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Ladislav Bittman
Você acredita que os americanos tramaram o golpe de 31 de março? Pois aqui o ex-chefe da espionagem soviética no Brasil conta quem inventou essa história: foi ele mesmo.
Nota prévia de Olavo de Carvalho
Desde 1964, a crença de que o golpe de 31 de março desse ano foi orquestrado pelos norte-americanos, lançada pela oposição esquerdista, veio conquistando um espaço cada vez maior na mídia, nos livros de "História" e no ensino, até tornar-se um dogma que só um lunático ou um desalmado agente do imperialismo ousaria contestar.
No entanto, ela baseia-se inteiramente em documentos falsos, forjados pela espionagem tcheca que, na época, era o braço da KGB no Brasil.
Quem contou isso em detalhes foi o próprio coordenador da operação, Ladislav Bittman.
A confissão está no livro The KGB And Soviet Disinformation. Publicado em Washington em 1985, o livro foi totalmente ignorado no Brasil, tanto pelos jornalistas quanto pelos chamados "pesquisadores" acadêmicos.
Fruto do desinteresse ou do interesse, essa omissão favoreceu grandemente a consolidação da mentira como verdade absoluta, repassada a duas gerações de leitores e estudantes.
Até 2001, os donos da opinião pública ainda podiam, verossimilmente, alegar ignorância. Em 17 de fevereiro desse ano, porém, publiquei em Época um artigo que resumia as revelações de Bittman e apelava à consciência moral dos jornalistas para que algum deles tomasse a iniciativa de entrevistar o ex-chefe da espíonagem checa.
Inútil. A única resposta foi um siêncio aterrador, mais eloqüente que mil alto-falantes num comício do Lula.
A lenda do "golpe tramado pela CIA" continuou a ser difundida por todo o país e acabou entrando nos livros didáticos, repassando até às crianças de escola uma perversa mentira comunista.
"O jornal lucra pela notícia que não sai", dizia Gondim da Fonseca. Na época em que ele disse isso os jornais eram frágeis economicamente, e os patrões ditavam a pauta, com efeito, segundo o molde de seus interesses comerciais. No novo jornalismo que surgiu no Brasil a partir da década de 70, operando em vários ramos simultaneamente, a independência econômica das empresas aumentou muito a autonomia das redações, que passaram a ditar a linha política dos jornais à margem de interferências comerciais. Os jornais continuam lucrando pelas notícias que não saem. Mas o lucro da omissão já não é comercial, é político, e não vai para os patrões, e sim para a militância esquerdista organizada, perversa e prodigiosamente maquiavélica que hoje domina as redações. MSM vem acumulando provas em cima de provas para sustentar essa observação.
O caso de Ladislav Bittman é, entre essas provas, uma das mais eloqüentes.
Que desculpa haveria para o silêncio geral e uniforme da mídia em torno de revelações tão fundamentais, de fonte tão insuspeita, que poderiam modificar de alto a baixo a visão de quatro décadas de história do Brasil? Não há desculpa, mas há explicação: essas revelações tinham de ser ocultadas precisamente porque modificariam a visão oficial de quatro décadas de História do Brasil, consagrada por um pacto de safadezas acadêmicas e jornalísticas.
Também seria excesso de ingenuidade pensar que, com a queda da URSS, operações de desinformação como a que Bittman descreve no seu livro cessaram de ser realizadas, no Brasil ou em qualquer outro país. A KGB apenas trocou de nome pela enésima vez, o serviço secreto chinês ampliou suas atividades até o ponto de conseguir influenciar diretamente um presidente dos EUA, e a rede de contatos da espionagem comunista no mundo ocidental continua intacta e em pleno funcionamento, principalmente no que se refere ao trabalho dos agentes de influência, que na mídia brasileira são abundantes e, em alguns casos, - para quem estudou o assunto - notórios.
A única diferença entre a situação de hoje e a de trinta anos atrás, sob esse aspecto, é que o fim da URSS, exatamente como previu Anatoliy Golytsin em New Lies for Old, foi usado como pretexto para desmoralizar, inibir e reprimir toda investigação, de modo que nunca o trabalho de espiões e agentes de influência comunistas e pró-comunistas se desenvolveu com tanta liberdade e em condições tão favoráveis quanto agora. Mas não só a alegação da queda da URSS foi usada com esse propósito. As novas modas mentais introduzidas no Ocidente desde a década de 60 - muitas delas criadas diretamente pela KGB - também serviram a esse propósito. A força inibidora do "politicamente correto" foi muito usada durante o governo Clinton para bloquear investigações contra os terroristas árabes e os espiões chineses.
