Do blog LUCAS MAFALDO
A educação em uma economia estatista OU Do diploma como reserva de mercado
Introdução
Há algum tempo atrás, escrevi sobre como seria a educação sob o livre-mercado. Notem o “seria” da frase anterior: não vivemos sob o livre-mercado, mas sim, sob muita interferência do Estado – e poucos campos são tão estatizados quanto a educação.
As pessoas tendem a raciocinar em termos extremistas: capitalista é toda sociedade onde existem dinheiro e propriedade privada, enquanto socialista é somente uma sociedade onde todo o dinheiro e toda a propriedade foram abolidos. Raciocinar com estes termos é totalmente
impossível, pois nenhum deles jamais existiu plenamente. Não se tem notícia de uma sociedade que conseguiu banir totalmente a liberdade de mercado, nem uma em que o mercado funcionasse totalmente sem restrições. Ausência de mercado e mercado totalmente livre são
possibilidades apenas mentais e não opções concretas.
As opções concretas são sempre entre variações no grau de liberdade em relação à autoridade estatal. Quando há tanta liberdade a ponto do próprio povo tomar a maior parte das decisões, então dizemos que estamos sob o livre-mercado. Quando o povo toma poucas decisões e o
governo toma a maioria, então estamos sob alguma forma de estatismo – que pode ser fascista, nazista ou socialista.
O Brasil é, evidentemente, um país socialista – ou pelo menos um país historicamente estatista em vias de progressiva socialização. E, como eu dizia antes, poucas áreas são tão socializadas quanto a educação.
Ainda há, é verdade, espaço para a concorrência privada; mas todo este espaço é previamente determinado pelas autoridades estatais.
Como no meu artigo anterior falei sobre a educação sob o livre-mercado, a partir deste, iniciarei uma série sobre os problemas do controle estatal da educação. Começarei explicando porque um diploma é, em última instância, uma reserva de mercado e voltarei ao tema posteriormente.
A dupla finalidade da universidade
Se perguntarmos a qualquer pessoa qual é a finalidade da universidade, ela não hesitará em responder que sua função é habilitar os alunos a exercerem determinadas profissões. Ao dar esta resposta, ela não estará de toda errada – afinal, esta é, de fato, a finalidade original
da universidade – mas estará percebendo apenas metade da questão.
Formar profissionais pode ter sido a “razão de ser” por excelência das universidades e pode até continuar sendo sua função nominal; mas, na medida em que o Estado assume a função de regular todo o mercado de trabalho, as universidades adquirem um novo papel: decidir quem entra e quem fica fora das reservas de mercados profissionais.
A partir deste ponto, a faculdade passa a ter duas finalidades: transmissão de conhecimento e acesso a uma reserva de mercado. O segundo objetivo fica apenas implícito e, quando raramente é mencionado, as pessoas tendem a diminuir sua importância dizendo que ele está em total continuidade com o primeiro. Algumas vezes, de fato, estes dois objetivos podem ser compatíveis; mas eles freqüentemente entram em conflito, gerando boa parte dos problemas que temos da educação superior.
Mas deixem-me explicar melhor o que é reserva de mercado, antes de expandir a análise deste problema.
Reserva de mercado
Uma reserva de mercado existe quando apenas um grupo pode explorar uma determinada área de negócios. Um exemplo hipotético seria o seguinte: um ditador maluco decide que apenas as mulheres poderão trabalhar como taxistas.
Toda reserva de mercado é um benefício imediato para quem está dentro dela: após a decisão do nosso hipotético ditador, imediatamente haveria um grande crescimento dos empregos disponíveis às mulheres. No entanto, uma reserva de mercado também prejudica seriamente quem está fora dela: todos os homens que pretendessem trabalhar na área seriam
prejudicados.
Além disto, existe um grupo que sempre sai perdendo com a reserva de mercado: os consumidores. Na medida em que apenas um pequeno grupo pudesse trabalhar no ramo, este pequeno grupo poderia aumentar os preços e diminuir a qualidade do serviço sem precisar ter medo da competição. Ou seja, com a reserva de mercado tende a aumentar o custo e diminuir a qualidade de um serviço – o que prejudica diretamente os consumidores.
