Do portal ESTADÃO
Por Diogo Costa em quarta-Feira, 19 de Dezembro de 2007
Desde do dia 7 de agosto, o vídeo Prelúdio da Grande Vaia já foi acessado mais de 340 mil vezes no site do YouTube Brasil, tornando-se um dos mais comentados e bem avaliados. O vídeo anuncia um novo movimento civil brasileiro, com imagens dos protestos contra o governo ocorridos em 4 de agosto. Apesar de modesta, a atitude demonstra independência e idealismo. Sua coordenação não ocorreu na sede de partidos políticos ou nos palanques sindicais, nem seus objetivos são aumentos de salário ou a diminuição do preço das passagens. O movimento vem sendo articulado por intermédio da rede social do Orkut e sua missão é a reforma da ordem social.
Para uma sociedade civil historicamente enfraquecida como a brasileira, a Grande Vaia é uma iniciativa surpreendente. Estamos acostumados a depositar nossa esperança e nosso dinheiro no Estado, apenas para nossa frustração. A internet está começando a mudar isso, com sites como Orkut, YouTube e Wikipédia, dinamizando o poder de associação civil. Por mais miúda que seja, se a Grande Vaia conseguir amplificar o impulso inicial, seu eco pode ser retumbante. Mas isso requer mais do que repetições da chacota da abertura dos jogos Pan-Americanos no Maracanã. É preciso que o barulho se transforme em discurso e as indignações se estabeleçam como valores compartilhados pelos descontentes. A vaia pode ser a expressão de descontentamento por excelência, mas é um descontentamento sem discurso. Agora que existem os meios para articularmos o sentimento de reforma, falta o espírito filosófico que dá ânimo ao movimento. O Brasil precisa de uma mensagem lógica e moralmente superior às atuais alternativas de esquerda e direita.
Essa pode ser a oportunidade para anunciar ao Brasil o esquecido legado liberal da fundação do País. Desde os anos 1960, os rebeldes da esquerda desprezam os radicais brasileiros para importar ícones como Lenin e Che Guevara, que pregaram e praticaram a opressão estatal. Em contraste, os diversos movimentos brasileiros da primeira metade do século 19 suspiravam por fortalecer a sociedade civil, não o Estado. Homens como Cipriano Barata, Libero Badaró e Frei Caneca defendiam liberdade individual, propriedade privada, igualdade de direitos, descentralização política, comércio exterior, abolição da escravatura e redução de impostos. A independência não era uma idéia meramente nacionalista, era uma idéia liberal.
Também eram liberais os valores almejados por aquele que é considerado o Patriarca da Independência. Aventuras políticas à parte, José Bonifácio de Andrada e Silva exaltava a liberdade individual como um dos valores que "os verdadeiros brasileiros devem derramar o seu sangue para conservar".
"Os brasileiros querem ter liberdade", afirmava, "mas liberdade individual, e não as que tinham as Repúblicas antigas, que eram só a pública ou política." É uma distinção crucial. Mais importante do que a liberdade para interferirmos nas escolhas do Estado é a liberdade para fazermos as nossas escolhas sem a interferência do Estado. Talvez, por causa dos vários escândalos e tragédias recentes, os brasileiros não percebam como nossa liberdade individual tem sido sorrateiramente subtraída.
O Brasil ocupa a 85ª posição no ranking mundial de liberdade de imprensa da Freedom House. Numa escala que mede o nível de restrições à imprensa de 0 a 60, isso representa um aumento repressivo de 32 pontos em 2002 para 39 em 2006.
A liberdade econômica também vem diminuindo. A última edição do ranking mundial de liberdade econômica, publicado anualmente pelo Fraser Institute, do Canadá, mostra que o Brasil caiu do 76º para o 101º lugar desde que o PT assumiu o poder, ficando empatado com Etiópia, Haiti e Paquistão.
Em nossos dias, como nos de Bonifácio, as autoridades querem que os rumos de nossa vida sejam matéria de deliberação política. Querem decidir por você como o seu dinheiro deve ser usado, como os seus filhos devem ser educados, quais pensamentos podem ser publicados... Querem uma sociedade de servos, não de homens livres e responsáveis. Bonifácio estava certo: "Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza, não pode haver moralidade e justiça."
Os oponentes dos liberais brasileiros eram apelidados de "corcundas", referência à atitude de prostração perante a Coroa. Mudaram os déspotas, mas permanece o despotismo. Os "corcundas" de hoje querem submeter o povo brasileiro aos caprichos de um partido político. Acusam os dissidentes de golpismo, de inimigos do povo e da democracia. Mas, como lembrava Bonifácio, "os homens de bem não servem à Pátria associando-se a um mau sistema, antes a servem roubando a este sistema a sua preponderância e autoridade." Os protestos nas ruas não se opõem às instituições democráticas. Os brasileiros querem preservar a democracia, denunciando aqueles que tentam usá-la como instrumento para o autoritarismo.
Apesar de a popularidade do presidente Lula continuar quantitativamente estável, o sentimento de indignação cresce mais e mais. Nem todos os brasileiros são compráveis com favores políticos, e estes demonstram sua revolta com vaias e minutos de silêncio. Mas isso não basta. Precisamos unir-nos em torno de uma filosofia positiva e coerente. É hora de restaurar os princípios daqueles que deram a vida para que o Brasil fosse um país livre da dominação estrangeira. A contribuição dos liberais brasileiros não pode ficar confinada às gravuras dos livros escolares. Quem entende a mensagem liberal sabe que o problema do Brasil não será resolvido pelo Estado, porque o problema do País é o excesso de confiança no Estado. Que o ímpeto da boa rebeldia esteja aliado a um discurso íntegro. É hora de os brasileiros tomarem o Brasil de volta.
Diogo Costa, mestre em Ciência Política pela Universidade de Colúmbia, é pesquisador
assistente no Cato Institute
E-mail: dcosta@cato.org
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