Nessas circunstâncias, não é muito difícil saber por que, no Brasil, as denúncias de envolvimento do PT com a narcoguerrilha colombiana nunca são investigadas. Pelas mesmas razões, a CUT pode até alardear que tem oitocentos jornalistas na sua folha de pagamentos, sem que ninguém na mídia veja aí nada de anormal. É claro: agentes de influência não são pagos para se denunciar a si mesmos.
Importantíssimo, sob esse aspecto, é o trabalho dos correspondentes estrangeiros. Vladimir Boukovski, em Jugement à Moscou, informa que descobriu nos Arquivos do Comitê Central do PCUS as provas de que uma boa parte dos correspondentes em Paris, Londres e Nova York estava na folha de pagamento da KGB.
Para avaliar a extensão da atividade desse tipo de correspondentes no Brasil, basta notar que até hoje, em muitos jornais estrangeiros - inclusive o Pravda (cujas as notícias a respeito serão em breve reproduzidas em MSM) -, os assassinatos dos prefeitos petistas de Santo André e Campinas ainda constam como feitos homicidas de grupos de "extrema direita", mesmo depois de provado que não foram nada disso. A remessa de desinformação ao Exterior é importante para manter acesa a chama da opinião pública esquerdista mundial, usada como instrumento de pressão para influenciar a política brasileira nos momentos decisivos. O governo petista do Rio Grande do Sul, por exemplo, tem hoje mais apoio em Londres e Paris do que em Porto Alegre, mas ninguém neste país tentou até hoje mapear as conexões políticas dos correspondentes estrangeiros que produziram esse milagre.
O texto de Ladislav Bittman deve portanto ser lido não apenas como um relato histórico, mas como um modelo para a análise da mídia brasileira no presente.
Olavo de Carvalho
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A desinformação soviética no Brasil e o golpe de 1964
Ladislav Bittman
Extraído de: Ladislav Bittman, The KGB And Soviet Disinformation. An Insider's View, Washington, Pergamon-Brassey's, 1985.
Sob direta supervisão soviética, o departamento de desinformação tcheco, durante os anos que se seguiram, criou centenas de jogos contra os Estados Unidos, melhorou velhas técnicas de falsificação e desenvolveu novas. Quando Ivan I. Agayants, o oficial comandante do departamento de desinformação soviético, visitou Praga em 1965, ele parabenizou seus subordinados tchecos pelos seus sucessos, e enfatizou a necessidade de fortalecer a coordenação entre os serviços de inteligência do Pacto de Varsóvia.
A maioria destas vitórias foi conquistada em países em desenvolvimento, perturbados por alto índice de desemprego, complicados problemas sociais, lingüísticos, tribais e econômicos, nacionalismo agressivo, influência de oficiais militares em assuntos políticos e uma considerável ingenuidade entre os líderes políticos. A América Latina, com seus fortes sentimentos anti-americanos, foi campo particularmente fértil e respondeu bem às provocações do Leste Europeu. Usando o México e o Uruguai como bases operacionais para o restante do continente, a inteligência tchecoslovaca concentrou sua atenção primeiramente no Brasil, na Argentina e no Chile, bem como no México e no Uruguai.
Em fevereiro de 1965, o serviço me enviou a diversos países latino-americanos, inclusive Brasil e Argentina, para fazer a apreciação pessoal do clima político naqueles lugares e buscar novas idéias operacionais. Naquele tempo, a inteligência tcheca tinha numerosos jornalistas à sua disposição na América Latina. Ela influenciou ideológica e financeiramente diversos jornais no México e no Uruguai e até mesmo possuiu um jornal político brasileiro até abril de 1964. Mas a desinformação estava tradicionalmente ligada, em grande parte, a técnicas de falsificação.