No caso do nosso exemplo hipotético é fácil ver como as reservas de mercados são injustas: por puro arbítrio de um burocrata autoritário, um grupo de produtores foi beneficiado enquanto todos os consumidores e os produtores fora deste grupo foram prejudicados.
Ou seja, a análise econômica mostra claramente que a reserva de mercado serve para facilitar a transferência de riquezas para um pequeno grupo privilegiado aos custos do resto da população.
Reserva de mercado e coerção
Ainda há mais problemas éticos com a reserva de mercado. Por ser intrinsecamente injusta e improdutiva, toda reserva de mercado vai contra os interesses dos agentes econômicos; por isso, as próprias pessoas prejudicadas por uma reserva de mercado, mais cedo ou mais tarde, tenderão buscar maneiras de aboli-la. Ou seja, sempre que há uma reserva de mercado, há um incentivo direto para sua dissolução.
Por isso, para que uma reserva de mercado se mantenha operante – e elas conseguem se manter operante por muito tempo – é preciso que os agentes interessados em furar o bloqueio (os consumidores e os produtores alienados) sejam proibidos de tomarem decisões. Ou seja, é
preciso que o governo continuamente imponha limites a liberdade de escolha do povo, para que o grupo protegido não perca seus privilégios. E este é um sério problema ético: para se manter uma reserva de mercado em ação é preciso sempre da coerção estatal; ou seja, o governo precisa impedir que as pessoas tomem decisões que trariam benefícios para elas mesmas.
Para ilustrar melhor o que estou dizendo, basta elaborarmos um pouco mais o nosso exemplo anterior.
Digamos que, após o ditador ter criado uma reserva de mercado para as taxistas, um rapaz, para ganhar um pouco mais de dinheiro, decide entrar ilegalmente no ramo dos taxistas. Para competir com os taxistas oficiais, ele propõe um preço mais baixo do que o preço oficial.
O que está acontecendo nesta situação? Ora, este rapaz está furando a reserva de mercado e revertendo os seus efeitos: ele está redirecionado a riqueza do grupo privilegiado (as mulheres, no caso) para os grupos que haviam sido prejudicados: os motoristas homens e os consumidores.
Ao fazer isto, todos os membros envolvidos diretamente nesta troca comercial são beneficiados: o consumidor (por receber um serviço a um preço mais barato) e o motorista (pois ganhará algum dinheiro ao invés de ficar desempregado).
Neste exemplo, portanto, vemos claramente como a reserva de mercado tende a ser naturalmente abolida, já que os dois agentes econômicos envolvidos nesta troca sairão beneficiados. Qual seria a única maneira da reserva manter sua efetividade? O governo precisaria proibir que estas pessoas fizessem este acordo. Ou seja, o Estado utilizaria seu
poder de coerção para impedir que estas duas pessoas (o motorista e o consumidor) façam um acordo que beneficiarão todos os envolvidos.
A reserva de mercado, portanto, em última instância só se sustenta caso um governo autoritário impeça as pessoas de agirem de acordo com seus próprios interesses; ou seja, ela só se sustenta caso uma força externa continuamente impunha restrições à liberdade do povo.
O diploma como reserva de mercado
Neste ponto, imagino que o leitor já tenha entendido o porquê do subtítulo deste artigo. Uma coisa é possuir a habilidade necessária para executar uma profissão e outra coisa – bem diferente – é estar dentro de uma reserva de mercado criado pelo governo.
É verdade que as duas coisas são providas pela mesma instituição – a universidade – mas elas permanecem logicamente distintas. É perfeitamente possível que uma pessoa aprenda um ofício sem que consiga um diploma correspondente. Vejamos alguns exemplos simples: é
perfeitamente possível que alguém aprenda o ofício de ensinar matemática sem cursar faculdade alguma; como não há empecilho algum para que um estudante – aparelhado de uma boa biblioteca – acabe entendendo tanto de literatura quanto alguém que terminou o curso de
letras. Possuir determinada habilidade profissional, portanto, é logicamente distinto de possuir o diploma correspondente.
Com isso não quero dizer que os diplomas sejam inteiramente desnecessários; obviamente eles representam uma grande economia de tempo para os empregadores, pois, através deles, eles não precisam avaliar cada candidato individualmente para saber se estão devidamente
habilitados para o trabalho. Ou seja, se servissem apenas como um atestado de habilidades, os diplomas seriam perfeitamente legítimos – mas esta não é a sua única função.
