quem existo, é Cristo que existe em mim.’’ Não se pode fazer disso, no entanto, um conhecimento socialmente válido, porque para isto seria preciso espremer este conhecimento nos códigos sociais vigentes, o que é impossível: somente a alma individual vivente - e não o livro, o arquivo, a biblioteca, o establishment universitário - pode ser absorvida em Deus e conhecê-Lo. Esse conhecimento é eminentemente transmissível, mas não codificável. Ele é a Graça, que é irradiante por natureza e está por toda parte, mas não pode ser presa em estatutos e currículos. Daí que o mais alto conhecimento seja, numa época de estatutos e currículos, o mais negado, embora todo mundo saiba que ele existe.

Como o senhor vê a arte no início do século XXI? Ainda sobrevive a arte pura, isolada do entretenimento?

Não acredito que as categorias "lazer", "entretenimento", "diversão" contenham nada de real. As coisas mais deliciosas da vida não são entretenimento. Contemplar, com lágrimas nos olhos, o seu filho recém-nascido não é entretenimento. A paixão amorosa não é entretenimento. A arte deve ser tão apaixonante quanto essas coisas e por isto não pode ser entretenimento de maneira alguma. Entretenimento é para pessoas entediadas.

Só pessoas burras e sem imaginação ficam entediadas e, aliás, o entretenimento não as cura de maneira alguma, mas só as deixa mais chatas ainda. A grande arte é apaixonante e vital como um parto ou um amor intenso.

O filósofo francês Michel Mafesoli esteve em Londrina recentemente, e ressaltou a admiração que tem pela ‘‘pós-modernidade’’ tão evidenciada no brasileiro. O senhor crê no pós-modernismo?

Alguma coisa a que se aplica esse nome certamente existe, se bem que não como fenômeno histórico objetivo e mais como mudança de enfoque no olhar dos intelectuais europeus. Reflete o embaralhamento dos padrões unificantes - ciência, história, progresso, etc - em que a intelectualidade européia apostou durante dois séculos, e a consequente admissão do confuso, do informe, do descomunal e, enfim, do maluco. Acho que isso pode fazer bem, se a gente aproveitar a oportunidade para resgatar os tesouros antigos que a modernidade havia enterrado. O perigo é o de as pessoas se contentarem com uma espécie de justaposição mecânica regulamentada de fora, como acontece com o multiculturalismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá internauta

O blog Cavaleiro do Templo não é de forma algum um espaço democrático no sentido que se entende hoje em dia, qual seja, cada um faz o que quiser. É antes de tudo meu "diário aberto", que todos podem ler e os de bem podem participar.

Espero contribuições, perguntas, críticas e colocações sinceras e de boa fé. Do contrário, excluo.

Grande abraço
Cavaleiro do Templo