A Operação Thomas Mann estava chegando à sua conclusão quando cheguei no Brasil. Seu objetivo era provar que a política externa americana na América Latina havia passado por fundamental reavaliação e transformação desde a morte do presidente John F. Kennedy. Queríamos enfatizar a política americana de exploração e de interferência nas condições internas dos países latino-americanos. De acordo com a teoria fabricada, o Secretário-assistente de Estado Thomas A. Mann era o autor e diretor da nova política. Queríamos criar a impressão que os Estados Unidos estavam impondo pressão econômica injusta àqueles sul-americanos com políticas que eram desfavoráveis aos investimentos do capital privado americano. Também queríamos criar a impressão que os Estados Unidos estavam forçando a Organização dos Estados Americanos (OEA) a tomar uma posição mais anticomunista, enquanto a CIA planejava golpes contra os regimes do Chile, Uruguai, Brasil, México e Cuba. A operação foi projetada para criar no público latino americano uma prevenção contra a nova política linha-dura americana, incitar demonstrações mais intensas de sentimentos anti-americanos e rotular a CIA como notória perpetradora de intrigas antidemocráticas.
A operação dependia apenas de canais anônimos para disseminar uma série de falsificações. A primeira falsificação - um press release falso da Agência de Informação dos Estados Unidos no Rio de Janeiro - continha os princípios fundamentais da "nova política externa americana". A segunda falsificação foi uma série de circulares publicadas em nome de uma organização mítica chamada "Comitê para a Luta contra o Imperialismo Ianque". O objetivo declarado desta organização não-existente era alertar o público latino-americano a respeito da existência de centenas de agentes da CIA, do DOD e do FBI, fantasiados de diplomatas. Uma terceira falsificação foi uma carta supostamente escrita por J. Edgar Hoover, diretor do FBI, para Thomas A. Brady, um agente do FBI. A carta dava crédito ao FBI e à CIA pela execução bem sucedida do golpe brasileiro de 1964.
O falso press release da USIA no Rio de Janeiro foi mimeografado e distribuído em meados de fevereiro de 1964, numa simulação de envelope da USIA, para a imprensa brasileira e políticos brasileiros selecionados. Uma carta de apresentação, anexada ao release e supostamente escrita por um funcionário local da USIA, declarava que o chefe americano da missão havia suprimido a carta por ser franca demais. O funcionário revelava que havia conseguido reter diversas cópias e que as enviara à imprensa brasileira porque estava convencido de que o público devia saber a verdade. Como conclusão, o remetente anônimo dizia que não podia revelar seu nome porque estaria arriscando a perda de seu emprego.
Em 27 de fevereiro de 1964, a falsificação apareceu no jornal brasileiro O Semanário sob a manchete "MANN DETERMINA LINHA DURA PARA OS EUA: NÓS NÃO SOMOS MASCATES PARA NEGOCIAREM CONOSCO", e um ataque anti-americano acompanhava o texto do press release falsificado. Alguns dias depois, em 2 de março de 1964, Guerreiro Ramos, um membro do Partido Trabalhista Brasileiro, fez um discurso em que comentava a nova política atribuída a Thomas Mann e concluía que os Estados Unidos haviam obviamente retornado à linha dura de John Foster Dulles após a morte do presidente Kennedy. (Ele posteriormente reconheceu seu erro e explicou que a declaração atribuída a Mann estava baseada em um documento forjado.) Em uma declaração pública de 3 de março, o embaixador americano no Rio de Janeiro respondeu a funcionários brasileiros que Mann jamais havia proposto tais políticas e que aquela embaixada jamais havia emitido aquele press release.
Nos meses que se seguiram, a imprensa esquerdista latino-americana usou o nome de Thomas A. Mann como um símbolo vivo do imperialismo americano. Em 29 de abril de 1964, o semanário mexicano pró-comunista Siempre publicou um artigo fazendo referência ao chamado Plano Thomas Mann contra a América Latina, e acrescentou que o plano pedia a queda dos governos do Chile, do Brasil, do Uruguai e de Cuba, e o isolamento do México durante o ano de 1964; o jornal uruguaio Epoca repetiu a acusação em 20 de maio. Duas semanas depois, o primeiro secretário do Partido Comunista Uruguaio falou no parlamento, no contexto de uma discussão sobre exportações americanas, e acusou Thomas Mann de "cinicamente favorecer golpes de Estado". Quando a embaixada americana em Montevidéu - no dia seguinte - publicou um lembrete de que o assim chamado Plano Thomas Mann era uma falsificação, o órgão de imprensa comunista El Popular respondeu em 5 de junho de 1964 com um artigo eloqüentemente entitulado "Mister Mann: Plano de Guerrilha para toda América Latina". Mesmo bastante tempo depois, em 16 de junho de 1965, o jornal esquerdista mexicano El Dia publicou um quarto de página com o anúncio do "Comitê de Coordenação Nacional para o apoio à Revolução Cubana". O artigo declarava que, em 1964, Mann havia liderado a Operação Isolamento, criada para enfraquecer a posição de Cuba como líder da luta anti-imperialista na América Latina.