Por causa do controle estatal do mercado de trabalho, os diplomas adquirem também a função de garantir reservas de mercado. Isto ocorre em toda área onde o governo proíbe que os consumidores contratem trabalhadores que não tenham esta documentação. Ou seja: uma coisa é uma empresária contratar o funcionário diplomado por este ser melhor que o funcionário não-diplomado; outra coisa totalmente diferente é a empresa ser proibida de contratar o
funcionário não-diplomado, mesmo que este seja melhor que o outro.
Fiquemos com um exemplo em minha área: psicologia. Alguém poderia dizer que o diploma serve para que o empregador se certifique o candidato a um emprego tenha o conhecimento necessário. Mas digamos que este empregador consiga esta informação de outro modo; digamos que um colega meu criou um excelente blog sobre psicologia organizacional. Um empresário descobriu o site e ficou entusiasmado: decide que quer contratar o autor para sua equipe. No entanto, ele logo descobre que o autor do blog ainda não é formado e, por isso, a contratação não
poderá ser efetivada.
O que está em jogo nesta situação? Obviamente, o diploma não está servindo apenas como um atestado das habilidades do rapaz (pois isso foi comprovado de outro modo), mas sim, como uma reserva de mercado para os que já estão formados. O diploma está, efetivamente, substituindo a própria habilidade profissional que deveria representar.
Como toda reserva de mercado, o diploma serve para beneficiar um grupo restrito de pessoas: o que já estão dentro da reserva, ou seja, os que já possuem um diploma. Deste modo, os diplomados podem relaxar, pois não precisam se preocupar com a possível concorrência de profissionais autodidatas.
Como toda reserva de mercado, o diploma prejudica um grupo de profissionais (os não-diplomados) e todos os consumidores. Ao invés de poder contratar quem realmente lhe parece melhor para o trabalho, o consumidor só pode contratar quem o papai-Estado determina. Mas isto é a essência mesmo do estatismo: jamais deixar que as pessoas ajam como adultas e tomem as suas próprias decisões.
Toda reserva de mercado é essencialmente uma tentativa de fugir da competição. Em uma situação onde a competição é livre, vence quem melhor satisfazer uma demanda do consumidor. Em uma economia estatizada, vence quem conseguir uma autorização do governo para ficar
dentro de uma reserva de mercado. A diferença entre livre-mercado e socialismo, no fim das contas, é esta: no livre-mercado existe um incentivo para agradar o consumidor; no socialismo existe um incentivo para agradar o burocrata.
Isto não é diferente nos cursos de pós-graduação. Parece que ninguém se espanta com o espantável fato de que o número de cursos de pós-graduação cresce gigantescamente sem que vejamos um concomitante desenvolvimento cultural e científico. Talvez as pessoas não se
espantem porque já perceberam a resposta: são pouquíssimos os que realmente fazem uma pós-graduação para aprimorar seus conhecimentos.
Uma pós-graduação, evidentemente, é uma nova reserva de mercado inscrita dentro de uma reserva anterior. Quantas vezes não encontramos um sujeito com mestrado menos hábil do que outro que ainda nem terminou a graduação? O sujeito com mestrado, no entanto, sempre terá
preferência em conseguir um emprego, pois está em uma posição mais alta na reserva de mercado.
Conclusão
Um leitor me perguntou o que poderia ser feito para melhorar a educação brasileira; com base no que escrevi acima, eu resumiria em uma frase o objetivo central de toda política pública: quanto mais liberdade melhor! Vamos permitir a competição entre diplomados e não-diplomados; isto sim, forçaria as universidades a melhorarem a qualidade do seu ensino.
Mais legislação e mais controle estatal só aumentarão os problemas. Enquanto as pessoas procurarem um curso de graduação para fugir da competição, o crescimento econômico será limitado; enquanto as pessoas procurarem uma pós-graduação para fugirem do mercado de trabalho (e não por uma autêntica vocação intelectual), a produção cultural e científica permanecerá fraca.
Quanto mais liberdade houver, melhor será a quantidade e qualidade da produção em todas as áreas.
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