Como já foi mencionado anteriormente, uma segunda técnica usada nessa campanha de desinformação consistiu em circulares e proclamações disseminadas em nome de uma organização fictícia, o "Comitê para a Luta contra o Imperialismo Ianque". A maior parte destes documentos identificava representantes americanos na América Latina como espiões, inclusive diplomatas, homens de negócio e jornalistas. A seleção de candidatos era relativamente simples. Publicações americanas continham valiosos dados bibliográficos a respeito de diplomatas americanos e empregados de diversas organizações oficiais e privadas americanas que operavam no exterior. Era fácil selecionar aqueles cuja biografia estivesse de acordo com o objetivo da falsificação. Estas acusações fictícias eram aceitas na maioria das vezes como informação confiável.
Em julho de 1964, o público latino-americano recebeu "prova" adicional de atividades subversivas americanas na forma de duas cartas forjadas assinadas por J. Edgar Hoover. Ambas estavam endereçadas a Thomas Brandy, um funcionário do FBI. A primeira, datada de 2 de janeiro de 1961, era uma mensagem de parabéns pela ocasião do aniversário de vinte anos de serviço de Brady no FBI. Seu objetivo era autenticar uma segunda carta, datada de 15 de abril de 1964, para a mesma pessoa.
"Washington, D.C
15 de abril de 1964
Pessoal
Caro Sr. Brady: Quero fazer uso desta para expressar meu apreço pessoal a cada agente lotado no Brasil, pelos serviços prestados na execução da "Revisão".
A admiração pela forma dinâmica e eficiente que esta operação em larga escala foi executada, em uma terra estrangeira e sob condições difíceis, levou-me a expressar minha gratidão. O pessoal da CIA cumpriu bem o seu papel e conseguiu muito. Entretanto, os esforços de nossos agentes tiveram valor especial. Estou particularmente feliz de que a nossa participação no caso tenha se mantido secreta e de que a Administração não tenha tido de fazer declarações públicas, negando-a. Podemos todos nos orgulhar da participação vital do FBI na proteção da segurança da Nação, mesmo além de suas fronteiras.
Estou perfeitamente ciente de que nossos agentes muitas vezes fazem sacrifícios pessoais no cumprimento de seus deveres. As condições de vida no Brasil podem não ser as melhores, mas é realmente muito encorajador saber que - pela sua lealdade e pelas realizações através das quais vocês têm prestado serviço à seu país, de forma vital mesmo que não glamurosa - vocês não abandonam o trabalho. É este espírito que hoje permite que o nosso Bureau enfrente com sucesso suas graves responsabilidades. Sinceramente, J. E. Hoover".
Como o texto implica, a intenção da falsificação era provar o envolvimento direto americano da deposição do governo brasileiro de João Goulart. O serviço tchecoslovaco teria preferido depositar toda a culpa na CIA, mas a razão da inclusão do FBI na conspiração americana foi muito prosaica: o serviço secreto não tinha o modelo do papel timbrado da CIA naquela época. A falsificação e uma das circulares mencionadas anteriormente apareceram primeiramente no jornal argentino Propositos, em 23 de julho. A esta publicação seguiu-se uma reação em cadeia na imprensa latino-americana, à medida que os jornais, um a um, se revezaram em espalhar essa "nova onda de atividade subversiva americana." (*)
* Ultima Hora, Santiago, 24 de julho de 1964; Vistazo, Santiago, 27 de julho de 1964; El Siglo, Santiago, 28 de julho de 1964; El Popular, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Prensa Latina, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Marcha, Montevidéu, 31 de julho de 1964; Epoca, Montevidéu, 1 de agosto de 1964; Combate, Santiago, 1 de agosto de 1964; El Siglo, Santiago, 2 de agosto de 1964; El Dia, Cidade do México, 17 e 20 de janeiro de 1965; La Gacota, Bogotá, março/abril, 1965; e provavelmente muitos outros.
Apêndice
Sugestão aos colegas
Olavo de Carvalho
Época, 17 de Fevereiro de 2001
Por que ninguém entrevista Ladislav Bittman, o ex-espião tcheco que sabe tudo sobre 1964?
Milhões de crianças brasileiras, nas escolas oficiais, são adestradas para repetir que o golpe militar de 1964 foi obra dos Estados Unidos, como parte de um projeto de endurecimento geral da política exterior ianque na América Latina.
Sabem quem inventou essa história e a disseminou na imprensa deste país? Foi o serviço secreto da Tchecoslováquia, que naquele tempo subsidiava numerosos jornalistas e jornais brasileiros. O próprio chefe do serviço tcheco de desinformação, Ladislav Bittman, veio inspecionar as fases finais do engenhoso empreendimento que se chamou "Operação Thomas Mann". O nome não aludia ao romancista, mas ao então secretário-adjunto de Estado, Thomas A. Mann, que deveria constar como responsável por uma "nova política exterior" de incentivo aos golpes de Estado.
A safadeza foi realizada através da distribuição anônima de documentos falsificados, que a imprensa e os políticos brasileiros, sem o menor exame, engoliram como "provas" do intervencionismo americano. O primeiro lance foi dado em fevereiro de 1964: um documento com timbre e envelope copiados da Agência de Informação dos EUA no Rio de Janeiro, que resumia os princípios gerais da "nova política". A coisa chegou aos jornais junto com uma carta de um anônimo funcionário americano, investido, como nos filmes, do papel do herói obscuro que, por julgar que "o povo tem o direito de saber", divulgava o segredo que seus chefes o haviam mandado esconder.
O escândalo explodiu nas manchetes e os planos sinistros do senhor Mann foram denunciados no Congresso. O embaixador americano desmentiu que os planos existissem, mas era tarde: toda a imprensa e a intelectualidade esquerdistas das Américas já tinham sido mobilizadas para confirmar a balela tcheca. A mentira penetrou tão fundo que, três décadas e meia depois, o nome de Thomas A. Mann ainda é citado como símbolo vivo do imperialismo intervencionista.
A essa primeira falsificação seguiram-se várias outras, para dar-lhe credibilidade, entre as quais uma lista de "agentes da CIA" infiltrados nos meios diplomáticos, empresariais e políticos brasileiros, que circulou pelos jornais sob a responsabilidade de um "Comitê de Luta Contra o Imperialismo Americano", o qual nunca existiu fora da cabeça dos agentes tchecos. Na verdade, confessou Bittman, "não conhecíamos nem um único agente da CIA em ação no Brasil". Mas a mais linda forjicação foi uma carta de 15 de abril de 1964, com assinatura decalcada de J. Edgar Hoover, na qual o chefe do FBI cumprimentava seu funcionário Thomas Brady pelo sucesso de uma determinada "operação", que, pelo contexto, qualquer leitor identificava imediatamente como o golpe que derrubara João Goulart.
Toda uma bibliografia com pretensões historiográficas, toda uma visão de nosso passado e algumas boas dúzias de glórias acadêmicas construíram-se em cima desses documentos forjados. Bem, a fraude já foi desmascarada por um de seus próprios autores, e não foi ontem ou anteontem. Bittman contou tudo em 1985, após ter desertado do serviço secreto tcheco. Só que até agora essa confissão permaneceu desconhecida do público brasileiro, bloqueada pelo amálgama de preguiça, ignorância, interesse e cumplicidade que transformou muitos de nossos jornalistas e intelectuais em agentes ainda mais prestimosos da desinformação tcheca do que o fora o chefe mesmo do serviço tcheco de desinformação. Quantos, nesses meios, não continuam agindo como se fosse superiormente ético repassar às futuras gerações, a título de ciência histórica, a mentira que o próprio mentiroso renegou 15 anos atrás?